Atração do projeto Ernesto Nazareth – 150 anos depois, que continua em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), na Praça da Liberdade, até semana que vem, o pianista carioca Antonio Adolfo anuncia que pretende fazer das apresentações desta quarta e quinta à noite a base para um novo disco. “Já que estou gravando repertório quase todo diferente do disco anterior, e a formação e a concepção são mais novas e arrojadas, quem sabe?”, pergunta o músico, que em 'Os pianeiros', de 1981, homenageou o mestre, recebendo convidados como Dino 7 Cordas, Jacques Morelenbaum e Zé Luiz Mazzioti, entre outros.
Na opinião do pianista carioca, a obra para piano solo de Ernesto Nazareth é de uma riqueza enorme. “Ele foi um dos maiores responsáveis pela abertura dessa combinação afro, clássica e jazzística para o piano. A obra de Nazareth é o piano brasileiro em si”, resume Antonio Adolfo, para quem o simples fato de o mestre ter juntado esses diferentes gêneros musicais já diz muito. Apesar da importância do compositor para a proliferação do piano nos lares brasileiros, Antonio Adolfo não acredita que a música brasileira tenha perdido com a sua substituição pelo violão e outros instrumentos.
Todas as teclas
“Depois de Nazareth veio uma outra fase muito rica, que teve, entre outros representantes, um outro gênio: Pixinguinha. Isso sem citar Jacob do Bandolim. A verdade é que mais tarde o piano seria resgatado como importante instrumento para a difusão e inovação da música brasileira via Tom Jobim e Luiz Eça. Era o momento da bossa nova, que nascia da classe média, principalmente da Zona Sul carioca", avalia Antonio Adolfo.
Ainda de acordo com Antonio Adolfo, a importância de Ernesto Nazareth se dá também pelo tamanho da obra e por ele ser o que mais contribuiu para o repertório pianístico. “Não podemos nos esquecer de como ele juntou com maestria a alma brasileira influenciada pelo ritmos afro-brasileiros, a música europeia (polca, a suite clássica) e o jazz”, acrescenta Adolfo, salientando o fato de as composições do mestre, sempre de caráter popular, terem sido absorvidas pelos grupos de choro.
“Àquela época chamavam de tango brasileiro, maxixe, polca e outros nomes, mas não de choro”, ensina Antonio Adolfo. “Depois, viu-se que eram (e são) autênticos choros. E tem as valsas também, que muitas vezes são interpretadas por grupos de choro. Talvez por sua obra ser mais caracterizada para o piano, Ernesto Nazareth não tenha alcançado tanta popularidade entre os chorões, assim como Pixinguinha, por exemplo. Quem contribuiu muito para trazer sua música para o grupo de choro foi Jacob do Bandolim.”
Para o pianista carioca, que se interessa por um repertório de choro mais sofisticado, com belas melodias, as gravações da obra de Nazareth têm se multiplicado nos últimos anos e começam a interpretá-la com maior liberdade. “Isso porque, à época em que viveu, os registros eram somente em partituras, com pouquíssimas gravações.”
Hoje, como destaca Adolfo, a cultura mais popular absorve bem mais a obra de Nazareth. “Aqui cabe um ponto relevante sobre a ‘possível dificuldade’ que possa ter tido a obra de Nazareth para se popularizar, por ser constituída principalmente por músicas feitas ao piano, que é um instrumento com uma extensão de 88 notas, extensão esta que nenhum outro instrumento de grupo de choro tem”, conclui.