Musica

Revista inglesa Mojo faz publicação especial dedicada aos Beatles

A edição ainda junta um elenco de feras para reinventar as canções do álbum que eles gravaram 50 anos atrás

Arthur G. Couto Duarte

Prestes a completar em novembro 20 anos a serviço do assim chamado classic rock, mas sempre aberta para a divulgação de artistas ligados a novas tendências, bem como a trabalhos experimentais e fora do circuito convencional, a revista inglesa Mojo ainda é a publicação mensal impressa mais respeitada sobre música pop do mundo. Por lá circularam críticos do renome de Charles Shaar Murray, Nick Kent, Greil Marcus e Paul Du Noyer, cujo texto refinado, insight e conhecimento enciclopédico sobre a matéria ajudaram a avaliar de forma singular – em generosas matérias de 20, 30 páginas – tanto a obra de medalhões como Beatles e Dylan quanto aquela criada por valores emergentes praticamente desconhecidos do grande público – vale lembrar que Mojo foi a primeira publicação ligada ao mainstream a destacar enfaticamente o trabalho do ainda embrionário duo The White Stripes.


 

Entre as atrações mais festejadas pelos leitores de Mojo estão os CDs temáticos que seus editores anexam como brinde da revista. Produzidos com esmero a partir da colaboração voluntária de músicos da velha e da nova geração, os CDs bônus da Mojo já chegam ao mercado com status cult, tornando-se itens disputados a tapa entre os colecionadores. Foi o que ocorreu com as regravações integrais dos antológicos 'The wall/The dark side of the Moon' (Pink Floyd), 'Harvest' (Neil Young), 'Pet sounds' (Beach Boys”), 'Sgt, Peppers... /The white album' (Beatles), 'Sticky fingers' (The Rolling Stones), 'Power', 'corrruption & lies' (New Order), 'Rumours' (Fleetwood Mac) e 'The songs of Leonard Cohen' (Leonard Cohen) – prática que na edição de agosto Mojo retoma com a revisão completa do álbum With the Beatles, com cada uma de suas 14 faixas executadas em versões inéditas e na mesma sequência estabelecida para o álbum original.

Covers bacanas


Despretensiosa, mas de uma sinceridade a toda prova, a edição do rebatizado 'We’re with the Beatles' revê o clássico lançado pelo Fab Four em 1963 de modo a não deixar dúvidas de que, se com o prévio 'Please, please me' o então iniciante quarteto de Liverpool apresentara um frenético cartão de visitas, sua poderosa sequência era a confirmação sônica de que Paul, Ringo, John e George realmente haviam chegado para ficar. Hoje, quando a gravação comemora meio século (!) de sua chegada às lojas no formato de vinil de 12 polegadas, o remake provido pela Mojo confirma de modo peculiar que o material lá contido era bem mais do que alguns céticos acreditavam ser mais outra amostra do tal iê-iê-iê, um parvo modismo juvenil que, em questão de meses, talvez semanas, estava fadado a desaparecer, sem deixar rastro.

Dividido entre temas de Lennon & McCartney, uma solitária contribuição de George Harrison e releituras de hits compostos por Chuck Berry, Smokey Robinson e Berry Gordy, entre outros, With the Beatles serviu aos fãs com um delicioso coquetel de soul da Motown, baladas ao modo das girl-groups da época, canções pinçadas de musicais da Broadway, r&b, pop e rock’n‘roll. Projetado para o novo milênio, We’re with the Beatles ressurge ostentando timbres inauditos, arranjos ousados e um frescor, digamos, inesperado, mas plenamente condizente com a natureza indelével das grandes obras dos Beatles.

Entre os destaques do disco, impossível não se surpreender diante do abandono ska-soul ao qual o grupo James Hunter Six se entregou a 'I wanna be your man'; da lisergia metafuturista a trespassar os etéreos vocais de Eva Petersen (uma estrela em ascensão que deve estourar logo) e a guitarra technicolor de Will Sergeant (leia-se Echo & The Bunnymen) na harrisoniana 'Don’t bother me'; do assombrado êxtase que tomou o projeto Taken By Trees quando releu a romântica 'Till there was you'; do embalo dançante provido por uma sanfona (!) que emprestou uma aclimatação digna dos mafuás que infestam a zona boêmia de New Orleans em meio ao arranjo cajun-zydeco proposto para 'Please, mr. postman'; da fantasia barroca tramada entre acordes de harpa, piano e synths pelo “holandês voador” em 'You really got a hold me' e do minimalismo espectral com que Marc Rigesford – também um nativo de Liverpool – revisitou (sob o codinome Magic Arm) a balada Not a second time. Enfim, palmas para a equipe da Mojo, pois ela merece, já que a audição de 'We’re with the Beatles' é sinônimo de diversão garantida para velhos e novos fãs do eterno Fab Four.