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Depeche Mode lança o disco 'Delta Machine'

Trabalho do grupo retorna à temática sacro-profana

Arthur G. Couto Duarte
“Bem-vindos ao mundo do Depeche Mode”, é como o próprio saúda os fãs já na faixa de abertura do seu mais novo trabalho, adequadamente batizado de Delta Machine. Aliás, a justaposição da emoção catártica que sempre foi a principal característica do blues e do gospel norte-americanos e com a parafernália gélida que forjou o afetado universo techno-pop do qual um dia emergiu o Depeche Mode – hibridismo sônico ao qual o título do CD faz questão de explicitar – parece ter provido a chave pela qual a veterana formação inglesa conseguiu acesso até o novo milênio.


A afirmação faz sentido, já que, se olharmos para trás, praticamente nenhuma das formações afiliadas à cold-wave (Throbbing Gristle, Siglo XX), ao synth-punk (D.A.F., Suicide, Devo), ao synth-pop (Ultravox!, Orchestral Manouvres In The Dark, Human League, Gary Numan & The Tubeway Army), ao industrial-rock (Whitehouse, Cabaret Voltaire, Laibach, Scrapping Foetus Of The Wheel), ao new romantic (A Flock Of Seagulls, Visage, Japan) e às demais vertentes sintéticas forjadas ao longo dos anos 80 conseguiu sobreviver à ação deletéria do tempo. Eventuais – e, no mais das vezes, escassos – parceiros de estética podem até ter chegado aos dias de hoje, mas desprovidos do mesmo elã, mérito artístico ou fama global conquistada pelo “sempre jovem” quarteto de Basildon. Ou, como ao final de 2011 um crítico da revista Q resolveu resumir a questão, Depeche Mode é simplesmente “a mais popular banda eletrônica que o mundo já conheceu”.

Em seu mais recente registro, Depeche Mode retorna a temática sacro-profana expressa musicalmente no já citado hibridismo electro-blues de discos prévios como 'Songs of faith and devotion' (1993), 'Ultra' (1997) e 'Playing the angel' (2005). Também de volta a 'Delta Machine' vamos deparar com 'Flood', o mesmo produtor responsável pela sonoridade mais orgânica do pioneiro 'Songs of faith and devotion' – porém agora incumbido apenas da mixagem final da gravação.

Escolhida para ser o primeiro single extraído do disco, a balada 'Heaven' (Paraíso) vem urrar “Hosana nas alturas” com o suporte de beats sorumbáticos, de uma melodia salpicada por acordes de piano ao modo gospel e das imagens do videoclipe inspiradas no filme 'A árvore da vida'; um drama experimental dirigido pelo cineasta Terrence Mallick que tenta abordar o sentido da existência pela perspectiva de lembranças da infância de um homem adulto. Tão sombrio e mórbido quanto o tema que o antecede lá, o electro-blues 'Angel' vê o vocalista Dave Gahan arrancar do âmago de suas vísceras uma interpretação à altura da mescla de candor e niilismo embrutecido que o ateu Nick Cave explora em suas composições sacro-profanas à perfeição. E o que dizer das ambíguas sensações de prazer carnal, culpa e vergonha que o trio abordou sem rodeios em faixas tão emblemáticas quanto 'Should be higher', 'Slow' e 'Alone'?

Proficiente na arte de instilar peculiares manifestações sônicas vazadas em erotismo sombrio e autopunição nas pistas de dança, Depeche Mode continua sem contendores à altura no curto-circuito electro mundial. Talvez a única formação musical do planeta capaz de celebrar até mesmo o inferno junkie, suas dores mais atrozes e, a reboque, a própria danação eterna.