Provisoriamente intitulado 'Marimbaia', o projeto terá cerca de nove composições, a maioria escrita por Leandro e algumas do violoncelista Felipe José, seu parceiro em outras empreitadas musicais. Talvez seja incluído rearranjo de uma peça de Marco Antônio Guimarães (criador dos instrumentos do Uakti), extraída de algum dos primeiros discos do grupo mineiro. Os percussionistas Edson Fernando, Tarcísio Braga e Yuri Vellasco tocarão diferentes marimbas simultaneamente (às vezes até com arco de violoncelo) acompanhados por Leandro e Felipe, que tocarão esse e outros instrumentos.
Leandro, de 28 anos, conta que a ideia surgiu em 2010, quando levou para o palco da mostra Nova Música Instrumental Mineira, na capital mineira, alguns dos instrumentos que cria na oficina que mantém em casa. “Senti falta de um instrumento que me desse suporte harmônico melhor. Os que crio são mais experimentais e recorria ao violão ou ao violoncelo para suprir essa carência”, conta ele. Assim, ele construiu a primeira marimba com teclas de vidro.
Pouco depois fez outra, de cerâmica, e logo recebeu encomenda de uma terceira, de madeira, para o Uakti. Hoje, acumula quase 15, com teclas de madeira, bambu, cerâmica, aço, vidro e alumínio. “Estou estudando para construir uma marimba de ardósia, mas não será para essa leva”, adianta. Por vezes, o material para as teclas vem de descarte (madeira de móveis desmontados, porcelanato que sobra em obras etc.) e a busca por matéria-prima o leva-o a frequentar as ruas Tamoios e Rio Grande do Sul, no Centro de BH, onde estão madeireiras e lojas de ferragens.
Em suas andanças por lá, por exemplo, descobriu que certas agulhas de tecelagem são ideais para servir de baqueta, por serem muito leves. Na ponta delas (parte usada para bater as teclas) vem testando materiais como linha de tecido (trançadas mais frouxas ou apertadas), madeira e borracha (bolinhas de brinquedo conhecidas como pererecas). No caso do vidro para as teclas, o material é exatamente o mesmo usado em janelas. Uma marimba leva ao menos uma semana de trabalho diário e ininterrupto para ficar pronta.
Mais do que altura, largura e comprimento, durante a construção do instrumento há que se prestar especial atenção ao ponto nodal, localização exata do furo que ajuda a prender a tecla ao corpo da marimba. Feito fora do lugar certo, impede a nota de soar plenamente. Outra etapa importante na confecção das teclas é desgatar suas laterais cuidadosamente até atingirem a nota exata: quanto mais se desgasta, mais grave fica. “Teclas de madeira são as que dão mais trabalho, pois faço com formão, pouco a pouco, até chegar no ponto”, conta. Para cerâmica, esse ajuste é feito com esmeril.
Novidades
Essa não é a primeira vez que Leandro usa marimba em seus trabalhos, tendo experiência anterior com um de seus grupos, o Diapasão. “Usávamos marimba de vidro. Comparada à bateria, ela tem muito menos projeção de som, mas acabava levando a música para uma direção específica. No Brasil, ela ainda traz uma sensação de novidade, apesar de não ser um ET entre os músicos. É mais comum na África e em outros países da América do Sul. Quando ela entra numa formação tradicional, pode guiar esteticamente vários passos, propondo determinados tipos de escrita ou dinâmica, orientando os músicos a partir disso.”
Apesar de todos os experimentos com diferentes materiais, ele acredita que sua maior contribuição ao desenvolvimento da linguagem do instrumento ainda está por vir. “As baquetas que estou testando apontam para um novo caminho, mas em termos de técnica ainda estou um pouco preso ao tradicional. Quero fazer um laboratório de improvisação com os músicos nos ensaios.” Paralelamente, ele busca local para deixar todas as marimbas montadas, o que viabilizaria ensaios e oficinas.
Ponta-cabeça
Uma das marimbas mais curiosas do acervo de Leandro não tem teclas, aparentemente uma caixa retangular de madeira com uma das extremidades menor que a outra. A inspiração veio do Uakti: ao tocar marimba, ocasionalmente seus integrantes batucam a parte de baixo do instrumento, sob as teclas. Leandro, então, virou a marimba de ponta-cabeça para facilitar o acesso às notas. Marco Antônio Guimarães gostou da invenção e decidiu aperfeiçoá-la com Leandro, providenciando pés de borracha (que melhoraram a performance dos graves) e réguas fixas de madeira para percutir o tampo.
PERFIL
Nascido em Contagem, Leandro mora em BH há muitos anos – é um dos residentes da Casa Azul, fervilhante misto de centro cultural e estúdio no Bairro Carlos Prates. O aprendizado de música começou com o violão e passou para o saxofone. Fez curso de mecânica, quando aprendeu a lidar com diferentes materiais. Iniciou a construção de instrumentos em 2005: a marimba de madeira foi um dos primeiros. A empatia pelo som do Uakti foi imediata e não tardou a tornar-se admirador de Walter Smetak e Marco Antônio Guimarães. Atualmente, colabora na construção e manutenção dos instrumentos do grupo mineiro. Em 2010, montou grupo para tocar os instrumentos que faz na mostra Nova Música Instrumental Mineira. Atua também como violonista e compositor dos grupos Diapasão e Urucum na Cara.
Leandro César constrói conjunto de marimbas e prepara repertório especial
Luthier segue a tradição iniciada pelo Uakti. Objetos podem ser feitos de materiais como cerâmica, madeira e aço
“O problema é que isso não tem fim”, brinca o músico e luthier mineiro Leandro César. Às voltas com a produção de cerca de 15 marimbas de diferentes materiais e com as composições autorais para um grupo formado por várias delas, ele vem fazendo pesquisas e avançando na linguagem do instrumento. As teclas, de vários tamanhos, são feitas com madeiras, vidro, bambu, cerâmica e metais; as baquetas, no mesmo espírito, podem ser de linha ou borracha, por exemplo. Em breve começaráo os ensaios, ampliando as experimentações para a forma de tocar. Renderá um concerto em Belo Horizonte no início do ano que vem e, talvez, um disco.