Da primeira composição (o samba 'Vou à Penha', na voz de Mário Reis) à última (o fox 'Amor fatal', registrado pela pianista Janete Alonso, depois que o colecionador Brasílio de Carvalho descobriu metade da partitura, no início dos anos 2000), os primeiros registros de cada obra gravada de Ary Barroso serão reunidos em caixa de 20 CDs. São 316 dos 321 fonogramas originais do compositor, já que cinco não foram localizados.
A iniciativa é do pesquisador paulista Omar Jubran, de 60 anos, que depois de organizar e remasterizar a discografia do compositor mineiro negociou o lançamento de 'Ary Barroso – Brasil brasileiro' com o Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo. Em novembro, quando Ary completaria 110 anos, o box vai chegar a privilegiados consumidores e colecionadores, já que a tiragem inicial do projeto será de apenas mil cópias. Outras mil estão sendo negociadas entre a família de Ary, editoras e gravadoras.
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Originalmente aprovado pela Lei Rouanet para captação de R$ 1 milhão, o projeto abraçado pelo MIS e Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo não conseguiu captar o total de recursos, resultando na redução da tiragem prevista, de 2 mil cópias. Além de comercializar o box, a preço ainda indefinido, o MIS irá distribuí-lo a instituições culturais. Conforme acordo fechado entre as partes envolvidas, a Novodisc, que está produzindo a caixa, poderá fazer quantas edições quiser, desde que citado o apoio do MIS e da Secretaria de Cultura de São Paulo.
Em 2004, o selo Revivendo já havia reunido parte da obra gravada (138 faixas) do músico mineiro em duas caixas, cada qual com três CDs, batizados 'Ary Barroso – Nossa homenagem – 100 anos'. Proprietário da Editora Aquarela do Brasil, que detém os direitos de 200 das 450 músicas do compositor, o dentista Márcio Barroso, que é neto de Ary, diz que decidiu-se por administrar a obra do avô depois que a mãe, Mariúza Barroso, desistiu de fazer isso, com o avanço da idade.
“Achava que minha mãe tratava tudo em relação ao vovô de forma muito amadora”, afirma Márcio, salientando que os novos compositores, em sua maioria, são donos das próprias obras. Resultado: ele resolveu montar a editora, que, além das músicas, administra imagens e contratos. “Estamos também com ações judici ais para reaver as músicas que o vovô assinou com outras editoras para, como os atuais compositores, ter todo o catálogo dele de volta à família”, acrescenta Márcio Barroso.
Tão genial quanto genioso, o autor de clássicos como 'Aquarela do Brasil', 'No rancho fundo', 'Risque', 'Na baixa do sapateiro', 'É luxo só' e 'Para machucar meu coração', que continuam despertando o interesse de novos artistas, terá ainda um trecho de seu famoso programa Calouros em desfile, da Rádio Nacional, apresentado no último CD da caixa. “É apenas um trechinho, para que as novas gerações saibam quem foi Ary”, adverte Omar Jubran, lamentando o fato de muitos jovens, hoje, não conhecerem o compositor.
No trecho do programa que colaborou para solidificar a fama de ranzinza do compositor, Omar mostra um candidato que imitava animais. Pelo programa Calouros em desfile Ary convocou poetas para ofecerem a ele letras para musicar. “Na caixa teremos quatro faixas com esses parceiros-calouros, uma delas chamada 'Cruel resistência'. Uma dos parceiros que atenderam o chamado de Ary foi Cortieri de Oliveira”, revela o pesquisador. Jubran resolveu também incluir na caixa um dos primeiros jingles comerciais feitos no Brasil, de autoria do compositor, quando uma famosa cervejaria lançou o chope em garrafa
A música de Ary ganhou letra do publicitário Bastos Tigre e foi gravada por Orlando Silva, que, de acordo com o pesquisador, errou a letra na hora da gravação. “Assim como ocorreu com Francisco Alves, que ao não entender o inzoneiro da letra de 'Aquarela do Brasil' resolveu substituir a palavra por ‘risoneiro’ na hora do registro em estúdio”, acrescenta Omar Jubran. O pesquisador promete revelar essa e outras curiosidades no livreto que irá acompanhar a caixa de CDs, no qual, sempre que possível, incluirá título, gênero, tempo de duração, ano de gravação e ano de lançamento, além de publicar, na íntegra, as letras das composições. Como Ary Barroso também compôs muito para o teatro de revista, Omar Jubran vai incluir algumas dessas criações.
Parceiros e intérpretes
Outra informação importante, que irá constar do livreto de Ary Barroso – Brasil brasileiro será a informação do número de composições em que ele fez música, letra ou as duas, além de revelar quem foram seus principais parceiros. Os maiores intérpretes de Ary, segundo o pesquisador, foram Francisco Alves, Sílvio Caldas e Carmem Miranda. Já o parceiro mais constante de Ary Barroso foi Luiz Peixoto.
Longe de querer avaliar a criação de Ary, Omar Jubran acredita que o compositor revolucionou a música popular brasileira, ao dar a ela um pouco de alegria. Na opinião do pesquisador, Ary Barroso não foi perfeito em toda sua obra. “Há marcha de carnaval, por exemplo, em que ele prega a violência contra a mulher, com versos como ‘dá nela, dá nela’, critica, ao lembrar da marchinha originalmente gravada por Francisco Alves, em 1930. Ele pondera, no entanto, que cada obra responde a seu tempo, lembrando inclusive a crítica por excesso de ufanismo feita ao clássico 'Aquarela do Brasil'.
Na opinião de Omar Jubran, são três os pilares da MPB: Noel Rosa, a quem ele já dedicou uma caixa de gravações originais; Ary Barroso, cujo lançamento vai ocorrer agora; e Lamartine Babo, cujo box ele já está preparando. “Sem ordem de importância, cada um com a sua característica”, faz questão de dizer o pesquisador. Omar, com o advento da internet, não arriscaria dizer que o conteúdo dessas caixas são raros. “O caso da meia partitura encontrada é realmente uma raridade. Nem a biografia escrita por Sérgio Cabral fala dela”, repara.
Ele, aliás, aponta outra falha em No tempo de Ary Barroso, que Sérgio Cabral lançou em 1993. “O Sérgio cita no livro que Ary visitou o México, onde depois de assaltado teria desistido de gravar um disco. A informação não confere com a realidade, já que Ary gravou um disco naquele país”, garante o pesquisador paulista, lembrando também que o bailarino espanhol Palitos, então radicado na Argentina, veio ao Brasil, onde gravou Dona Alice, originalmente composta para o teatro de revista.
Três perguntas para...
Márcio Barroso, produtor e neto de Ary Barroso
Como a família recebeu a notícia do lançamento de Ary Barroso – Brasil brasileiro?
Tenho lutado por um bom tempo para que esse lançamento se realize. A família ficou muito feliz com o resgate dessas músicas para a memória do país. O vovô foi um ícone da sua época. Não devemos deixar que o Brasil esqueça esse compositor talentosíssimo, que é de suma importância para cultura do país e para que novas gerações de compositores se mirem nele.
Como você avalia a relação do brasileiro com a obra de Ary?
Sentimos pouco reconhecimento dos brasileiros em relação ao grande compositor que foi, é e será Ary Barroso. Imagine você que no campeonato da Bélgica um time campeão comemorou o campeonato com Aquarela do Brasil. Com a abertura da editora quero resgatar a imagem desse que foi uns dos maiores compositores da música popular brasileira, que levou o nome da música brasileira para o mundo.
Vocês têm algum projeto para as comemorações dos 110 anos de Ary?
Depois do centenário, quando lançamos selo, moeda e o site (www.arybarroso.com.br), além da festa em Ubá, que reuniu Orquestra da UFF, Marília Pêra e Elza Soares, estamos pensando em exposições e um documentário sobre o meu avô.
Ouça trecho das faixas 'Amor fatal', com Janete Alondo e 'Dona Alice', com Palitos: