Emblemática, a última apresentação do acordeonista ocorreu em 13 de dezembro, em Exu, no interior de Pernambuco, quatro dias antes de ser internado no Recife. Subiu ao palco para comemorar o centenário de Luiz Gonzaga justamente na cidade natal do Rei do Baião, que o considerava seu herdeiro artístico.
Dominguinhos morava em São Paulo e tinha medo de avião. Chegou a vir a Belo Horizonte no Fusca de que tanto gostava. Certa vez, o carro estragou no meio do caminho e o produtor cultural Paulo Ramos, responsável pela Festa da Música, teve de buscá-lo. Em 2007, o artista tocou na primeira edição desse evento, promovido pelo Estado de Minas. No show de dezembro, o público começou a aparecer às 7h. Detalhe: o show estava marcado para as 20h. Todo mundo queria garantir o seu ingresso.
A gerente do Sesc Palladium, Milena Pedrosa, ficou impressionada. “As pessoas chegavam e ficavam tocando e dançando. Durante o show, todos se levantaram para dançar, o que não é muito comum no teatro”, relembra.
O sanfoneiro não costumava sair com os músicos ou amigos depois do show, conta Paulo Ramos. Mantinha hábitos simples, gostava de ficar conversando com as pessoas no saguão do hotel. “Ano passado, ele se locomovia melhor, parecia ter melhorado. Enquanto tomava café no hotel, reparei que estava animado e bem disposto. Ele planejava parar de viajar. Pensava em tocar nas festas de são-joão do Nordeste – ficaria metade do tempo lá e metade aqui no Sudeste”, lembra Paulo.
De ouvido
Entre os músicos que acompanharam Dominguinhos em BH estavam o veterano pandeirista Fuba de Taperoá (eles tocaram juntos por décadas), o jovem cantor Flavinho Lima (que também tocou triângulo) e Adelson Viana, responsável pela segunda sanfona. “O público mineiro foi muito caloroso, maravilhoso. Ao entrarmos no palco, começaram a gritar. Ovacionaram o Dominguinhos”, conta Adelson.
Não havia rotina ao lado do herdeiro de Luiz Gonzaga. “Tocar com ele era sempre uma experiência, aprendia-se muito. Dominguinhos jamais ensaiava, fazia tudo na hora. Não sabia nem com que música ia começar. Fazia um jazz com muita emoção. Todo show era diferente, sempre com improviso e introduções lindas que ele depois nem se lembrava de como havia feito”, revela o sanfoneiro.
Adelson relata que Dominguinhos chegou a tentar aprender a ler partituras, trocando informações com um músico de bossa nova, mas que desistiu. Dizia aprender mais rápido tocando de ouvido. “A gente que toca e lê partitura e acha que sabe alguma coisa vê como ele era genial, sem ensaiar nada. Ele sempre se dizia repentista da sanfona. Fazia tudo na hora, colocou isso na música nordestina. Urbanizou o forró, com bom gosto melódico. Era um melodista formidável”, completa.
Vazio
Talentosamente, Dominguinhos fez a triangulação entre a música nordestina, a MPB e o vigor da cena instrumental brasileira. Seu trabalho serviu de inspiração para artistas de norte a sul. Sabia mesclar elementos tradicionais e contemporâneos. “As melodias do forró deixaram de ser tão simples. Ele transitou por todas essas vertentes, influenciou o pessoal do Tropicalismo e vice-versa. Também teve enorme experiência com gente como Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo e Altamiro Carrilho. Tudo isso ampliou o horizonte dele”, avalia Paulo Corrêa Sobrinho, produtor cultural e organizador do Fórum de Forró de Aracaju, em Sergipe, amigo do sanfoneiro.
Para ele, a morte de Dominguinhos representa a perda tanto de um farol para a música nordestina quanto de referência essencial para o forró. “Ele conseguiu aproximar a música do Nordeste de outros estilos. Como sua marca é muito forte, não acredito que haverá retrocesso, mas ficará o vácuo. A presença dele facilitava tudo, a chancela dele fazia todo mundo olhar para as coisas de forma diferente”.
Oswaldinho, Waldonys, Mestrinho, Gennaro e Cezinha são acordeonistas que Paulo Corrêa aponta como donos de perfil musical semelhante ao de Dominguinhos. “Cezinha e Mestrinho são novos, mas têm futuro e tempo para crescer musicalmente”, aposta.