A partir dos embrionários anos 1960, tais entrevistas acabam por carregar os Stones para dentro do século 21, conjurando por meio das palavras dos próprios protagonistas um arco narrativo exemplar. Filtrada pelas lentes do diretor Brett Morgen, a carreira do grupo ressurge com ares de ineditismo, vide as tomadas que mostram o triunvirato original (Brian Jones, Mick Jagger e Keith Richards) tentando se infiltrar de todo modo na banda de blues liderada pelo pioneiro Alexis Korner ou as não censuradas reminiscências do guitarrista Mick Taylor acerca do gradual afundamento de Keith Richards nas areias movediças da heroína, por volta de 1971.
Aliás, é sob o aval dos próprios Rolling Stones que o documentário enfoca – ainda que de forma um tanto superficial – a prisão e o julgamento de Keith por posse de maconha, em 1967; o até hoje não bem explicado afogamento de Brian Jones na piscina de sua casa; o horror complacente que tomou conta do grupo frente ao caos e às mortes em Altamont, além das alucinadas noitadas francesas que resultaram na gravação de 'Exile on Main Street'. Por outro lado, tópicos não menos polêmicos do setor “roupa suja”, tais como a eterna relação de amor e ódio vivida entre Mick e “Keef”; o suingue afetivo que ambos mantiveram com Anita Pallenberg e Marianne Faithfull e a famigerada vida promíscua de Brian Jones foram estrategicamente contornados pelo diretor.
Ressalvas à parte, ao final de seus mais de 150 minutos de duração, 'Crossfire hurricane' mostra aos olhos do mundo como os Stones conseguiram chegar praticamente incólumes até 2013, postando-se para além das avaliações críticas convencionais. Como consegue provar até nos bônus do DVD, quando impressionantes imagens ao vivo nos transportam até um palco alemão, em 1965, para testemunhar versões furiosas de 'Satisfaction' e 'I’m all right', os Stones nunca foram apenas uma formação musical, mas “a essência”, uma lenda viva, a tradição ambulante, possante e energeticamente inesgotável que se tornou tradução do próprio rock’n’roll.