Depois de 20 anos de carreira, O Rappa acaba de experimentar o sabor do sucesso instantâneo. O recém- lançado single Anjos caiu no gosto da massa. A música está nas primeiras colocações das principais rádios do país, algo incomum, nessa proporção, na trajetória da banda. “Geralmente, nossos discos demoram a acontecer. Até então, as pessoas demoravam um pouco para entender nossa mensagem e estilo. Desta vez não”, conta o guitarrista Xandão, no intervalo de gravação das demais canções do novo trabalho. Se tudo correr conforme o planejado, o disco sai em agosto.
O momento atual d’O Rappa traz mais novidades. O tom pessimista e baixo-astral dos últimos discos desapareceu. “Estamos numa fase otimista”, garante Xandão, citando a letra de Anjos. “Estamos falando de fé. Daquele tipo de certeza que todo brasileiro tem de que as coisas darão certo. Todos nós, primordialmente, carregamos isso”, diz. Há outras boas-novas nos bastidores. Desta vez, o processo de criação é diferente da época em que eles iam para o estúdio e criavam as canções. Como tiveram uma lacuna entre um CD e outro, puderam pensar. “Em 20 anos, foi o único momento em que entramos no estúdio com material para trabalhar. Geralmente, fazíamos tudo juntos. Cada um trouxe sua contribuição”, revela.
O processo de misturar tudo não foi fácil. Xandão explica que O Rappa só consegue sonoridade tão diferenciada porque cada integrante leva a sua influência. “O tecladista Marcelo Lobato traz sons africanos. Eu escuto rock e jazz; já o Falcão vem com o reggae. Quem cuida de juntar tudo é Tom Saboia, que entra produzindo o disco.” Se em outros tempos o encontro poderia ser mais difícil, o guitarrista garante que a maturidade tem ajudado a tornar o processo mais agradável. “Estamos numa fase fértil. Diria que esse disco, ao contrário dos demais, não tem nos dado vontade de terminar, tudo está muito feliz. Mas chega uma hora em que temos que colocar um fim.”
PLURAL
O novo CD mostrará bem o que O Rappa significa: mistura de sonoridades. “Cada música resume o caos das influências. Por muito tempo, críticos e jornalistas tentaram nos rotular. Não colou. Até porque, somos requisitados e participamos de festivais de pop, passando pelos de rock e os de hip-hop. Conseguimos navegar por todos esses universos. Somos plural e conseguimos passar essa característica ao disco. Se existe algo que nos define é isso”, afirma o guitarrista, que, nas horas vagas, dedica-se ao estúdio Caroço, em Curitiba, terra que escolheu para morar depois de se casar com uma paranaense.
Ainda sem nome, o novo disco está sendo gravado e finalizado no estúdio do tecladista Marcelo Lobato, no Rio de Janeiro. Os primeiros testes foram em outubro e, desde então, eles têm se encontrado para novas imersões sonoras. O resultado tem sido rico. “Acabamos de colocar no forno,” diz Xandão. Como eles produzem CDs a cada cinco anos, as obras chegam sempre cercadas de expectativas. A demora é justificável. “Somos uma banda de estrada. Nossas turnês duram tempos e não nos expomos tanto. Até porque, enxergamos que há poucos programas abertos a músicas. O rádio também está fraco. Não consigo escutar.” Mesmo mantendo em segredo outros detalhes sobre o novo trabalho, ele entrega que os temas devem ser inspirados no cotidiano. “Ainda somos pessoas que gostam de conviver, de andar pelas ruas e, quando vamos gravar, é impossível não falar disso”, conclui o guitarrista.
Carreira construída com sucessos
Marcelo Lobato (teclado), Xandão (guitarra), Nelson Meirelles (baixo) e Marcelo Yuka (bateria) se juntaram em 1993 para acompanhar a turnê do cantor Pappa Winnie pelo Brasil. Amadureceram a ideia de criar o próprio som. Na época, só faltava escolher o vocalista. Depois de algumas tentativas, chegaram ao nome definitivo: Marcelo Falcão. A formação deu origem, um ano depois, ao disco O Rappa.
O reconhecimento ainda demorou. Veio em 1996, quando o CD Rappa múndi chegou às lojas com canções como Pescador de ilusões, A feira, Miséria S.A., O homem bomba e Eu quero ver gol, além dos covers Ilê Ayê (Paulinho Camafeu), Vapor barato (Waly Salomão e Jards Macalé) e de uma versão de Hey Joe do Jimi Hendrix. Boa parte delas hits até hoje.
Os outros discos seguiram trilhas parecidas. Lado B lado A trouxe sucessos como Minha alma (a paz que eu não quero) e colecionou prêmios. A época coincidiu com o trágico período em que, vítima da violência, Marcelo Yuka, ao tentar impedir um assalto, foi baleado e ficou paraplégico. Afastado dos palcos para tratamento médico e sem poder tocar bateria, seguiu compondo e trabalhando no estúdio com a banda em projetos paralelos.
O disco pós-trauma foi Instinto coletivo, primeiro ao vivo deles. O trabalho marcou a saída de Yuka d’O Rappa para tocar carreira solo. Com a nova formação – Marcelo Lobato (bateria e teclado de apoio), Lauro Farias (baixo), Xandão (guitarra) e Falcão (voz) – o grupo gravou O silêncio q precede o esporro. Em 2005, veio o projeto Acústico MTV. As novidades chegaram em 2008, quando lançaram o inédito 7 vezes. Em 2010, O Rappa ao vivo veio recheado das canções que o país, àquela altura, já conhecia de cor.