Paulinho da Viola completa 70 anos mas prefere não comemorar profissionalmente

Mas o jornalista Vagner Fernandes, que fez a biografia dele, tem projeto de lançar uma caixa de discos

por Sérgio Rodrigo Reis 12/11/2012 09:04

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.

Erike Machado/Divulgação
Paulinho da Viola, que faz 70 anos nesta segunda-feira, já avisou que disco novo só no ano que vem (foto: Erike Machado/Divulgação)
O cantor e compositor carioca Paulinho da Viola coleciona histórias, inúmeros sambas e chega aos 70 anos não raras vezes repetindo a frase: “Não sinto saudades”. A afirmação soa contraditória, diante de obra tão vasta, repleta de crônicas musicais do país, que tanto fazem referência e deferência ao passado. Ele tem um modo particular de lidar com o tempo. É como se, a cada aparição, partisse do passado para entender e revitalizar o presente. Tímido, simples e avesso à badalação, sempre que possível longe da mídia, Paulinho da Viola tem sabedoria de poucos para lidar com a carreira. Já gravou bastante, assim como fez muitos shows, mas, de uns anos pra cá, vem se tornando cada vez mais avesso às regras do show biz. Prefere gravar pouco, falar quase nada e aparecer menos ainda. Talvez por isso, sempre que ensaia voltar à cena, a atitude se torna um acontecimento. Ele avisou: não esperem de sua parte comemorações em torno dos 70 anos (celebrados nesta segunda-feira). Fará três shows: dia 17, no Parque Madureira, no Rio; dia 28, no Carnegie Hall, em Londres; e em 11 de dezembro, no Teatro Coliseo, em Buenos Aires. Disco novo? Só no ano que vem, se tudo der certo. E nada mais. Filho do músico Cesar Faria, Paulinho da Viola cresceu em torno da música. Em Botafogo, onde passou a infância, tradicional bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro onde nasceu em 12 de novembro de 1942, conheceu os ritmos brasileiros graças ao pai, violonista do conjunto Época de Ouro. Entre um ensaio e outro, não era raro estar ao lado de Jacob do Bandolim e Pixinguinha, entre outros que se encontravam para fazer choro, valsas e sambas. Ao longo de décadas de carreira, Paulinho da Viola passou por fases distintas. Gravou intensamente nos anos 1960 e 1970; depois, diminuiu o ritmo, até que, de 1990 em diante, tem sido cada vez mais raro mostrar algo inédito. O distanciamento da mídia veio acompanhado de amadurecimento da carreira e do reconhecimento dos que passaram a vê-lo como artista mais sofisticado e maduro. O trabalho dele é tido como elo entre tradições populares como o samba, o carnaval – desde 1965 integra a ala de compositores da Portela – , o choro e a contemporaneidade. Nada mal para quem não vive de saudades.

Músicas inéditas

 

É do jornalista e pesquisador carioca Vagner Fernandes, autor da biografia da cantora mineira Clara Nunes, a ideia de propor à EMI a reedição de 11 discos fundamentais na carreira de Paulinho da Viola. São álbuns feitos entre 1968 e 1979, que, pela primeira vez, serão reunidos numa caixa, depois de passarem por processo criterioso de remasterização. “Paulinho está participando ativamente do processo”, conta o jornalista. Desde que a proposta saiu do papel, o desafio tem sido encontrar novidades. “Estamos vasculhando os arquivos da EMI em busca de alguma sobra de gravações ou registros inéditos, que não tenham entrado nos álbuns.” A proximidade de Vagner Fernandes com o universo do artista vem de infância, pois todos os familiares são ligados ao samba. Sempre teve profunda admiração pelas canções do sambista, algo que só aumentou com o tempo. “A obra do Paulinho, como de outros ícones de nossa música, é atemporal, de beleza rara, de sofisticação melódica inebriante.” Para ele, as letras são como obras-primas por conseguirem traduzir a alma de um artista absolutamente apaixonado, sempre a serviço de sua arte, de forma incondicional. “Cada vez que o ouço, descubro novas vertentes, percebo-me caminhando por trilhas inéditas em uma constante (re)descoberta que só um grande autor, uma grande obra é capaz de nos proporcionar.” Ao longo da trajetória, Paulinho da Viola compôs de maneira tão plural que é difícil reduzir sua obra a poucos aspectos. O jornalista considera essa produção como “a música brasileira legítima”, em sua verdadeira essência e totalidade. “É a força motriz indelével, que nos conduz ao abismo da felicidade e da paixão”, enfatiza. Além dos 11 álbuns clássicos, a caixa trará, como novidade, CD com registros inéditos ou pouco conhecidos do grande público, como, por exemplo, música que o cantor fez para a trilha da novela Simplesmente Maria, produção de 1970, da extinta TV Tupi, escrita por Benjamin Cattan e Benedito Ruy Barbosa, baseada no original de Rosamaria Gonzalez. Outra novidade é que a Warner também se prepara para reeditar os três álbuns que o sambista gravou na década de 1980, incluindo o raro Prisma luminoso, de 1983. EM DOIS TEMPOS

 

Documentário » A obra de Paulinho já foi tema de livros, teses acadêmicas, discos e do documentário Meu tempo é hoje, lançado há 10 anos pela VideoFilmes, com direção de Isabel Jaguaribe e roteiro de Zuenir Ventura. Em 83 minutos, o filme mescla às canções as memórias do artista bem delineadas pelo olhar atento do jornalista Zuenir Ventura. A produção só confirmou o senso comum: que Paulinho da Viola é pessoa simples, suave, sensível, inteligente, elegante. Livro » Paulinho da Viola ganhou inúmeras homenagens, mas uma considera especial: o livro Velhas histórias, memórias futuras – O sentido da tradição em Paulinho da Viola, de Eduardo Granja Coutinho (Editora Uerj). Recentemente, a publicação ganhou reedição revista e ampliada. Mostra, entre outras coisas, como o compositor conseguiu expressar-se na tradição do samba e do choro, mas, ao mesmo tempo, mantendo-se ligado a seu contexto, sem saudosismo. Fruto de tese de doutorado do autor, a obra trata Paulinho como um dos compositores que melhor representam a visão da tradição como algo em movimento, como “herança viva”. No texto, fica claro que o passado resgatado tem importância na medida em que diz aos interlocutores atuais alguma coisa sobre o presente e, dessa forma, garante projeção para o futuro. A questão, presente em vários momentos nas composições do sambista, ganha síntese nos versos de Dança da solidão: “Meu pai sempre me dizia/ Meu filho toma cuidado/ Quando penso no futuro/ Não esqueço meu passado”.

 



MAIS SOBRE MÚSICA