Espécie de adaptação da história bíblica de Caim e Abel para o rock’n’roll, a saga dos irmãos Liam e Noel Gallagher – felizmente, ainda sem registro de homicídio! – não parece ter chegado a seu fim nem mesmo com a dissolução do Oasis. Ainda se digladiando na esfera jurídica, Noel move processo contra o irmão, no qual não só o acusa de ter interrompido vários shows de sua antiga banda, mas também de quase tê-lo nocauteado com sua guitarra em um camarim. Por seu turno, Liam se referiu a Noel como um “parasita desgraçado” e um “completo idiota” em recente depoimento à imprensa, acusando-o de abusar do repertório do Oasis durante a turnê de divulgação do seu primeiro trabalho solo.
Aliás, nesse novo campo de batalha, foi Liam quem saiu na frente com o Beady Eye e seu Different gear, still speeding (2011), porém a cômica fixação do cantor-compositor em John Lennon (vide a faixa The roller, um autêntico caraoquê de Instant karma) e pastiches do próprio Oasis colocam em xeque o talento daquele que um dia recebeu um prêmio da indústria fonográfica com a frase lapidar “aceito que agora sou um gênio, como Deus”. Ponto para Noel, que confrontou a marmita requentada do irmão com seu aditivado High Flying Birds.
Lançado há pouco no Brasil pela dobradinha Sour Mash/Universal em uma edição de luxo com um DVD bônus contendo videoclipes, making-offs e o documentário It’s never too late to be what U might have been, o álbum de estreia de Noel não deixa dúvidas sobre quem sempre foi a espinha dorsal do Oasis. Ainda que a voz e a irreverência de Liam sempre estivessem em primeiro plano, foram as superlativas composições de Noel – de estalo, impossível deixar de fora coisas como Don’t look back in anger, Wonderwall ou Live forever quando se pensa nas melhores músicas do rock inglês feitas nos anos 1990 – que proveram estofo ao mito brit-pop. Algo que pode ser atestado novamente na homônima gravação de Liam e seus novos acólitos.
Pródigo em referências inusitadas – ao longo da gravação, reverberações do jazz de New Orleans, batidas tecno, house e disco, orquestrações à la Burt Bacharach e Ennio Morricone, acordes lisérgicos e do rock rural norte-americano certamente vão provocar expressões de surpresa no ouvinte –, mas sem se furtar às esperadas retomadas da estética do Oasis, a High Flying Birds mostra seu mentor disposto a ampliar suas fronteiras sônicas. Se o Beady Eye soa como um Oasis sem as músicas daquele, faixas como AKA...What a life, The death of you and me, Dream on e Soldier boys and Jesus freaks mostram que os “pássaros” comandados por Noel Gallagher já alçaram voo para outras paragens, novas alturas.