“Get back! Get back!”, ordenou o beatle, já na reta final do show. Não precisava. A viagem ao passado já começara bem antes de ele subir ao palco. Primeiro, no som de aquecimento, com versões remixadas de alguns dos maiores clássicos do século 20. Foi quando outro beatle, morto em 1980, se fez presente no Mineirão e, de forma perturbadora, pediu e repetiu: “You can talk to me!”. Depois, com a sequência vertiginosa de fotografias nos telões: família, amigos, mulheres, bandas, o resumo de uma existência. Só que algumas pessoas daquelas projeções, de repente, se mexeram; na verdade, estavam em trechos de vídeos. Ali se vislumbrou o encanto: imagens, acordes e melodias eternizadas na memória ganharam vida quando Paul McCartney, todo lampeiro, mandou Eight days a week e decretou: acabaram as noites solitárias, BH.
Mas John pediu para falar com ele, não dá mais para evitá-lo. O diálogo se estabelece de forma direta, na letra de Here today (“Você esteve aqui hoje, na minha canção...”), mas também na surpreendente inclusão de Being for the benefit of Mr.Kite!, cantada por Lennon no mítico Sgt.Peppers, de longe o momento mais desconcertante da noite. Logo as coisas voltam ao prumo seguro e solitário. Paul rasga a voz e os corações em uma interpretação devastadora de Maybe I’m amazed, promove catarse coletiva na homenagem a George em Something, comanda roda de violões em Hope of deliverance, redescobre a paixão em My valentine, massacra tímpanos em Helter Skelter. E mais surpresas no repertório, muitas iscas para fisgar fãs: a deliciosa Lovely Rita, a deslizante Listen to what the man said... Não, senhores. Quem viu um show de Paul McCartney não viu todos.
Eis um homem que faz o passado se mover. E nada mais representativo – e comovente – dessa misteriosa mágica do que vê-lo cantar Your mother should know enquanto os beatles, de terninho branco, dançam e se divertem gaiatamente na telona. Cinquenta anos separam aquele jovial senhor que está no palco dos quatro jovens no telão, mas naquele instante eles formam uma só imagem. De novo, ontem e hoje estão unidos. Todos juntos somos fortes, inabaláveis, indestrutíveis. Nem a morte, muito menos a Yoko, é capaz de nos separar.
Em 4 de maio de 2013, eu ouvi Paul McCartney falar “uai” em Belo Horizonte. Naquela noite eu vi um menino de 70 anos correndo, cantando, pulando, fazendo caretas, aprontando (para de puxar as calças, garoto!), sorrindo no palco. Eu vi o tempo.