Musica

Hinos embalam as torcidas mineiras, mas seus autores não recebem direitos autorais

Família de Vicente Mota recorre à Justiça e quer ver o Galo no Guinness world records

Ailton Magioli

Carlos Gustavo, neto de Vicente Mota, autor do hino do Atlético, com a tia Nancy, a irmã Giulia e a mãe Vânia
Carlos Gustavo Alves Mota dos Santos jamais se esqueceu da primeira vez que foi ao Mineirão com o avô, Vicente Mota. “Era a Copa Centenário de Belo Horizonte. O Atlético empatou em 2 a 2 com o Milan e vovô chorou ao ouvir a torcida cantar o hino criado por ele”, relembra o estudante, que tinha 6 anos na época.


Desde pequeno, Carlos sabe de cor o hino do Galo. “Nós somos/ Do Clube Atlético Mineiro/ Jogamos com muita raça e amor...”, anunciam os primeiros versos da marcha composta em 1969. Com base na popularidade do cântico alvinegro, a família Mota reivindica ao famoso Guinness world records que a composição de Vicente seja registrada como o hino mais cantado nos estádios do mundo.


Boa parte dessa popularidade se deve ao próprio compositor montes-clarense, que criou esse verdadeiro “patrimônio imaterial” atleticano sob encomenda.“Cantem com a charanga o nosso hino oficial”. Assim estava escrito em centenas de cópias xerox distribuídas por Vicente Mota nos estádios enquanto o Atlético jogava. Simples e relativamente barata, a tática contribuiu para que a trilha sonora do Galo vencesse a eleição do mais belo hino de clube de futebol do mundo. A proeza se deu em Nápoles, na Itália, em 1976.


Vicente Mota é também autor dos hinos do América mineiro e de dois clubes belo-horizontinos, o Labareda e o Vila Olímpica. O primeiro hino do Atlético data de 1928, com música do maestro Augusto César Moreira e letra do poeta Djalma Andrade. Mota compôs o hit alvinegro a pedido de Alberto Perini, diretor do Galo.


Jadir Ambrósio, de 91 anos, autor de hino do Cruzeiro, nada recebe de direitos autorais
Para poucos Torcedores do Cruzeiro Esporte Clube acompanham seu time do coração ao som da música de Jadir Ambrósio. Aos 91 anos e recém-saído do hospital, o veterano compositor garante: “Faz hino quem sabe, quem não sabe não faz”.


O sucesso nos estádios, porém, não é sinônimo de lucro para os dois compositores. Reunida em torno do Troféu Galo de Prata recebido por Vicente Mota – honraria conferida pelo Atlético a seus mais fiéis seguidores –, a família do autor do hino oficial do Galo revela que o músico pouco recebeu de direitos autorais.


“A Editora Euterpe sempre repassava algo a meu pai, mas de meses em meses”, diz a professora Nancy Alves Mota, com o assentimento da irmã, a dona de casa Vânia Isabel Alves Mota. As duas são filhas do primeiro casamento do montes-clarense, que deixou duas famílias.


Vicente morreu em 2001. Do falecimento dele até o inventário, concluído no ano passado, a família diz nada ter recebido. Na Justiça, corre ação solicitando a prestação de contas da editora, com sede no Rio de Janeiro. O hino atleticano foi lançado em compacto simples da CBS. Posteriormente, foi reeditado no mesmo formato pela CID.


Problema pior enfrenta Jadir Ambrósio. Os filhos garantem: o pai nada recebe de direitos autorais pelo hino que embala as vitórias da Raposa.


Duas vezes América

 

O América mineiro tem dois hinos. O legítimo foi composto pelo atleticano Vicente Mota. O não oficial veio de dois craques do Clube da Esquina: Tavinho Moura e Fernando Brant.


“Fizemos uma homenagem ao clube, não um hino”, explica Tavinho, contando que, por falta de experiência, acabou criando arranjo incompatível com os estádios. “Fiz em si bemol, mas o ideal seria em dó”, reconhece. Resultado: tornou-se impraticável para a charanga executar a parceria Moura-Brant.

“O hino acabou virando uma armadilha para todos nós”, admite Tavinho, contando que, recentemente, fez uma gravação “mais confortável” da marchinha.


Para o compositor carioca Nei Lopes, hino de time de futebol é uma espécie de canção utilitária. “Digamos assim: é como jingle, que tem a finalidade de vender o produto. Ele louva, enaltece. Nunca vi um hino feito para esculachar, espinafrar”, diverte-se. E compara a trilha sonora oficial dos estádios a marchas marciais, épicas, “como a Marselhesa e o nosso Hino nacional”.