É fácil falar mal do Capital Inicial. As críticas, de uma maneira geral, recaem nos maneirismos vocais de Dinho Ouro Preto; em sua eterna síndrome de Peter Pan (está com 48 anos); na pose rocker do quarteto que produz um pop rock radiofônico sem grandes surpresas. Mas há também que se fazer justiça. Em 29 anos, a banda que viveu céu e inferno em igual intensidade é um case (na falta de uma palavra melhor) da música pop brasileira. E com Saturno, que começa a chegar hoje às lojas (primeiro nas virtuais, na próxima semana nas físicas), o grupo quer ratificar isso. “Gostou? Não tenho o hábito de perguntar isso para as pessoas que escrevem. A gente realmente se esforçou. Hoje, quero reconhecimento não só em termos quantitativos, mas nos qualitativos”, assume o vocalista.
Ok, Dinho, há que se mudar um pouco, sem perder a ternura, aqui traduzida como vocação para o grande mercado. As rádios já estão executando à exaustão o primeiro single, O lado escuro da lua, que o próprio Dinho admite não ser o melhor cartão de visitas para apresentar Saturno. Não que a canção seja ruim, mas é uma balada cheia de arranjos de cordas. E isso, definitivamente, não representa o disco, o segundo produzido por David Corcos. “Concordo com você, o cara que ouvir a música vai achar que o disco inteiro é assim. E não é. Na verdade, a gente não participa da escolha (que foi da Sony Music)”, acrescenta. Conhecedores do mercado pop nacional sabem muito bem que uma balada é aceita muito mais facilmente do que um rock numa época de vacas magérrimas para o pop rock.
Apresentação mais apropriada seria com a faixa de abertura do disco, O bem, o mal e o indiferente – abertura com teclados, riff delicioso de guitarra, clima grandiloquente – que pega o título emprestado do clássico do western spaguetti O bom, o mau e o feio, de Sergio Leone. As referências são inúmeras, vale dizer. A letra dessa faixa remete a Cem anos de solidão, de Gabriel Garcia Marquez. Já o single é uma tradução literal de Dark side of the moon, do Pink Floyd. Há até Alice no país das maravilhas (referência para a letra de Sol entre as nuvens). Não o original de Lewis Carrol, mas a versão de Tim Burton, que Dinho considera obra-prima. E o que dizer de Apocalipse agora, se não um empréstimo do filme maior de Francis Ford Coppola? É tão pesada quanto Saquear Brasília.
Assim como no álbum de estreia, esse também nasceu na guitarra. Daí a presença marcante de riffs. E esse é o primeiro que nasceu com um conceito pronto (o planeta Saturno leva 29 anos, a idade do Capital, para dar uma volta no Sol; ele ainda remete à melancolia, e o trabalho tem tons mais escuros que os anteriores). Dinho e seu parceiro de longa data, Alvin L., trabalharam pesado nas letras, como nunca até então.
“Antes, a gente compunha e quando tinha uma quantidade grande de música começávamos a ensaiar e gravar. Desta vez, resolvemos partir da premissa de que queríamos fazer um disco que se tivéssemos 17, 18 anos gostaríamos. Aquela foi a época mais intelectualizada da minha vida. Foi quando li Kafka, assisti aos filmes de Herzog, Buñuel, Fassbinder”, continua. Bem, não dá para não lembrar que a banda é hoje muito maior do que seus contemporâneos de geração. E tem mais popularidade nos anos 2000 do que teve nos anos 1980. “Vender e tocar em rádio? Já fizemos isso. Pensei num disco como gostaria que o Capital fosse lembrado”, conclui Dinho.
1986
Capital Inicial
Com o fim do Aborto Elétrico, os irmãos Fê (bateria) e Flávio Lemos (baixo) montam uma nova banda ao lado do guitarrista Loro Jones e do vocalista Dinho Ouro Preto. Saem de Brasília rumo a São Paulo. Os três hits do disco, com rock honesto, atual e boas letras, foram herdados do grupo que tiveram ao lado de Renato Russo.
1987
Independência
Depois do primeiro disco de ouro, chamam o tecladista Bozzo Barretti (que tinha produzido o álbum de estreia) para completar a formação. Mais um disco de ouro, apesar de ter sido um trabalho feito às pressas. Em alta no cenário, abrem a turnê que Sting faz no país.
1988
Você não precisa entender
Com o perdão do trocadilho, pouca gente entendeu o disco, que ficou nas mãos de Barretti (a produção foi de Marcelo Sussekind) e primou por um toque tecno. Começam os problemas com excesso de drogas.
1990
Todos os lados
Tentando se recuperar do fiasco anterior, o grupo volta a apostar no rock. Dá certo em termos: a crítica gostou, o público não, com vendas fracas. Começa a parceria com o compositor Alvin L. Foi o quinto e último disco pela Polygram.
1991
Eletricidade
Primeiro e único disco pela BMG, traz 14 faixas, escolhidas de um repertório de 40. Mistura rock com baladas, que norteia a discobrafia da banda hoje. Além de faixas autorais, traz uma versão mais leve de The passenger, de Iggy Pop (ainda hoje bastante discutida). De pazes feitas com o público, tocam no Rock in Rio 2.
1994
Rua 47
Sem Dinho, que havia deixado a banda no ano anterior (e formou o projeto Vertigo, quase constrangedor de ruim), o que restou da banda (Barretti também tinha pulado fora) coloca um anúncio para encontrar novo vocalista. Murilo Lima grava o disco, lançado pelo selo próprio Qualé Cumpadi?. Ecos de metal e grunge dominam a sonoridade. Mesmo assim, não dá certo.
1996
Capital Inicial ao vivo
Gravado em Santos, reúne, em formato rock arena e ainda com Murilo Lima, 17 faixas, a maior parte da fase inicial da banda.
1998
Atrás dos olhos
Depois de Vertigo e de um disco solo de forte acento eletrônico, Dinho, renascido das cinzas, volta para a banda. O disco, muito bem cotado na carreira do grupo, traz somente inéditas. Foi gravado em Nashville.
2000
Acústico MTV
A grande volta por cima, com quase 2 milhões de cópias vendidas. Um dos melhores produtos da série da MTV, ainda que sem ousadia. Reúne os sucessos Fátima, Veraneio vascaína, traz inéditas (Tudo que vai e Natasha, logo transformadas em hits) e a regravação de Primeiros erros, até hoje um dos grandes momentos de show do Capital, que ainda serviu para renascer com a carreira de seu autor, Kiko Zambianchi (que participou da gravação, assim como Zélia Duncan, que cantou Eu vou estar).
2002
Rosas e vinho tinto
O sucesso estrondoso do Acústico faz com que a banda repita a sonoridade de arranjos mais limpos. Agora mais voltada para as baladas/rock, com letras mais sofisticadas (boa parte de Alvin L.), a banda troca de guitarristas: sai Loro Jones, entra Yves Passarel, ex-Viper.
2004
Gigante!
Com a carreira estabelecida, a banda prefere não sair de sua zona de conforto e começa a se repetir. O álbum, pouco inspirado, aposta num rock asséptico. Os shows, agora grandiosos, remetem ao rock arena dos anos 1980.
2006
MTV Especial: Aborto Elétrico
Hora de olhar para o passado. O Capital revira o baú da banda que Flávio e Fê Lemos tiveram com Renato Russo e grava 18 canções, entre sucessos e inéditas. O resultado é irregular.
2007
Eu nunca disse adeus
Se for para olhar para trás, melhor mirar o que deu certo. O Capital se volta para Rosas e vinho tinto e faz um álbum com boas canções e letras bem sacadas. É um pop rock bom para tocar em rádio, meio arroz com feijão, já que a hora é de colher frutos.
2010
Das Kapital
Primeiro trabalho depois do acidente em Minas que tirou Dinho durante meses de circulação. Disco econômico, bem produzido (assinado por David Corcos, que chega depois de anos da era Marcelo Sussekind), abre com a autobiográfica Ressurreição, que traz alguma “sujeira” para o som do grupo. O decorrer do disco, no entanto, mistura baladas e alguns rocks feitos para tocar em rádio.
2012
Saturno
Num ano superprodutivo, o Capital lançou um DVD do show no Rock in Rio, Dinho um (pretensioso e constrangedor) disco solo e agora termina 2012 com este bom álbum, que busca dar um passo além do pop rock confortável em que a banda se especializou. Tem arranjos mais trabalhados e letras menos adolescentes.