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SPFW aplaude coleção com peças feitas por detentos de uma penitenciária

Look que abriu o desfile faz referência ao uniforme dos presos. - Foto: Zé Takahashi/Divulgação
Honorato Bezerra está preso há quatro anos em uma penitenciária de São Paulo. Aprendeu a tricotar com um colega de cela e hoje cursa aulas semanais de crochê oferecidas pelo estilista Gustavo Silvestre. “A agulha e o fio são minhas novas armas”, afirma.

O estilista oferece duas aulas por semana, de forma voluntária, na penitenciária Desembargador Adriano Marrey, em Guarulhos, como parte do projeto Ponto Firme, que estreou uma coleção feita totalmente por presos no primeiro dia da São Paulo Fashion Week (SPFW), realizada entre os dias 21 e 26 deste mês.

Honorato é um dos 19 alunos que durante nove meses se dedicaram intensamente para apresentar 45 peças na passarela mais famosa da América do Sul. O desfile teve também uma carga política, ao incluir uma mensagem contra a desigualdade social, com uma trilha sonora marcada pelo estrondo produzido pelo som de barras de ferro, simulando o interior de uma prisão.

A coleção é colorida, com jaquetas, gorros, bolsas, vestidos, moda praia, casacos longos e sapatos. Mistura estilos e tendências e abriu o desfile com um look de camiseta branca e calça bege em crochê – réplica do uniforme da prisão –, trazendo para a passarela de São Paulo uma gama variada de opções femininas e masculinas.

 

ANGÚSTIA “Aqui a gente fica angustiado por não ter notícias da família, e o crochê ajuda a tirar a ansiedade, a ocupar nosso tempo”, diz Honorato, que cumpre sua segunda pena. Enquanto trabalha em um vestido verde que espera dar de presente para a esposa, ele conta como a prisão o fez perder o contato com a mulher e os quatro filhos. “Quando a família não está presente, a gente acaba esquecido pela sociedade.”

O projeto Ponto Firme e seu sucesso na SPFW tiraram Honorato e seus colegas da escuridão da prisão direto para os refletores. Nos dois anos de funcionamento do projeto, cerca de 120 presos tiveram aulas.

Um deles, agora em liberdade, trabalha no ateliê de Gustavo Silvestre, em São Paulo.

Gustavo Silvestre ministra oficina de crochê na penitenciária Desembargador Adriano Marrey, onde oferece duas aulas semanais. - Foto: Nelson Almeida/AFP O estilista fez seus primeiros pontos em 2008 e ficou tão encantado pelo crochê que hoje essa é a técnica central de seu trabalho. Nas visitas à penitenciária de segurança máxima Desembargador Adriano Marrey, Silvestre leva revistas, fios de lã (doados por sócios do programa) e agulhas. Em uma das salas do pequeno centro cultural da prisão, ele se senta e mostra no laptop um tutorial para tecer uma flor.

O etilista reproduz o modelo junto com os alunos, que logo aprendem. “Aqui não há nada errado, tudo pode ser aproveitado”, diz. A sala ampla, com paredes tão brancas que parecem recém-pintadas e boa iluminação, ganha vida com cores dos pedaços tricotados e roupas em duas mesas retangulares.

As agulhas se movem rapidamente, como em um silencioso balé das mãos. Todos estão trabalhando em alguma etapa da produção, seja tecendo, lendo moldes ou copiando instruções. Em um canto no fundo do salão, Thiago Araújo e Fabiano Bras, presos desde 2014, avançam em dois tapetes.
São os alunos mais antigos do curso.

 

Thiago pensa antes de falar e sorri pouco. No dia anterior à visita da reportagem, ele tecia um gorro. Na hora em que conversou com a repórter, terminava um tapete. Para o dia seguinte, planejava trabalhar num vestido. Não há dia sem crochê. “Lá fora é difícil ter oportunidades para ex-presidiários, e é essa minha motivação, vou aprimorar minhas técnicas quando sair daqui, vou fazer disso minha nova profissão”, diz, sem soltar a agulha.

Fabiano, que se dedica totalmente a tecer animais e personagens de desenhos animados, sonha em se tornar “o rei” desse nicho. Antes das aulas com o estilista, tecia com uma agulha improvisada feita com uma escova de dentes e fios extraídos de peças de lã. “A gente quer ter aulas todo dia, o projeto precisa de mais recursos”, afirma.

 

 


A penitenciária Desembargador Adriano Marrey, com capacidade para 1.200 pessoas, tem hoje 2.100 presos, a maioria por tráfico de drogas. Em média, 12 presos dormem em celas com lotação de seis. É limpa e parece funcionar de forma harmônica.

As notícias sobre tentativas de fuga cinematográfica, tiroteios e rebeliões foram substituídas por histórias como a da participação na SPFW e outras atividades culturais, como a apresentação feita para o tenor Andrea Bocelli, em 2016.

“A arte como transformadora de vidas, é nisso que a gente acredita aqui”, diz Igor Rocha, oficial de segurança e educador da penitenciária, que, desde 2010, promove uma série de programas culturais, entre eles o projeto Ponto Firme.

“Eu acreditava que o crochê era coisa de vovó, tinha uma opinião formada, mas quando cansei da vida do crime, fui na sala da igreja e fiquei interessado. Logo estava aqui, na aula”, conta Bruno Ribeiro, enquanto trabalha em um tapete.

“Foi graças a isso que mudei de vida, e fico feliz de fazer parte desse legado que fica para quem vem depois da gente”, diz, sorrindo.

Para Honorato, o crochê é até mais que isso. “Aqui não tenho que pensar em minha liberdade, aqui sou livre.” (Paula Ramon, AFP)

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