Diálogos musicais envolvendo sanfonas são boa tradição da música instrumental brasileira. Sivuca & Rosinha de Valença, Dominguinhos com Yamandu Costa e com Toninho Horta são alguns momentos memoráveis. O mais recente deles é o disco Como manda o figurino, que registra a parceria do paulista Toninho Ferragutti com o gaúcho Alessandro “Bebê” Kramer.
Autor de trabalhos emblemáticos como Sanfonema (200) e Nem Sol, nem Lua (2006), Ferragutti pode ser visto e ouvido enriquecendo as músicas de Maria Bethânia, Gilberto Gil, Zizi Possi e Mônica Salmaso. Nascido em Socorro, criou um estilo próprio em que muitas vezes o virtuosismo comum ao instrumento dá lugar a um lirismo que acolhe melodias como orquestra de confortos. Já Bebê Kramer, filho de Vacaria, vem da tradição gaúcha, em que a vocação para o baile e a festa contrasta com a generosa melancolia portenha.
A ideia do encontro surgiu no início de 2011, quando foram convidados a tocar no projeto Reflexos, mostra de duos que aconteceu no Rio de Janeiro, e desaguou no projeto Sonora Brasil, do SESC paulista, com shows no Sul e no Sudeste com repertório de música contemporânea feita para o acordeão.
Com 11 temas originais, o CD aproxima a linguagem do forró nordestino e do choro paulistano e carioca com o sotaque dos chamamés, vanerões e milongas gaúchas. Iniciado com Na sombra da Asa branca, de Ferragutti, uma clara demonstração da importância de Luiz Gonzaga para a história do instrumento, o álbum mostra a facilidade do diálogo dos dois músicos na sinuosa Caminante (Kramer), dá ares gaúchos ao Choro da madrugada (Ferragutti) e soa nostálgico e dolente no Choro esperança (Kramer).
A animação de salão de baile começa na faixa-título, de Kramer, criando um clima de duelo de teclas que se confirma no bem batizado Forró classudo, de Ferragutti. Sivuca e Hermeto certamente aprovariam a sentimental Mestre Paulo (Kramer) e a envolvente Outra valsa (Kramer/Guto Wirtti). A agilidade de O sorriso de Manu (Ferragutti) abre a sequência final, que traz as equilibradas experimentações de Negra (Ferragutti) e o ritmo frenético de Pano pra manga (Kramer), capaz de tirar o sono de muito estudante de música disposto a repetir a performance alucinante da dupla.