A afirmação faz sentido, já que, se olharmos para trás, praticamente nenhuma das formações afiliadas à cold-wave (Throbbing Gristle, Siglo XX), ao synth-punk (D.A.F., Suicide, Devo), ao synth-pop (Ultravox!, Orchestral Manouvres In The Dark, Human League, Gary Numan & The Tubeway Army), ao industrial-rock (Whitehouse, Cabaret Voltaire, Laibach, Scrapping Foetus Of The Wheel), ao new romantic (A Flock Of Seagulls, Visage, Japan) e às demais vertentes sintéticas forjadas ao longo dos anos 80 conseguiu sobreviver à ação deletéria do tempo. Eventuais – e, no mais das vezes, escassos – parceiros de estética podem até ter chegado aos dias de hoje, mas desprovidos do mesmo elã, mérito artístico ou fama global conquistada pelo “sempre jovem” quarteto de Basildon. Ou, como ao final de 2011 um crítico da revista Q resolveu resumir a questão, Depeche Mode é simplesmente “a mais popular banda eletrônica que o mundo já conheceu”.
Escolhida para ser o primeiro single extraído do disco, a balada 'Heaven' (Paraíso) vem urrar “Hosana nas alturas” com o suporte de beats sorumbáticos, de uma melodia salpicada por acordes de piano ao modo gospel e das imagens do videoclipe inspiradas no filme 'A árvore da vida'; um drama experimental dirigido pelo cineasta Terrence Mallick que tenta abordar o sentido da existência pela perspectiva de lembranças da infância de um homem adulto. Tão sombrio e mórbido quanto o tema que o antecede lá, o electro-blues 'Angel' vê o vocalista Dave Gahan arrancar do âmago de suas vísceras uma interpretação à altura da mescla de candor e niilismo embrutecido que o ateu Nick Cave explora em suas composições sacro-profanas à perfeição. E o que dizer das ambíguas sensações de prazer carnal, culpa e vergonha que o trio abordou sem rodeios em faixas tão emblemáticas quanto 'Should be higher', 'Slow' e 'Alone'?
Proficiente na arte de instilar peculiares manifestações sônicas vazadas em erotismo sombrio e autopunição nas pistas de dança, Depeche Mode continua sem contendores à altura no curto-circuito electro mundial. Talvez a única formação musical do planeta capaz de celebrar até mesmo o inferno junkie, suas dores mais atrozes e, a reboque, a própria danação eterna.