Marcelo Fortaleza Flores ainda era uma criança quando ouviu no rádio uma música que tinha um falsete que o deixou impressionado. “O radialista não chegou a anunciar de quem era aquela voz, mas hoje dá para perceber que ela tinha mais relação com a música clássica do que com a MPB. Sem nenhuma palavra, a composição trazia todo o sentimento que a música deveria ter”, avalia o diretor de cinema, que, já nos Estados Unidos, onde foi morar, descobriu tratar-se da canção Francisco, de Milton Nascimento.
“Como todo brasileiro sou apaixonado por ele, que faz parte do nosso DNA”, afirma Marcelo, atualmente às voltas com Milton – A voz, filme híbrido de documentário e ficção, por meio do qual pretende focar vida e obra do cantor, compositor e instrumentista. Nascido no Rio de Janeiro, Bituca, como se tornou conhecido entre os amigos e fãs, fez de Minas Gerais a sua casa e fonte de inspiração para uma criação musical que, da MPB ao jazz, passando pela world music, conquista fãs no mundo inteiro. E é exatamente isso que o longa-metragem pretende mostrar.
Já aprovado pela Lei do Audiovisual, o filme, orçado em R$ 2,7 milhões, está em fase de captação de recursos. Apesar de já ter uma série de entrevistas gravadas com o artista e imagens de shows, a previsão é de que o longa só comece a ser rodado em julho do ano que vem. Diretor de Trópico da saudade, documentário com o qual refaz a expedição de Claude Lévi-Strauss a tribos da Amazônia, 70 anos depois, com direito a entrevista do antropólogo francês, Marcelo, que estudou antropologia, além de cinema, estava à procura de um novo projeto, quando se deparou com a oportunidade de acompanhar Milton Nascimento na turnê dos 50 anos de carreira.
“Como gosto muito da onda de documentários sobre MPB, percebi que ainda não havia um filme sobre ele, entrei em contato com a equipe de Milton, conseguindo inclusive ter a Nascimento Música como parceira”, comemora o diretor, salientando o fato de a questão da trilha sonora do filme, sobre um cantor-compositor, já estar resolvida. Segundo Marcelo, a princípio ele começou a explorar mais os aspectos musical e ficcional do projeto do que o documental em si. “Depois é que passei para o documentário”, acrescenta, lembrando que a ligação dele com o gênero vem da temporada em que morou na Amazônia, como ativista ecológico.
Além de já ter gravado entrevistas com o cantor em sua casa, no Rio, o diretor de Milton – A voz já filmou em Três Pontas, no Sul de Minas. Na agenda, está prevista passagem por Barbacena, onde, além da parceria com o grupo de teatro Ponto de Partida, funciona a Bituca Universidade de Música Popular, além de Santa Bárbara, onde está o Santuário do Caraça, em que Bituca gravou o disco Sentinela. E mais: Diamantina, onde o então iniciante Clube da Esquina se encontrou com o presidente bossa nova, Juscelino Kubitschek. A passagem por Belo Horizonte, onde o cantor morou e conheceu a família Borges, ainda está sendo avaliada pelo diretor.
Rosto para o jovem
Protagonista de Faroeste caboclo, o baiano Fabrício Boliveira, de 31 anos, viverá Milton Nascimento mais jovem no filme de Marcelo Fortaleza Flores. “Trata-se de um excelente ator, que ficou entusiasmado com o projeto e já foi inclusive levado por mim para conhecer Milton”, relata o diretor. Dois atores mirins também serão contratados, já que o longa vai retratar passagens da infância do cantor que contribuíram para a sua formação musical e inspiraram muitas de suas obras. Marcelo garante que Milton – A voz vai muito além de uma cinebiografia, compondo-se de recortes pessoais e emocionais da vida do cantor.
Brasil, Cuba e EUA
Além do próprio Milton, o diretor já entrevistou o cubano Pablo Milanés e a americana Esperanza Spalding, aguardando o momento para também ouvir Herbie Hancock, Paul Simon, Wayne Shorter e os irmãos franceses Lionel e Stéphane Belmondo. Aqui no Brasil já estão na lista de entrevistados Caetano Veloso, Márcio Borges, Gilberto Gil, Fernando Brant e Chico Buarque, entre outros. Wagner Tiso também já gravou depoimento para o filme.