Alto Vera Cruz comemora 25 anos do movimento hip-hop em Belo Horizonte

Músicos, b-boys e grafiteiros se reúnem para celebrar a arte engajada feita na Região Leste; programação acontece de 29 de novembro a 7 de dezembro

por Ailton Magioli 15/11/2013 00:13

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Ângelo Pettinati/ESP. EM/D. A PRESS
O b-boy Daniel Rosa, de 44 anos, integra o grupo Break Limpeza e faz parte do movimento cultural do bairro desde sua origem (foto: Ângelo Pettinati/ESP. EM/D. A PRESS)
Filhos de carpinteiros, domésticas, pedreiros e operários, os meninos do Alto Vera Cruz, na Região Leste, que agrega bairros vizinhos como Granjas de Freitas, Pompeia e Taquaril, penaram na década de 1980 para mostrar a cultura de rua que se alastrava na comunidade, paralelamente à violência e às dificuldades de toda ordem. “De segunda a segunda, sempre à noite, éramos cerca de 40 pessoas curtindo e dançando, entre as avenidas Belém e Andradas, sem perturbar ninguém”, recorda o b-boy Daniel Rosa, de 44 anos, que faz do break dance o seu meio de vida: não apenas nas horas de lazer, mas no próprio trabalho, no Serviço de Limpeza Urbana (SLU), onde, além do recolhimento do lixo, integra o grupo Break Limpeza e ministra oficinas de dança.

“Se hoje a informação está acessível a todos pelo Google, na época penávamos para descobrir as novidades”, acrescenta o rapper Flávio Renegado, de 30, que mesmo tendo começado uma década depois acabou se tornando a grande revelação da comunidade. A agenda lotada de apresentações nos próximos dias vai impedir o rapper de comparecer à abertura da festa, mas o Alto Vera Cruz promete comemorar devidamente os 25 anos de cultura hip-hop, com direito a exposição, palestras, oficinas, debates e, naturalmente, um grande show. De 29 deste mês a 7 de dezembro, a ordem é mostrar tudo que se produziu e continua sendo produzido na área do hip-hop, salientando a importância do movimento nas conquistas de uma comunidade engajada.

Frequentador dos bailes black desde o fim dos anos 1970, no início dos 1980, Evandro JDO,  de 42, conheceu o Public Enemy, sentindo-se atraído pelo trabalho do grupo americano já pela postura adotada nas fotos das capas de discos. O acesso a uma fita K7 de Thaíde, considerado o primeiro rapper brasileiro, foi suficiente para ele descobrir o hip-hop como cultura, que adotou imediatamente, ao lado dos amigos, como ferramenta de transformação social. “Ali surgiu o hip-hop no Alto Vera Cruz”, conta ele, que criou em 1987 o Processo Hip Hop, primeiro grupo do gênero na comunidade, ao lado de Daniel do Rap. “Além de composições próprias, partimos para a atuação na comunidade com intervenções de rua”, acrescenta, salientando que as rodas de rua começaram com antigos rádios e gravadores a pilha, que garantiam a trilha quando dançavam break.

Ângelo Pettinati / Esp. EM / DA PRESS
Evandro JDOL participou da gravação dos primeiros discos de rap de BH (foto: Ângelo Pettinati / Esp. EM / DA PRESS)
“Já entramos fazendo aquilo com discurso social engajado, que tinha tudo a ver com a origem do bairro”, admite Evandro JDOL. Ele se lembra da atuação frustrante de uma mineradora, que teria chegado ao local para promover a urbanização, antes de iniciada a ocupação da área, na década de 1950, sem nenhuma infraestrutura ou saneamento básico. “O bairro já começa com falta de estrutura, pobreza e todas as mazelas, despertando as lideranças para a necessidade do discurso social”, repara o MC. Ele salienta que a ditadura militar, que viria a seguir, acirraria os ânimos, contribuindo para a ocorrência de protestos diários na comunidade, que, segundo o Censo de 2010, tem mais de 20 mil moradores.

Ponto de cultura

Verdade que nem todos eles detectam contribuição do hip-hop à cultura local. “Não tenho nada contra, mas não me atrai. Musicalmente, por exemplo, prefiro a MPB”, reage a funcionária pública Denise Maia, de 37, anos, enquanto estuda para concurso na biblioteca do Centro Cultural Alto Vera Cruz, um dos principais pontos da cultura local. “Só de incentivar os jovens a fazer arte, tirando-os das drogas e das ruas, eu apoio”, diz o empreiteiro Colíbio Pires Moção, de 67.

O assessor parlamentar Paulo Sorín, de 40, que se autointitula líder comunitário, apressa-se em ressaltar que o hip-hop levou coisas boas para a comunidade. Além do rapper Flávio Renegado, que participou da fundação do grupo Negros da Unidade Consciente (NUC), que hoje é um ponto de cultura, o Alto Vera Cruz orgulha-se de grupos como Meninas de Sinhá e Netinhas de Sinhá, que, liderados por dona Valdete da Silva Cordeiro, são responsáveis por reavivar a cultura local.

Uma fábrica de suingue

O primeiro disco (ainda de vinil) de rap mineiro data de 1992. Trata-se da coletânea Fábrica de ritmos, produzido pelo DJ A Coisa, com a participação de Evandro MC e MC Pelé (1965-2009), entre outros. A seguir, Evandro e grupo Black Soul se unem para produzir mais dois petardos do gênero: Tráfico, morte e corrupção, de 1994, e Efeito moral, de 1995. A convite do Jota Quest, Evandro MC participaria de duas faixas do disco Até onde vai, da banda mineira, nas faixas Libere a mente e É rir pra não chorar. Como gosta de dizer o b-boy Daniel Rosa, a cultura de rua para ele não é lazer, mas estilo de vida. “Eu, por exemplo, constituí família sem abrir mão do hip-hop”, orgulha-se o dançarino, que já é inclusive avô. O educador social e arte-educador Júnior, de 34 anos, e os rappers Rogério Alves, de 37, e Neneu, de 38, são outros artistas militantes do hip-hop do Alto Vera Cruz, com trabalhos solo ou em grupo.

Flávio Renegado detecta na atual cena hip-hop mineira uma ação mais coletiva. “Os movimentos se organizaram mais, deixando para trás o personalismo”, afirma o rapper, que acaba de participar do disco da cantora carioca Bebel Gilberto, gravado ao vivo no Rio. Depois do que classifica de “três décadas de sobrevivência” no Alto Vera Cruz, o artista detecta um período de entressafra no rap mineiro, contabilizando dois discos solo (Do Oiapoque a Nova York, de 2008, e Minha tribo é o mundo, de 2011), enquanto aguarda o lançamento do primeiro DVD, gravado ao vivo, em julho, no Parque Municipal de Belo Horizonte.

Entre os maiores talentos do rap mineiro apontados por Renegado estão Evandro MC e o grupo Black Soul. “Mas, além da politização das letras, devido à forma como nos organizamos nas comunidades, a capital mineira hoje também é nacionalmente reconhecida pelo improviso, pelo chamado freestyle, o rap livre praticado nos duelos de MCs”, diz, recorrendo ao fenômeno de público em que se transformou o encontro de rappers, debaixo do Viaduto de Santa Tereza, no Centro.

Nascido e criado no Alto Vera Cruz, onde hoje mantém um ateliê, o grafiteiro Negro F descobriu a arte de rua quando ainda era um pichador. “Vi o grafite, fiquei motivado e nunca mais parei”, conta o artista, que, além de expor o próprio trabalho, é curador de exposições. Desde o início, Negro F usou o grafite para denunciar as mazelas locais. “O meu primeiro trabalho na comunidade foi temático. Grafitei um muro para denunciar a presença de uma caçamba que só atrapalhava a vida do bairro”, recorda o artista, que liderou o movimento do bota-fora da tal caçamba. Hoje, além do formado design, ele vive do grafite e ministra oficinas no interior de Minas e em outros estados. Entre os jovens talentos do grafite, Negro F destaca Nilo Zack e Lídia Viver, ambos do Taquaril, que são adeptos do chamado fotorrealismo.

Semana hip-hop do Alto Vera Cruz

De 29 deste mês a 7 de dezembro, no Centro Cultural Alto Vera Cruz, Rua Padre Júlio Maria, 1.577. Palestras, exposições, oficinas e programação musical. Na abertura, exposição de fotos, manuscritos, vídeos, gravações, vinis, CDs e equipamentos que contam a história das gerações do hip-hop na região e festa dos MCs com grupos de rap e funk.

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