'My way', canção clássica na voz de Frank Sinatra, soa pelo humilde galpão da Rua Artur Alvim, 130, no Bairro Horto, em Belo Horizonte. Arrepia o ouvinte do mesmo jeito, pouco importando o piso desnivelado, o taco surrado, as paredes no reboco e as cadeiras quase insuficientes. O IPTU está atrasado e a quitação das contas de água e luz depende sempre da cooperação dos músicos amadores que, semanalmente, comparecem ali para as aulas e ensaios a Banda Filarmônica 1º de Maio, uma das mais antigas da cidade, atualmente recobrando seu vigor.
A banda, que completa nada menos que oito décadas ano que vem, esteve praticamente extinta. Criada por ferroviários que se reuniam para tocar nas oficinas dos trens da antiga Rede Mineira de Viação, teve a honra de tocar no Palácio do Catete (Rio de Janeiro) para o então presidente Getúlio Vargas, na posse de Juscelino Kubitschek quando foi eleito presidente (no mesmo local) e na inauguração de Brasília. Passou alguns anos desativada e sua sede quase foi a leilão.
Com novo presidente eleito este ano, o saxofonista Adilson Proense Vieira, a banda vem atraindo músicos de todas as idades para aulas e ensaios. Os encontros semanais, agora, contam com 30 a 40 participantes, entre homens, mulheres, crianças, idosos, reservistas, aposentados e todo tipo de profissionais, de motofretista a advogado, passando por dono de açougue, caso do próprio Adilson. O predomínio é de músicos de sopro, com regência a cargo de Jorge Ubirajara Costa da Luz, que é primeiro-sargento do Exército.
Para todos, o compromisso de estar ali nas noites de terça é sagrado. Pouco a pouco, a banda retoma a intimidade com repertório de cerca de 60 peças, incluindo não apenas dobrados e marchas, mas também composições populares como 'Sampa' (Caetano Veloso), 'Carinhoso' (Pixinguinha e João de Barro) e 'Coração de estudante' (Milton Nascimento e Wagner Tiso). Qualquer um pode assistir e qualquer um pode aprender a tocar um instrumento ali. Basta querer fazer parte da banda.
Bolso
Ninguém paga por nada e os músicos levam para casa os instrumentos que pegam emprestado da banda. Dinheiro, como é de se esperar, faz falta ali. Quando ninguém se oferece para pagar contas de água e luz da sede, é o próprio presidente que se encarrega de fazê-lo, com dinheiro do próprio bolso. “Pedi cimento e areia para empresários e outros músicos para começarmos a reforma com nossos próprios recursos”, conta Adilson.
A propósito, ele comemora notícia publicada no Diário Oficial do Município em 28 de junho, informando que o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte decidiu apoiar financeiramente essa obra, que consiste em melhorias no piso e nas paredes, orçada em R$ 80 mil. Entre as próximas melhorias, estão a compra de uniformes para os integrantes e de um móvel para armazenar as pilhas e pilhas de antigos documentos e fotos da banda – hoje amontoados num armário úmido e velho.
Com fôlego de sobra, a cargo de jovens entusiasmados e veteranos felizes por voltar a tocar, a banda espera não apenas manter viva tradição, mas voltar a tocar. Sem incentivo financeiro para viabilizar deslocamentos dentro de Belo Horizonte e viagens, ela se viu obrigada a recusar convites para tocar em cidades como Santa Bárbara e até no Centro Cultural Lagoa do Nado, no Bairro Itapoã, na capital mineira. “Estamos dispostos a tocar em qualquer lugar”, diz o presidente.
“Frequento a banda desde 1960 e, antigamente, era muito organizada, fabulosa. Tinha apoio da Central da Brasil e chegou a ter 50 músicos. Foi acabando, os músicos morrendo. Chegamos a ter, quando muito oito músicos. Agora melhorou 100%.”
Milton de Assis, 72 anos, reservista e percussionista
“Além de tocar aqui, sou presidente da Banda Carlos Gomes e o comportamento das crianças que participaram de nossos projetos serve de exemplo. Infelizmente eles acabaram, mas tenho certeza de que teriam se tornado músicos.”
Geraldo Manuel Pereira, 67 anos, presidente da Banda Carlos Gomes e trompetista