“Get back! Get back!”, ordenou o beatle, já na reta final do show. Não precisava. A viagem ao passado já começara bem antes de ele subir ao palco. Primeiro, no som de aquecimento, com versões remixadas de alguns dos maiores clássicos do século 20. Foi quando outro beatle, morto em 1980, se fez presente no Mineirão e, de forma perturbadora, pediu e repetiu: “You can talk to me!”. Depois, com a sequência vertiginosa de fotografias nos telões: família, amigos, mulheres, bandas, o resumo de uma existência. Só que algumas pessoas daquelas projeções, de repente, se mexeram; na verdade, estavam em trechos de vídeos. Ali se vislumbrou o encanto: imagens, acordes e melodias eternizadas na memória ganharam vida quando Paul McCartney, todo lampeiro, mandou 'Eight days a week' e decretou: acabaram as noites solitárias, BH.
No maior estádio da cidade, Paul entrou vestido de azul. Depois, tirou o casaco e ficou de camisa branca, com gola e listra pretas. Mineirão e Independência juntos? Sim, ele pode. Naquela noite, as cores estavam unidas, amalgamadas em sorrisos: aquele mar de gente feliz é a festa da torcida campeã. Três cadeiras à minha frente, o pai quarentão e o filho adolescente se abraçam para cantar a iluminada 'Let it be'. Ao meu lado, em efeito Cocoon, um senhor calvo agita os braços e declama para a sua senhorinha os versos de 'All my loving'. Coladinhos, casais se beijam enquanto curtem 'And I love her'. Barbudos dançam de braços dados, senhoras remexem as ancas nos refrões “música de brinquedo” de 'Ob-la-di, Ob-la-da' e 'All together now'. Somos crianças, adolescentes, amantes, velhos, solitários e enamorados, todos juntos agora, no pula-pula de 'Mrs. Vandebilt'. Ô, ê, ô! Compramos ingresso para um show de rock e ganhamos uma overdose de elixir da juventude. Ô, ê, ô! Assim você nos mata, Paul.
Mas John pediu para falar com ele, não dá mais para evitá-lo. O diálogo se estabelece de forma direta, na letra de 'Here today' (“Você esteve aqui hoje, na minha canção...”), mas também na surpreendente inclusão de 'Being for the benefit of Mr.Kite!', cantada por Lennon no mítico 'Sgt.Peppers', de longe o momento mais desconcertante da noite. Logo as coisas voltam ao prumo seguro e solitário. Paul rasga a voz e os corações em uma interpretação devastadora de 'Maybe I’m amazed', promove catarse coletiva na homenagem a George em 'Something', comanda roda de violões em 'Hope of deliverance', redescobre a paixão em 'My valentine', massacra tímpanos em 'Helter Skelter'. E mais surpresas no repertório, muitas iscas para fisgar fãs: a deliciosa 'Lovely Rita', a deslizante 'Listen to what the man said'... Não, senhores. Quem viu um show de Paul McCartney não viu todos.
Eis um homem que faz o passado se mover. E nada mais representativo – e comovente – dessa misteriosa mágica do que vê-lo cantar 'Your mother should know' enquanto os beatles, de terninho branco, dançam e se divertem gaiatamente na telona. Cinquenta anos separam aquele jovial senhor que está no palco dos quatro jovens no telão, mas naquele instante eles formam uma só imagem. De novo, ontem e hoje estão unidos. Todos juntos somos fortes, inabaláveis, indestrutíveis. Nem a morte, muito menos a Yoko, é capaz de nos separar.
Em 4 de maio de 2013, eu ouvi Paul McCartney falar “uai” em Belo Horizonte. Naquela noite eu vi um menino de 70 anos correndo, cantando, pulando, fazendo caretas, aprontando (para de puxar as calças, garoto!), sorrindo no palco. Eu vi o tempo.
No maior estádio da cidade, Paul entrou vestido de azul. Depois, tirou o casaco e ficou de camisa branca, com gola e listra pretas. Mineirão e Independência juntos? Sim, ele pode. Naquela noite, as cores estavam unidas, amalgamadas em sorrisos: aquele mar de gente feliz é a festa da torcida campeã. Três cadeiras à minha frente, o pai quarentão e o filho adolescente se abraçam para cantar a iluminada 'Let it be'. Ao meu lado, em efeito Cocoon, um senhor calvo agita os braços e declama para a sua senhorinha os versos de 'All my loving'. Coladinhos, casais se beijam enquanto curtem 'And I love her'. Barbudos dançam de braços dados, senhoras remexem as ancas nos refrões “música de brinquedo” de 'Ob-la-di, Ob-la-da' e 'All together now'. Somos crianças, adolescentes, amantes, velhos, solitários e enamorados, todos juntos agora, no pula-pula de 'Mrs. Vandebilt'. Ô, ê, ô! Compramos ingresso para um show de rock e ganhamos uma overdose de elixir da juventude. Ô, ê, ô! Assim você nos mata, Paul.
Mas John pediu para falar com ele, não dá mais para evitá-lo. O diálogo se estabelece de forma direta, na letra de 'Here today' (“Você esteve aqui hoje, na minha canção...”), mas também na surpreendente inclusão de 'Being for the benefit of Mr.Kite!', cantada por Lennon no mítico 'Sgt.Peppers', de longe o momento mais desconcertante da noite. Logo as coisas voltam ao prumo seguro e solitário. Paul rasga a voz e os corações em uma interpretação devastadora de 'Maybe I’m amazed', promove catarse coletiva na homenagem a George em 'Something', comanda roda de violões em 'Hope of deliverance', redescobre a paixão em 'My valentine', massacra tímpanos em 'Helter Skelter'. E mais surpresas no repertório, muitas iscas para fisgar fãs: a deliciosa 'Lovely Rita', a deslizante 'Listen to what the man said'... Não, senhores. Quem viu um show de Paul McCartney não viu todos.
Eis um homem que faz o passado se mover. E nada mais representativo – e comovente – dessa misteriosa mágica do que vê-lo cantar 'Your mother should know' enquanto os beatles, de terninho branco, dançam e se divertem gaiatamente na telona. Cinquenta anos separam aquele jovial senhor que está no palco dos quatro jovens no telão, mas naquele instante eles formam uma só imagem. De novo, ontem e hoje estão unidos. Todos juntos somos fortes, inabaláveis, indestrutíveis. Nem a morte, muito menos a Yoko, é capaz de nos separar.
Em 4 de maio de 2013, eu ouvi Paul McCartney falar “uai” em Belo Horizonte. Naquela noite eu vi um menino de 70 anos correndo, cantando, pulando, fazendo caretas, aprontando (para de puxar as calças, garoto!), sorrindo no palco. Eu vi o tempo.