Discos de Feist e Florence Welch colocam à prova o talento das duas vozes

por Tiago Faria 07/12/2011 14:40

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Gabriel Bouys/AFP - 28/2/11
(foto: Gabriel Bouys/AFP - 28/2/11)
Com apenas três inocentes minutos de duração — e uma melodia suave que lembra cantigas para crianças — ,a música 1234 provocou o efeito de um terremoto na carreira da canadense Leslie Feist. Depois daquele hit, pulverizado globalmente por um anúncio de iPod, a musa “cult” se viu arremessada para os andares mais luxuosos da indústria musical. Não foi uma experiência tranquila. A turnê, que esticava tentáculos a cada semana, se tornou tão exaustiva que a cantora se deu ao luxo de tirar um ano inteiro de férias. “Estava cansada de acordar cada dia numa cidade diferente. Decidi plantar tomates, viver uma vida comum”, explicou, em entrevista ao site Pitchfork. Os fãs tiveram que remoer a dúvida: o que ela faria em seguida?

 

Enquanto Feist descansava, a londrina Florence Welch vivia uma história parecida. Lançado em agosto de 2009, o disco de estreia do projeto Florence and the Machine, Lungs, vendia razoavelmente bem no Reino Unido quando o refrão bombástico de Dog days are over começou a contaminar o repertório de séries de tevê, filmes e programas de rádio — as pistas brasileiras, aliás, não foram poupadas do contágio. Além de transformar a ruiva em estrela também nos Estados Unidos, a invasão pop permaneceu por 65 semanas consecutivas na parada do Reino Unido. E, como não poderia deixar de acontecer, turbinou as expectativas para o segundo disco da inglesa. “É mais sombrio, mais pesado, maior e melhor”. Pois Ceremonials, esse álbum do “ou tudo, ou nada”, chega às lojas quase simultaneamente ao CD novo de Feist, Metals. Nos dois casos, o que está em jogo é uma velha maldição da música pop: os perigos que acompanham o estouro nas paradas de sucesso. Um desafio que Feist e Florence encaram com estratégias não muito semelhantes. Surpreender “nos próprios termos” é o lema que une as compositoras, ambas dispostas a levar alguma ousadia sonora para um público que talvez nunca tenha ouvido falar em “indie rock”. “Espero que minha música trate de alguns dos grandes temas — sexo, morte, amor, violência — que ainda vão fazer parte da história humana daqui a 200 anos”, comentou Florence, que se apresenta em janeiro no Brasil (em São Paulo, no Rio e em Florianópolis). Ambição pouca, portanto, é bobagem. Para a inglesa, a ordem é agigantar o próprio estilo para produzir uma versão melhorada do disco de estreia, indicado em 2009 ao Mercury Prize (o maior prêmio de música da Grã-Bretanha). No caso da canadense, o plano é experimentar sonoridades mais difíceis, sem a doçura que apareceu no projeto anterior, The reminder (2007) — que, graças em grande parte a 1234, vendeu 2,5 milhões de unidades e foi indicado a quatro Grammys. A imprensa britânica recebeu Ceremonials como um exemplar de “pop barroco”, na veia pomposa de uma Kate Bush. Já Metals, sem paciência para o pop, deve agradar principalmente aos fãs mais antigos da cantora, que a descobriram quando ela ainda participava do coletivo Broken Social Scene. Extremos “Eu queria criar um disco que soasse como a trilha do filme Romeu Julieta (1996), de Baz Luhrmann, com cenas de violência misturadas a Shakespeare”, explicou Florence. É essa mescla de pop e pulp, aliás, que dá um colorido exótico aos clipes da moça. O vídeo de What the water gave me foi visto 1,5 milhão de vezes no YouTube, em dois dias. Um tanto temerosa em relação ao sucesso, Feist prefere um ataque mais sutil. Quando os sites começaram a comparar a música Woe be à boa e velha 1234, a cantora retirou a faixa do álbum e a substituiu pela lânguida The circle married the line. Para a produção, convidou o islandês Valgeir Sigurdsson (parceiro de Björk e Bonnie “Prince” Billy, por exemplo), um especialista em evocar atmosferas glaciais e misteriosas. Se Florence tomou cuidado absoluto para evitar erros e aperfeiçoar a fórmula, Feist escolheu o caminho oposto. “Desta vez, há mais caos, movimento e barulho. O disco foi uma tentativa de não simplificar as coisas”, contou a canadense. Gravado parcialmente em Toronto, parcialmente em Los Angeles (numa região de paisagens amplas e desérticas), Metals foi recebido sem tantos elogios da crítica, mas confirmou o talento de uma compositora decidida a trilhar uma trajetória absolutamente pessoal. Os excessos de Ceremonials, por sua vez, não provocam consenso. Até na mídia inglesa, que tratava Florence como uma revelação nacional, o disco provoca reações que oscilam do entusiasmo à desconfiança. Não deixa ninguém indiferente — outra qualidade que une essas duas ótimas cantoras em fase de autoafirmação. Feist O sucesso da música 1234 (e, por consequência, do disco The reminder) parece ter despertado a fera em Leslie Feist: Metals soa como uma carta de independência assinada por uma cantora bela e afinada que, acima de tudo, quer ser tratada como uma artista. Daí que o plano é projetar um disco como quem pensa, por exemplo, na concepção de um filme: todas as canções se conectam como as cenas de um roteiro, enquadradas por uma fotografia de cores estouradas. “Um cemitério cheio de luz”, resume a cantora, em Graveyard. Entre baladas jazzísticas de fácil consumo (How come you never go there) e rompantes de indie rock à la Arcade Fire (A commotion), Feist encontra finalmente um estilo. Que talvez não satisfaça os fãs — mas ela não parece, pelo menos desta vez, se importar muito com isso. Assista ao clipe de What The Water Gave Me, de Florence The Machine:



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