Só que Lou Reed foi além do underground. Nos anos 1970, experimentou certa popularidade graças a sucessos como 'Walk on the wild side', 'Satellite of love' e 'Perfect day' (redescoberta nos anos 1990 pela trilha de 'Trainspotting') e às interpretações de amigos como Iggy Pop e David Bowie. Não facilitou, porém: gravou discos belos e sombrios ('Berlim'), outros inexpugnáveis ('Metal Machine Music'). Neste último, ainda provocava no encarte: “Uma semana minha vale mais do que um ano seu”. A carreira, então, padeceu de certa irregularidade até 1989, quando concebeu a obra-prima New York, considerado um dos 20 melhores álbuns dos anos 1980 pela revista Rolling Stone. Cria do Brooklyn, Reed utilizou o rock para fazer o que Woody Allen realizara em filmes como Manhattan: esquadrinhou, com ternura e acidez, as esquinas e personagens da cidade-berço.
Em New York, Lou Reed também chega ao ápice em um estilo de escrever baseado na junção de descrições com frases curtas e diretas. “Sempre achei que minhas letras iam além do simples relato e faziam asserções emocionais, embora não morais”, comentou na abertura do livro 'Atravessar o fogo – 310 letras de Lou Reed' (Companhia das Letras, 2010), sem deixar de minimizar a sua atividade: “Certas vezes, escrever significou apenas seguir o ritmo e o som e inventar palavras sem sentido algum além da sensação que transmitiam”.
Em parceria com o galês John Cale, parceiro no Velvet Underground, Reed lançou outra obra-prima, o disco 'Songs for Drella' (1990), requiém para o artista e padrinho Andy Warhol, e ainda lançou álbuns respeitáveis como 'Set the twilight reeling' e 'Ecstasy'. Nos últimos anos, fez participações em músicas de bandas como The Killers, Gorillaz e Metric. Regravado por artistas tão díspares como Cowboy Junkies (Sweet Jane) e Marisa Monte (Pale blue eyes), era referência incontornável para boa parte dos músicos contemporâneos: “Ele é insubstituível”, decretou Lee Ranaldo, ex-guitarrista do Sonic Youth. “Eu te amava tanto”, revelou ontem Flea, baixista do Red Hot Chili Peppers.
Quis o destino que o derradeiro disco de Lou Reed tenha sido um fracasso de crítica e de vendas, o malfadado 'Lulu' (2011), gravado com o Metallica, um passo em falso de quem nunca temeu o risco de atravessar o fogo. E, por não ter medo de se arriscar, também alcançou momentos de rara beleza, como o disco conceitual 'Magic and Loss' (1992), dedicado a dois amigos que padeceram de câncer, inteirinho sobre a morte. “Há em tudo um tanto de magia. E então alguma perda pra igualar as coisas.” Um dos gigantes da música norte-americana, Lou Reed sai de cena. Deixa discípulos, não herdeiros. Como possível epitáfio, fica o aviso contido na letra de 'What’s good': A vida é boa, mas nem um pouco justa.