Talvez soe exagerado falar no legado de Chorão, cantor e compositor da banda Charlie Brown Jr., que morreu esta semana. Mas não há como ignorar: a sonoridade forjada por ele à frente do grupo paulista se tornou uma das faces do rock brasileiro na virada dos anos 1990 e, consequentemente, influenciou uma série de bandas surgidas desde então.
Preferências e antipatias à parte, o polêmico vocalista soube arrebatar o público jovem ao unir seu discurso à mistura benfeita de rock, hardcore, ska, reggae e rap. Para isso, hits não faltaram. E, logo no primeiro disco, 'Transpiração contínua prolongada' (1997), foram pelo menos cinco: 'O coro vai comê!', 'Proibida pra mim (Grazon)', 'Tudo que ela gosta de escutar', 'Quinta-feira' e 'Gimme o anel'. Depois vieram sucessos que garantiram a presença da banda de Chorão na mídia e em festivais pelo Brasil, como 'Zóio de lula', 'Te levar' (tema de abertura da novelinha 'Malhação'), 'Não é sério', 'Não uso sapato' e 'Hoje eu acordei feliz'.
Ao lado de bandas como Raimundos, Chico Science & Nação Zumbi e Planet Hemp, Charlie Brown Jr. ajudou não apenas a manter vivo o rock brasileiro na década de 1990, mas também a renová-lo. O sucesso da estética baseada em variadas vertentes musicais abriu espaço para novos grupos, enquanto Chorão consolidava estilo próprio ao microfone, reforçando a imagem de skatista bad boy. Curiosamente, foi dos raros cantores daquela nova cena a falar de amor. Uma de suas canções românticas fez sucesso até na voz de Zeca Baleiro.
“Nunca negamos a influência do Charlie Brown Jr. Comparavam o Detonautas com o grupo e dizíamos que ele foi uma inspiração. Depois, amadurecemos e desenvolvemos a nossa própria personalidade. O Charlie Brown Jr. sempre foi banda de grande performance, mas, particularmente, eu me identificava muito com as letras, as ideias e as mensagens que o Chorão passava. Aquela banda era cultuada mesmo nos momentos em que a mídia ignorou o rock. Um genuíno e benfeito rock em português”, analisa Tico Santa Cruz, vocalista do Detonautas, grupo formado em 1997.
Bandas criadas depois disso, como Fresno, Forfun e NX Zero, são a prova de quanto a música de Chorão é relevante. “No começo da nossa banda, ele me influenciou muito e tem influência até hoje. Mais tarde, viramos amigos. Ele conheceu meus pais, ficamos próximos”, conta Diego Ferrero, vocalista do NX Zero. Lucas Silveira, vocalista e guitarrista do Fresno, diz que Charlie Brown Jr. e Raimundos eram as únicas histórias de sucesso quando formou sua banda. “No primeiro show do Fresno, tinha covers do Charlie Brown Jr. A gente curtia muito mesmo”, relembra.
EM BH
“Chorão era o dia e a noite, o pico e o vale. Muito polêmico. Com seu temperamento explosivo, podia ser um cara agressivo em certos momentos, mas tinha um coração enorme e lealdade difícil de se ver. Tinha também facilidade de compor e construir melodias. Tudo muito claro, com a linguagem do jovem e, ao mesmo tempo, muito poético”, afirma Luiz Felipe Barreto Perez, diretor da produtora Plural. Ele organizou várias edições do festival Pop Rock Brasil, em Belo Horizonte. Charlie Brown Jr. participou de cerca de seis edições. Em novembro do ano passado, Chorão fez seu último show em BH. Os ingressos para a apresentação no Chevrolet Hall se esgotaram.
Perez conta que os dois se tornaram amigos. “Conheci Chorão quando ele e a banda vieram pela primeira vez a Belo Horizonte, pouco depois de lançar o disco de estreia. Ninguém os conhecia. Produzi o evento no Lapa Multshow, com Tihuana e O Surto na mesma noite. Veio todo mundo em apenas um ônibus, uma confusão danada. O show fracassou, não teve público. Criei afinidade com ele de cara, e me lembro de tê-lo levado ao Shopping Cidade para comprar uma touca”.
A banda sempre foi considerada headline no Pop Rock, afirma o produtor. “Sempre colocávamos o Charlie Brown para tocar o mais tarde possível, para segurar o público”, revela Luiz. A propósito, ele estava no show do grupo em 2002, no Mineirão, quando a plateia destruiu parte do piso sobre o gramado e começou a atirar pedaços de madeira, ferindo espectadores. “O Chorão me ajudou a pedir às pessoas que parassem de fazer aquilo. Como ele era um ícone da rebeldia, acho que tiveram mais respeito e o acataram”, relembra Perez.