É sempre de peito estufado que Genival Lacerda, de 81 anos, repete: “Sou o mais velho do forró”. Nascido em Campina Grande (PB), rei das letras de duplo sentido e autor de sucessos como Severina Xique-Xique, Mate o veio, mate e Radinho de pilha, ele esbanja energia para cumprir agenda de shows pelo Nordeste durante o agitado período das festas juninas. Está lançando disco e anuncia para janeiro a gravação do primeiro DVD de seus 61 anos de carreira.
O novo trabalho, Genival Lacerda canta Luiz Gonzaga no balanço do forró, chegará ao público de maneira pouco comum: encartado na edição 1.920 da revista Contigo!, nas bancas a partir de 5 de julho. Entretanto, a tiragem de 18 mil cópias estará disponível apenas nas regiões Norte e Nordeste. “Foi um pedido da revista, acho que vai abrir espaço para o forró e para o meu trabalho”, avalia o cantor, que já lançou 10 discos de 78 rotações, 49 LPs e 30 CDs.
O novo trabalho, como o nome deixa claro, homenageia o Rei do Baião no ano de seu centenário de nascimento. Genival gravou vários sucessos dele, mas alterando ritmos originais para forró ou samba-coco. Entre os nove convidados especiais estão Fagner, Elba Ramalho, Dominguinhos, Frank Aguiar e o filho, João Lacerda – cantor, empresário e braço direito do pai.
Genival não chegou a oferecer o novo CD às gravadoras. “Não fiz isso, mas acho que aceitariam. Se esse disco tivesse sido lançado numa gravadora, estaria vendendo umas 500 mil cópias. Mesmo assim, não gosto de ficar pedindo. Se quiserem ou não, terão de me engolir. O mais velho do forró sou eu. Depois de mim vêm Dominguinhos e Elba Ramalho. Posso ficar com a cara igual à sanfona do Luiz Gonzaga, mas não faço plástica”, avisa o paraibano.
A propósito, ele e Gonzagão se conheceram nos anos 1950, no Recife. Chegaram a tocar juntos em circos, e o pernambucano tentou convencer o companheiro a se mudar para o Rio de Janeiro, o que só ocorreria anos mais tarde. “Sempre fomos amigos, mas tivemos alguns atritos, pois não levo desaforo para casa”, confessa Genival.
Um já cantou no aniversário do outro, e os dois foram escolhidos por Dominguinhos como padrinhos de casamento. A afinidade, de fato, sempre existiu e Genival não esconde a admiração por Gonzaga: “Artista especial, Luiz levou a mensagem de sofrimento do povo nordestino para o mundo todo”.
Em 31 de março de 1964, dia do golpe militar, o artista paraibano chegou à capital fluminense, recebido por Jackson do Pandeiro. Começou a tocar em casas de forró e continuou a gravar discos. Conheceu o sucesso em 1975, quando lançou o álbum Aqui tem catimberê, no qual incluiu a clássica Severina Xique-Xique. “Ele tá de olho é na butique dela”, o verso mais conhecido da canção, tornou-se o mais popular de sua carreira.
O sucesso impulsionou as vendas do disco, que encostaram em 1 milhão de cópias. Uma das razões, sem dúvida, é a letra bem-humorada, sugerindo duplo sentido. O cantor e compositor paraibano, logicamente, investiu nessa fórmula, dando origem a sucessos como Radinho de pilha, Vou de Golzinho, Caldinho de mocotó, Galeguim do zoi azu e A Chevette da menina. Em outros, como Fio dental, o recado é dado de forma bem mais explícita.
“Depois de mim, o pessoal começou a deturpar esse estilo. Quem tem ouvido sujo pensa que é baixaria. Para que fazer música apelativa?”, questiona o veterano do forró. Mesmo que em várias canções ele não chegue a expor a piada por trás do sentido literal dos versos, o “véu” costuma ser tão tênue que não deixa dúvida. Nisso reside a graça das canções, interpretadas com bom humor e recheadas de personagens às voltas com situações cômicas e constrangedoras. Genival faz rir. E pronto.
Forrozeiro da gema
Com apresentações praticamente dia sim, dia não durante o período de festas juninas (fora delas, são cerca de oito shows por mês), Genival Lacerda tem tocado sobretudo no Nordeste. No tradicional São-João de Campina Grande, marcado para o dia 29, ele se apresentará com o filho, mas não foi chamado para a festa de Caruaru (PE), da qual participou várias vezes. Radicado no Recife há cerca de 20 anos, o cantor não simpatiza com o atual prefeito da cidade pernambucana.
“Hoje, há muita fabricação de artista. O povo gasta dinheiro, põe na Globo e faz o diabo a quatro. Tem muito cantor fuleiro. Não cobro caro, mas não saio de casa para cobrar barato”, dispara. Sua crítica tem como alvo artistas conhecidos que vêm ganhando espaço em eventos juninos, embora pouco tenham a ver com o forró tradicional. Chiclete com Banana e Michel Teló são alguns exemplos.
Entre os forrozeiros que Genival mais admira estão Dominguinhos e os conterrâneos Elba Ramalho e Flávio José. “Tem muita cantora querendo imitar a Elba e a Marinês, a mais afinada da história do forró”, critica. Das gerações mais jovens, ele aprova a baiana Ivete Sangalo (com quem gravou uma música). “Ela canta como gente grande, é boa demais. Se eu não tivesse 80 anos, ela estaria lascada”, brinca.
Fora do universo do forró, Genivaldo admira Alcione, Zeca Pagodinho e Roberto Carlos. Entretanto, em casa só ouve as próprias músicas. No carro, só as do novo disco. Embora garanta manter muitas letras na ponta da língua, reconhece que o hábito é útil para refrescar a memória. Afinal, calcula ter composto cerca de 600 canções, muitas delas com o parceiro João Gonçalves.
No cinema
Em 2008, o talento de Genival Lacerda ganhou merecido registro no documentário O rei da munganga, da cineasta carioca Carolina Paiva. Em 71 minutos, o forrozeiro aparece em turnê pelo Nordeste. O filme também traz entrevistas dele e depoimentos de artistas como Elba Ramalho e Dominguinhos.“Aprendi muito sobre a cultura nordestina e que é importante valorizarmos a nossa própria música. Genival representa tudo isso. Ele é muito engraçado e não aparenta a idade que tem. Diverti-me o tempo inteiro. Durante 20 dias, ele sacaneou toda a nossa equipe”, revela Carolina.