Bem ao estilo de Ro Ro, 'Feliz da vida!' (Biscoito Fino), que chega ao mercado no formato CD e DVD, revela uma artista como há muito tempo não se via. Além da musicalidade à flor da pele, ela parece ter feito as pazes com tudo e todos depois do período conturbado em que se tornou alvo de escândalos, preconceito e até de agressões.
Produzido independentemente para ter sua distribuição negociada com uma gravadora, o novo disco de Angela Ro Ro reúne 13 faixas inéditas e duas regravações: 'Amor meu grande amor' e 'Malandragem'. Essa última foi composta por Cazuza e Frejat especialmente para ela, que se recusou a gravá-la, abrindo espaço para o sucesso de Cássia Eller.
O novo repertório de Ro Ro, composto desde 2009, traz parcerias com Moska (a faixa-título), Ricardo Mac Cord ('De amor e mar'), Antonio Adolfo ('Vou por aí...'), Jorge Vercillo ('Capital do amor'), Lana Braga ('Muitas canções'), Carlota Marques ('Romance espetacular'), Sandra de Sá ('Beijos na boca'), Mario de Castro ('Tudo por um triz') e Ana Carolina ('Canto livre'). Alguns desses parceiros participaram do show ao vivo no Teatro NET Rio, em Copacabana. Detalhe: a cantora mandou tirar as palmas do CD para facilitar a execução das canções no rádio.
Bethânia Presença celebrada em estúdio, Maria Bethânia divide com Angela, nos extras do DVD, a interpretação de Fogueira, composta para ela por Ro Ro. Moska faz o mesmo na segunda versão de 'Feliz da vida!' – título sugestivo escolhido para batizar o disco –, balada pop com a qual Ro Ro se identificou imediatamente. “Por que fugir de ser feliz da vida?/ Por que o medo de sorrir/ Como uma flor sentir/ O cheiro do desejo nu...”, diz o refrão da primeira parceria de Ro Ro com Moska, expert em baladas.
Entre os convidados está Diogo Nogueira, com quem Angela divide o samba autobiográfico 'Salve Jorge!', seguido do surpreendente samba-rap 'Pinto velho', faixa dividida com o pandeirista Jovi Joviniano. A fartura de convidados vem da experiência com Escândalo, programa que a cantora apresentou no Canal Brasil, seguido de 'Nas ondas da Ro Ro', que ela pretende resgatar em novas temporadas na TV e na web rádio.
“Detesto me plagiar”, diz Angela Ro Ro, com a sadia ironia que a acompanha desde o início de carreira, ao justificar sua atenção a gêneros musicais variados. “Gosto da minha obra por ela ter o tom de versatilidade”, afirma.
Consagrada por suas baladas românticas, ela é também adepta de tango, bolero, guarânia, samba, rap, blues, jazz e fox trote. “A primeira música que compus, aos 6 anos, era uma guarânia”, revela Ro Ro, que estudou piano clássico e popular.
A Geni da MPB
Em 2014, Angela Ro Ro faz 35 anos de carreira. Além de comemorá-los com a turnê do novo disco, ela pensa em lançar sua autobiografia. “Estou começando a escrevê-la, muito discretamente. Não quero nada cronológico, com pé, cabeça, meio e fim”, explica, avisando que faz parte do “bloco do eu sozinha”.
“Acho tão chata essa história de poder ou não poder”, diz, referindo-se à polêmica sobre a proibição de biografias não autorizadas defendida por medalhões da MPB. “Já me humilharam e me difamaram tanto que será difícil achar uma pedra para me jogarem agora”, ironiza.
Autointitulando-se “a Geni com todas as pedras no tabuleiro”, a cantora afirma que, a esta altura, “há muita gente apavorada em ter os segredos detonados em público”. E recomenda: “Há escritórios de advocacia para isso”.
Ro Ro se diz defensora da música, que traz alegria e emoção ao ser humano. “Já imaginou o cinema, a TV, a novela ou até os comerciais sem ela?”, pergunta, lembrando que um gênio como Beethoven “morreu praticamente sem nada”, mas deixou pérolas como 'Pour Elise'.
Ela está em forma
*Kiko Ferreira
Para Maria Bethânia, ela é água limpa. Frejat classifica seu senso de humor no palco como “imoral”, no melhor sentido. E Antonio Adolfo destaca a musicalidade. Os hitmakers Ana Carolina, Jorge Vercillo e Diogo Nogueira reconhecem a eficiência e o talento de Ro Ro como cantora e compositora. Os depoimentos abrem o DVD 'Feliz da vida!', com 16 faixas – 13 inéditas, fato raro em tempos de veteranos revendo a própria obra até a exaustão.
O título e o clima refletem o momento atual da ex-maldita, da rebelde que disputava com Cazuza cenas de hedonismo explícito e escandalosa a ponto de batizar de 'Escândalo' o que talvez seja seu melhor disco. Há 14 anos livre do álcool e das drogas, ela trocou o espírito de viver 10 anos a mil por um ritmo mais lento “pra ganhar tempo”, como afirma Paulinho Moska.
Em época de intérpretes de vozes pequenas (e, muitas vezes, desafinadas), cantando cenas idílicas meio sem pé nem cabeça, assistir a Ro Ro exercendo sua profissão com a habitual competência é quase presente dos deuses.
Suas habilidades, afiadas com o tempo, colocam 'Feliz da vida!' no pacote de grandes vozes em atividade, como Nana Caymmi, Leny Andrade e Rosa Passos, só que com um certo perfume do saudoso e boêmio Baixo Leblon dos anos 1980 e 1990.
Seja destilando dores de amores com o filtro bluesy em 'Vou por aí' (com Antonio Adolfo) e 'Ela sumiu', provocando a plateia na sedutora 'Beijos na boca' (com Sandra de Sá) e mística em 'Salve Jorge!', Ro Ro escancara o humor em 'Pinto velho', comete um tema com ar de hit internacional (Opium) e revitaliza três clássicos: 'Malandragem' e 'Amor meu grande amor', com Frejat, e 'Fogueira', com Bethânia. Bons motivos para estar feliz da vida.