Aos 17 anos e dando seus primeiros passos na música, o tecladista William Magalhães só queria agradar ao pai. Afinal, aquela era a terceira vez que o então garoto se apresentava ao lado da Banda Black Rio. Naquela noite de 1984, no extinto Mistura Fina, lembra-se da emoção que o saxofonista sentia. “Ele saiu de lá feliz, mas cansado. No caminho para casa, dormiu no volante e bateu numa árvore”, afirma William. Oberdan Magalhães tinha 45 anos quando morreu. Deixou órfão não só o filho, mas também uma banda inteira. A Black Rio, grupo carioca de bambas da música instrumental, responsável pela fusão do funk com o samba e o jazz, não sobreviveu à ausência de seu fundador. Um ano mais tarde, anunciou seu fim.
Dezesseis anos mais tarde, já como músico estabelecido, William voltou com a Black Rio, com nova formação. Desde então, o novo grupo vem fazendo um trabalho de atualização da música black produzida há 30 anos no país. Com dois álbuns lançados – que vêm se juntar aos três da primeira fase do grupo – é uma das atrações do encerramento do Festival Lixo e Cidadania. Toca amanhã, no Granfinos, em noite que será aberta pelo violonista e compositor Thiago Delegado. O evento vai até sábado, com shows de Iconili e Funk Como Le Gusta.
A Black Rio atual traz um combo de 10 instrumentistas, nenhum deles da formação original. Na noite de amanhã, o repertório se dividirá em três focos: o material antigo – como Maria Fumaça, seu maior sucesso, também título do álbum de estreia, além de Chega mais e Gafieira universal, dos discos posteriores, bem como versões para Na baixa do sapateiro (Ari Barroso) e Urubu malandro (Louro e João de Barro) –; músicas da nova fase, pós-ano 2000; e um set que homenageia Tim Maia.
Para tal, o grupo convida Gérson King Combo, veterano soulman. Juntos, vocalista e banda vão apresentar repertório da fase setentista de Tim, principalmente a fase Racional, já que integrantes da Black Rio participaram das gravações dos cultuados álbuns do Síndico. Como a banda ainda gravou Tim Maia disco club (1978), hits desse disco como Sossego e Acenda o farol podem vir à tona.
Antropofagia Ainda que o passado seja reverenciado pela Black Rio, o grupo não fica se prendendo a um tempo que não volta mais. Seu disco mais recente é Super nova samba funk (2011), que teve edição inglesa pelo selo Far Out Recordings, especializado em música brasileira. Produzido pelo próprio William Magalhães, reuniu nomes de respeito. Entre as 16 faixas, a participação de Caetano Veloso (Aos pés do redentor), Gilberto Gil (Lindos olhos), Elza Soares e César Camargo Mariano (Isabella) e Seu Jorge (Louis Lane).
“Na verdade, esse disco é o primeiro do que venho chamando de trilogia. Tínhamos 45 músicas, o pessoal do selo escolheu 16. Em abril, lançamos o volume dois e, no fim do ano, o três. Esse novo, que vai sair no Brasil, tem ainda Jorge Ben e Ed Motta. A Black Rio nasceu nos anos 1970 com uma proposta antropofágica, de mistura da música americana com a brasileira. O Super nova mantém isso, tanto que o que o Caetano gravou foi uma bossa. Já o Mano Brown, um rapper, produziu algumas músicas (como Louis Lane e Back to the project). É uma grande festa dentro desse território negroide, que é como chamo”, acrescenta William.
Para este ano, o grupo já tem uma temporada agendada na Europa e outra nos Estados Unidos. O exterior, por sinal, é um campo bastante explorado pela banda. Foi quando tocava com Gilberto Gil lá fora, no fim dos anos 1980, que William atentou para o potencial do grupo. “DJs da Inglaterra e França estavam descobrindo a Banda Black Rio e tinham muito respeito por ela.”
E um exemplar de Maria Fumaça vendido a 100 libras foi um sinal de que alguma coisa estava acontecendo ali. E veio, nos anos 1990, também na terra da rainha, a onda do acid jazz de Jamiroquai e Brand New Heavies, grupos que beberam na fonte do que os brasileiros fizeram aqui 15, 20 anos antes. “Depois da década de 1970, o Brasil veio com a coisa do rock durante um tempo. Mais recentemente, a black music nacional voltou a chamar a atenção e num panorama que cabe desde os pilares, como Cassiano, como o hip-hop do Mano Brown. Isso abre novas possibilidades”, conclui William Magalhães.
FESTIVAL LIXO E CIDADANIA
Amanhã e sábado, a partir das 22h, no Granfinos, Avenida Brasil, 326, Santa Efigênia. Amanhã, Thiago Delegado, Banda Black Rio e Gerson King Combo. Sábado, Funk Como Le Gusta e Iconili. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia).
Parceiros ilustres
>> Em 1977, mesmo ano em que lançou seu primeiro álbum, Maria Fumaça, a BBR participou de O dia em que a Terra parou, de Raul Seixas. O disco é aberto pela funkeada Tapanacara, cujo instrumental foi gravado pelo grupo carioca.
>> Já em 1978, a BBR se uniu a Caetano Veloso gravou, no Teatro Carlos Gomes, no Rio, o Bicho baile show. O registro foi engavetado e só se tornou disco em 2002, quando Charles Gavin coordenou projeto de reedição da obra do baiano, na caixa Todo Caetano.
Só gente boa
>> O ano de criação da BBR é 1976. Nessa primeira fase, o grupo teve duas formações. Além de Oberdan Magalhães, outros bambas que estiveram no grupo são o pianista e tecladista Cristóvão Bastos, o trompetista José Carlos Barroso e o baixista Jamil Joanes, entre outros.
>> A BBR nasceu em meio ao movimento Black Rio, que em meados dos anos 1970 tomava conta do subúrbio carioca. Seus integrantes vieram dos conjuntos Impacto 8, Grupo Senzala e Don Salvador e Grupo Abolição. Nos primeiros tempos, a banda contava com dois cantores: Sandra de Sá e Carlos Dafé, na época pouco conhecidos.
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A Black Rio atual traz um combo de 10 instrumentistas, nenhum deles da formação original. Na noite de amanhã, o repertório se dividirá em três focos: o material antigo – como Maria Fumaça, seu maior sucesso, também título do álbum de estreia, além de Chega mais e Gafieira universal, dos discos posteriores, bem como versões para Na baixa do sapateiro (Ari Barroso) e Urubu malandro (Louro e João de Barro) –; músicas da nova fase, pós-ano 2000; e um set que homenageia Tim Maia.
Para tal, o grupo convida Gérson King Combo, veterano soulman. Juntos, vocalista e banda vão apresentar repertório da fase setentista de Tim, principalmente a fase Racional, já que integrantes da Black Rio participaram das gravações dos cultuados álbuns do Síndico. Como a banda ainda gravou Tim Maia disco club (1978), hits desse disco como Sossego e Acenda o farol podem vir à tona.
Antropofagia Ainda que o passado seja reverenciado pela Black Rio, o grupo não fica se prendendo a um tempo que não volta mais. Seu disco mais recente é Super nova samba funk (2011), que teve edição inglesa pelo selo Far Out Recordings, especializado em música brasileira. Produzido pelo próprio William Magalhães, reuniu nomes de respeito. Entre as 16 faixas, a participação de Caetano Veloso (Aos pés do redentor), Gilberto Gil (Lindos olhos), Elza Soares e César Camargo Mariano (Isabella) e Seu Jorge (Louis Lane).
“Na verdade, esse disco é o primeiro do que venho chamando de trilogia. Tínhamos 45 músicas, o pessoal do selo escolheu 16. Em abril, lançamos o volume dois e, no fim do ano, o três. Esse novo, que vai sair no Brasil, tem ainda Jorge Ben e Ed Motta. A Black Rio nasceu nos anos 1970 com uma proposta antropofágica, de mistura da música americana com a brasileira. O Super nova mantém isso, tanto que o que o Caetano gravou foi uma bossa. Já o Mano Brown, um rapper, produziu algumas músicas (como Louis Lane e Back to the project). É uma grande festa dentro desse território negroide, que é como chamo”, acrescenta William.
Para este ano, o grupo já tem uma temporada agendada na Europa e outra nos Estados Unidos. O exterior, por sinal, é um campo bastante explorado pela banda. Foi quando tocava com Gilberto Gil lá fora, no fim dos anos 1980, que William atentou para o potencial do grupo. “DJs da Inglaterra e França estavam descobrindo a Banda Black Rio e tinham muito respeito por ela.”
E um exemplar de Maria Fumaça vendido a 100 libras foi um sinal de que alguma coisa estava acontecendo ali. E veio, nos anos 1990, também na terra da rainha, a onda do acid jazz de Jamiroquai e Brand New Heavies, grupos que beberam na fonte do que os brasileiros fizeram aqui 15, 20 anos antes. “Depois da década de 1970, o Brasil veio com a coisa do rock durante um tempo. Mais recentemente, a black music nacional voltou a chamar a atenção e num panorama que cabe desde os pilares, como Cassiano, como o hip-hop do Mano Brown. Isso abre novas possibilidades”, conclui William Magalhães.
FESTIVAL LIXO E CIDADANIA
Amanhã e sábado, a partir das 22h, no Granfinos, Avenida Brasil, 326, Santa Efigênia. Amanhã, Thiago Delegado, Banda Black Rio e Gerson King Combo. Sábado, Funk Como Le Gusta e Iconili. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia).
Parceiros ilustres
>> Em 1977, mesmo ano em que lançou seu primeiro álbum, Maria Fumaça, a BBR participou de O dia em que a Terra parou, de Raul Seixas. O disco é aberto pela funkeada Tapanacara, cujo instrumental foi gravado pelo grupo carioca.
>> Já em 1978, a BBR se uniu a Caetano Veloso gravou, no Teatro Carlos Gomes, no Rio, o Bicho baile show. O registro foi engavetado e só se tornou disco em 2002, quando Charles Gavin coordenou projeto de reedição da obra do baiano, na caixa Todo Caetano.
Só gente boa
>> O ano de criação da BBR é 1976. Nessa primeira fase, o grupo teve duas formações. Além de Oberdan Magalhães, outros bambas que estiveram no grupo são o pianista e tecladista Cristóvão Bastos, o trompetista José Carlos Barroso e o baixista Jamil Joanes, entre outros.
>> A BBR nasceu em meio ao movimento Black Rio, que em meados dos anos 1970 tomava conta do subúrbio carioca. Seus integrantes vieram dos conjuntos Impacto 8, Grupo Senzala e Don Salvador e Grupo Abolição. Nos primeiros tempos, a banda contava com dois cantores: Sandra de Sá e Carlos Dafé, na época pouco conhecidos.