Honorato Bezerra está preso há quatro anos em uma penitenciária de São Paulo. Aprendeu a tricotar com um colega de cela e hoje cursa aulas semanais de crochê oferecidas pelo estilista Gustavo Silvestre. “A agulha e o fio são minhas novas armas”, afirma.
O estilista oferece duas aulas por semana, de forma voluntária, na penitenciária Desembargador Adriano Marrey, em Guarulhos, como parte do projeto Ponto Firme, que estreou uma coleção feita totalmente por presos no primeiro dia da São Paulo Fashion Week (SPFW), realizada entre os dias 21 e 26 deste mês.
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ANGÚSTIA “Aqui a gente fica angustiado por não ter notícias da família, e o crochê ajuda a tirar a ansiedade, a ocupar nosso tempo”, diz Honorato, que cumpre sua segunda pena. Enquanto trabalha em um vestido verde que espera dar de presente para a esposa, ele conta como a prisão o fez perder o contato com a mulher e os quatro filhos. “Quando a família não está presente, a gente acaba esquecido pela sociedade.”
O projeto Ponto Firme e seu sucesso na SPFW tiraram Honorato e seus colegas da escuridão da prisão direto para os refletores. Nos dois anos de funcionamento do projeto, cerca de 120 presos tiveram aulas.
O etilista reproduz o modelo junto com os alunos, que logo aprendem. “Aqui não há nada errado, tudo pode ser aproveitado”, diz. A sala ampla, com paredes tão brancas que parecem recém-pintadas e boa iluminação, ganha vida com cores dos pedaços tricotados e roupas em duas mesas retangulares.
As agulhas se movem rapidamente, como em um silencioso balé das mãos. Todos estão trabalhando em alguma etapa da produção, seja tecendo, lendo moldes ou copiando instruções. Em um canto no fundo do salão, Thiago Araújo e Fabiano Bras, presos desde 2014, avançam em dois tapetes.
Thiago pensa antes de falar e sorri pouco. No dia anterior à visita da reportagem, ele tecia um gorro. Na hora em que conversou com a repórter, terminava um tapete. Para o dia seguinte, planejava trabalhar num vestido. Não há dia sem crochê. “Lá fora é difícil ter oportunidades para ex-presidiários, e é essa minha motivação, vou aprimorar minhas técnicas quando sair daqui, vou fazer disso minha nova profissão”, diz, sem soltar a agulha.
Fabiano, que se dedica totalmente a tecer animais e personagens de desenhos animados, sonha em se tornar “o rei” desse nicho. Antes das aulas com o estilista, tecia com uma agulha improvisada feita com uma escova de dentes e fios extraídos de peças de lã. “A gente quer ter aulas todo dia, o projeto precisa de mais recursos”, afirma.
A penitenciária Desembargador Adriano Marrey, com capacidade para 1.200 pessoas, tem hoje 2.100 presos, a maioria por tráfico de drogas. Em média, 12 presos dormem em celas com lotação de seis. É limpa e parece funcionar de forma harmônica.
As notícias sobre tentativas de fuga cinematográfica, tiroteios e rebeliões foram substituídas por histórias como a da participação na SPFW e outras atividades culturais, como a apresentação feita para o tenor Andrea Bocelli, em 2016.
“A arte como transformadora de vidas, é nisso que a gente acredita aqui”, diz Igor Rocha, oficial de segurança e educador da penitenciária, que, desde 2010, promove uma série de programas culturais, entre eles o projeto Ponto Firme.
“Eu acreditava que o crochê era coisa de vovó, tinha uma opinião formada, mas quando cansei da vida do crime, fui na sala da igreja e fiquei interessado. Logo estava aqui, na aula”, conta Bruno Ribeiro, enquanto trabalha em um tapete.
Para Honorato, o crochê é até mais que isso. “Aqui não tenho que pensar em minha liberdade, aqui sou livre.” (Paula Ramon, AFP).