O famoso kilt escocês prova que não é novidade nenhuma homem usar saia. Também vale citar mulheres de diversas culturas que se vestem de terno, ou acrescentam charme extra ao visual amarrando uma gravata sobre a camisa. Mas é neste início de século 21 que a moda vem insistindo em um debate mais amplo sobre a relação roupa e gênero, principalmente por meio de propostas que não definem o usuário de acordo com o sexo.
Aos poucos, criadores como Alexandre Herchcovitch, um dos precursores do movimento agender (ou sem gênero) no país, e grifes mais recentes como LED, Mollet e Ocksa demonstram que é possível, sim, abrir a cabeça e o guarda-roupa para a liberdade de se vestir de acordo com escolhas e desejos pessoais, e não a partir de moldes impostos por tradicionais rótulos e padrões de comportamento. “Fico feliz em ver tanto estilistas quanto público se abrindo para uma moda igual para todos, sem distinção de gêneros, algo que acredito faz tempo. Acho que ainda conquistamos pouco frente às possibilidades, mas realmente é muito bom ver desfiles, campanhas e outras ações que tratam a moda de forma agender”, diz Herchcovitch. Animado, ele imprime o conceito em peças da grife À la garçonne e também em algumas parcerias como a realizada com a grife infantil PUC. “ Esse movimento que já chega até os pequenos é um reflexo do novo comportamento adotado pelos adultos. Mostra que a moda agender passa também a ser uma referência que vem sendo absorvida pelas novas gerações”, aponta.
Fiel ao estilo inclusive no próprio guarda-roupa – Alexandre usa saia sem o menor constrangimento -, o criador acredita que a onda não encontra adeptos apenas entre artistas e designers “prafrentex”, mas vem, aos poucos, sendo descoberta pelo público em geral.
Outa prova de que o estilo vem ganhando território é a produção de grifes famosas no exterior como Acne Studios, Rei Kawakubo, Yohji Yamamoto e a badaladíssima Vetments (foto abaixo), coletivo parisiense que propõe peças fora dos padrões e por isso mesmo ganhou notoriedade instantânea entre o público e os críticos de moda.
Realidade transformadora
Também na capital das Gerais, uma nova geração de estilistas faz questão de propor criações não segmentadas em rótulos ou padrões. “Vamos na contramão da beleza imposta pelo mercado. Acreditamos na liberdade, na pluralidade, na verdade essencial de cada pessoa. Carregamos em nosso DNA um total e absoluto compromisso com a liberdade de escolha e inclusão radical”, afirma Célio Dias, nome à frente da LED, grife que aposta em modelagens de formas e comprimentos variados (incluindo o midi), shapes justos ou afastados do corpo, muitas vezes alongados, de cortes amplos. “Nossas escolhas fogem do tradicional. Somos uma marca que busca uma atmosfera permissível, aberta a possibilidade de o cliente ser e se posicionar da forma que se sentir melhor”.
Criando peças que fazem sucesso como as T-shirts com frases e palavras de encorajamento que se tornaram sucesso de vendas da grife, Célio diz que a marca tem alcançado visibilidade para “muito além das montanhas de Minas Gerais”, com presença em multimarcas do estado e também do Rio, SP, Rio Grande do Sul e Pernambuco. “Estamos indo agora para o Distrito Federal”. Ele também conta que pequenas coleções-cápsula permitem variar os preços dos produtos e assim democratizar ainda mais o acesso do varejo à grife. “Nos últimos anos, o mercado brasileiro tem se mostrado bem aberto para novas possibilidades de criação.
Na Molett, a diretora criativa Bárbara Monteiro elegeu o moletom como principal matéria-prima para criar modelos a partir da sensação de conforto com “modelagens que não devem apenas abranger diversos gêneros, mas também servir em vários corpos, se adequar a várias idades”, caracteriza. Daí shapes mais amplos e fluidos, “para cada cliente usar a própria maneira”. Bárbara diz pensar que a questão de gênero é limitadora. “Uma marca que precisa dizer ao seu consumidor o que ele deve ou não consumir segue um conceito ultrapassado, um pré-conceito. Acreditamos em roupas que não precisam ser definidas (e limitadas) por gênero, sexo ou sexualidade. O que nos move são as conexões emocionais, refletindo o comportamento de pessoas interessandas em uma nova era do consumo”
Era pós-gênero
Apesar da torcida para que este novo comportamento seja absorvido, a estilista reconhece que a era chamada por ela de pós-gênero ainda é uma realidade distante.
Para dar vida às criações, ele empreende um estudo de modelagem para que as peças possam se adaptar ao maior número possível de corpos. Entre os tecidos, dá preferência para matéria-prima orgânica como fibras de algodão, linho e viscose. “Trabalhamos tanto a modelagem ampla quanto a ajustada e ambas vestem bem homens e mulheres, são possíveis para diversos grupos”, avisa. No mercado, a grife abastece lojas em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, que geralmente atendem ao público de faixa etária entre os 20 e os 60 anos. “Acredito que a maior parte de clientes sejam pessoas ligadas à arte, comunicação, arquitetura, design e outras profissões. Neste mês estamos lançando coleção colaborativa com a loja à Urban Shop (SP), para um público que curte skate, grafite e outras expressões urbanas, e fechamos parceria com um e-commerce de moda plus size. Em breve, também estaremos em BH. Com isso tudo, vejo o desejo pela marca e por novas ideias só crescer”, comemora.
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