Musica

Festival reúne duos de guitarristas que escrevem a história do instrumento no país

Jazz Festival Brasil - Tributo ao Brasil Guitarras acontece neste sábado, 28, no Santa Tereza. A entrada é gratuita

Ailton Magioli

Avesso à ideia de uma escola brasileira do instrumento, compartilhada pela maioria dos guitarristas nativos, o curador Reco do Bandolim diz ter escolhido as atrações do Jazz Festival Brasil – Tributo ao Brasil Guitarras, que será realizado sábado à tarde, na Praça Duque de Caxias, em Santa Tereza, na tentativa de traçar um painel de um país altamente musical, de dimensões continen tais.


“Considero todos excelentes guitarristas, cada qual dono de personalidade e linguagem próprias”, acrescenta Reco referindo-se a Toninho Horta e Lanny Gordin; Frank Solari e Marcelo Barbosa; Edgard Scandurra e Luiz Carlini; Andreas Kisser e Kiko Loureiro; e Armandinho Macedo e Pepeu Gomes, que vão se apresentar em duos, exatamente nesta ordem, no festival.


Do jazz ao rock, passando pela world music, eletrônica, fusion e a música brasileira, a guitarra ganhou contornos nacionais no Brasil. “Cada qual, à sua maneira, soube metabolizar linguagens para forjar seu próprio estilo, sua maneira de tocar”, defende o curador, que preside o Clube do Choro de Brasília. O tributo ao instrumento, que estreia na capital mineira, com perspectiva de prosseguimento no ano que vem, em Salvador, também deverá ganhar edições anuais em Brasília, São Paulo e Rio, além de BH.

"Os americanos tocam a harmonia do jazz mas não têm o suingue brasileiro", Toninho Horta, músico
Harmonia

Detentor de estilo que gerou uma escola de guitarra em Minas, o rei da harmonia Toninho Horta atribui à diversidade rítmica e ao nosso característico suingue a responsabilidade pelo surgimento da chamada guitarra brasileira. “Os americanos, por exemplo, tocam a harmonia do jazz mas não têm o suingue brasileiro”, compara Toninho.

“A guitarra é um instrumento mundial”, defende Lanny Gordin, que vai dividir o palco com o guitarrista mineiro. “Considero-me um guitarrista versátil, que toca vários estilos: do rock à música brasileira, passando pelo jazz, música francesa e música italiana”, posiciona-se Lanny, que fez história em shows e discos de Gal Costa e Jards Macalé, entre outros.

“Tecnicamente, Toninho, que é um guitarrista de estrada, é perfeito”, afirma Lanny, enquanto Toninho Horta elogia as vertentes roqueira, jazzística e pop de Lanny. Na opinião de Toninho, se por um lado a guitarra é influenciada mundialmente pelo jazz, por outro, aqui no Brasil ela acabou ganhando linguagem própria, personalizada.

“Diversos guitarristas desenvolveram linguagem única, influenciada pela miscelânea de estilos e ritmos originados do Brasil”, garante Marcelo Barbosa, que vai fazer duo com Frank Solari no festival. “Alguns bons exemplos disso são Pepeu Gomes, Armandinho, Heraldo do Monte, o próprio Toninho Horta”, defende o guitarrista brasiliense, dizendo que mesmo não optando por estilos brasileiros, muitos músicos têm tido reconhecimento e destaque na cena mundial.

Para Marcelo Barbosa, os guitarristas brasileiros desenvolveram linguagem única
Globalização


“Acho que a globalização tem permitido cada vez mais que isso ocorra”, atribui Marcelo, lembrando que a riqueza harmônica e melódica e a diversidade e complexidade rítmica são as principais características da guitarra tupiniquim. A oportunidade do duo com Frank Solari é comemorada por ele: “Sou amigo e admirador do trabalho de Frank, com quem pretendo iniciar parceria”, anuncia.

Edgard Scandurra, que vai dividir palco com Luiz Carlini, acredita que no país há muitos guitarristas influenciados pela escola americana e inglesa do rock, entre os quais ele mesmo se inclui. “Mas temos também os que trazem elementos do jazz e os que usam influências de ritmos nativos e transportam isso para a sua música”, acrescenta o guitarrista paulista, vislumbrando nas três vertentes “uma pegada especial, uma nota a mais, algo do Brasil que, assim como no futebol, gosta de dar um drible antes de passar a bola”.

 “Mas o meu ponto de vista para a guitarra é internacional, sem bandeiras”, posiciona-se Scandurra, lembrando que, ao tocar com Billy Cox, ex-baixista de Jimi Hendrix, quis dar a ele o conforto de estar com um guitarrista sem fronteiras. Para Scandurra, Lanny Gordin e Pepeu Gomes são os grandes nomes da guitarra no Brasil, pelo pioneirismo e pela coragem de se jogarem à frente de suas bandas.

Saber tocar de ouvido, ser humilde e saber tirar a mão, evitando solos desnecessários, são algumas das qualidades de um bom guitarrista na opinião de Edgard Scandurra, que diz circular com facilidade entre o undeground e o pop, o palco alternativo e o principal, o que o leva a tocar com a nova geração e a deixar registros para seus contemporâneos.

No país do violão, onde João Gilberto se destacou internacionalmente via bossa nova, a guitarra acabou se tornando uma espécie de parente bem próxima do instrumento. “Talvez até filha dele mesmo”, acredita o brasiliense Marcelo Barbosa, admitindo que, por sua versatilidade, a guitarra pode desde acompanhar um cantor ou solista até se tornar um instrumento solo.


JAZZ FESTIVAL BRASIL – TRIBUTO AO BRASIL GUITARRAS


Sábado, 28, a partir das 17h30, na Praça Duque de Caxias, de Santa Tereza. Entrada franca.

Contra a falta de personalidade

 

Com liberdade de expressão, sem medo de arriscar e sem radicalismos, segundo Andreas Kisser, a banda Sepultura vem contribuindo para o fortalecimento da guitarra no cenário do rock pesado. “Ela tem a função harmônica na música, mas como no nosso estilo não existe o teclado, a guitarra se encarrega de harmonizar as partes e de fazer os solos que se revezam com as vozes”, explica o paulista. Na opinião de Kisser, no decorrer do tempo, a guitarra acabou se tornando instrumento fundamental para o rock pesado, cada vez mais pesada e distorcida e mais extrema. É por meio dos solos, de acordo com o guitarrista, que o instrumentista mostra a sua identidade, seu estilo, seu bom gosto e técnica. Para Kisser, no rock a guitarra brasileira está muito bem representada por nomes como Sérgio Dias, Pepeu Gomes, Luiz Carlini, Frejat, Lanny Gordin e Armandinho, todos com estilos e influencias diferentes, porém muito brasileiros.

A guitarra continua sendo o grande símbolo dos festivais, constata Pepeu Gomes que, recém-saído do 5º Rock in Rio, apresenta-se em BH, ao lado do também baiano Armandinho. “É a peça-chave, o chamariz de público. Tanto que ela está sempre se renovando, enquanto as bandas envelhecem”, afirma o guitarrista baiano. De acordo com Pepeu, o maior problema em relação ao instrumento é “os jovens músicos serem clichê, cover ou standart”. “O que digo sempre nos festivais e oficinas é que não se deve ter vergonha de tocar música brasileira. Eu, por exemplo, venho da bossa nova e do choro, que são a minha formação. O trio elétrico, João Gilberto, Novos Baianos, Jimi Hendrix. Juntei tudo isso e criei a personalidade que falta aos jovens, hoje”, acrescenta Pepeu. O trio elétrico, como faz questão de lembrar, é a grande referência da guitarra baiana. “Já a brasileira é diferente. Ninguém consegue tocá-la como nós. Nem americanos, nem asiáticos. E o mais curioso é que nós brasileiros tocamos a guitarra deles. Nosso grande trunfo é este: basta começar a tocar que todo mundo já sabe que é brasileiro”, conclui Pepeu, pregando a necessidade de imprimirmos este carimbo na nossa música.


AS DUPLAS


» Toninho Horta e Lanny Gordin
» Frank Solari e Marcelo Barbosa
» Edgard Scandurra e Luiz Carlini
» Andreas Kisser e Kiko Loureiro

» Armandinho Macedo e Pepeu Gomes