Uma prova viva de que é possível reciclar standards simultaneamente sob a ótica do respeito e da reinvenção é a trajetória daquele que talvez seja o mais eficiente trio de jazz em atividade. Reunidos em 1983, por sugestão do dono e produtor do selo EMC, Manfred Eischer, o pianista Keith Jarrett, o baterista Jack DeJohnette e o baixista Gary Peacock chegam aos 30 anos de atividade em conjunto, esbanjando competência e frescor interpretativo no álbum Somewhere, que estará nas lojas brasileiras nas próximas semanas, importado pelo selo Borandá.
Jarrett, que comemorou 68 anos no dia 8, comanda, na série de discos e concertos em torno de standards do jazz do Keith Jarrett Trio, um exercício de exposição de temas pela via do essencial e improvisos com doses equilibradas de liberdade e competência técnica. Gravado ao vivo em 2009, no sofisticado KKL Luzern, em Lucerna, na Suíça, o disco é uma aula de como conduzir um set de concerto de jazz. A faixa de abertura, que une o tema Solar (Miles), de título autoexplicativo, à cerebral Deep space (Jarrett), estabelece padrões de narração de climas e imagens que se mostram sólidos ao longo do concerto.
A versão da balada Stars fell on Alabama (Frank Perkins/Mitchell Parish), que teve interpretações definitivas de Billie Holiday e John Coltrane, conduz o ouvinte a uma viagem noturna, sob uma chuva de meteoros numa cidade do interior americano. É como se o céu cheio de nuvens, em preto e branco, da foto da capa, fosse iluminado por estrelas em delicada trajetória. Já Between the devil and the deep blue sea (Harold Arlen) aponta para uma agilidade que, praticamente, justifica a confessada influência do pianista Ahmad Jamal no trabalho do trio.
Diálogo
A leitura acelerada de Tonight (Leonard Bernstein) é um caso típico de integração de um combo jazzístico com solos se alternando sem prejudicar o andamento e, melhor, dando cores polivalentes a outro tema que traz a noite e suas luzes como motivo. Assim como a abertura, a faixa que traz Somewhere (de West Side story, também de Bernstein), com Everywhere, do próprio Jarrett, apresenta um diálogo que começa suave e introspectivo e vai crescendo até produzir fagulhas de tons épicos.
E ainda vale ressaltar o encerramento, com I thought about you, recriada num clima que evoca os tempos em que pianista tocava com Miles Davis. Uma espécie de encerramento de ciclo que reafirma a importância do homem do trompete nos rumos do jazz contemporâneo.