Quem assistiu aos cerca de 60 segundos da performance da DJ Brisa no Programa Silvio Santos, no domingo, dificilmente associou a dança das nádegas embaladas pela Sinfonia de Beethoven à existência de um discurso feminista pela liberdade corporal da mulher. Tampouco vislumbrou na coreografia uma forma de arte cuja proposta é justamente confrontar a sexualização feminina feita pelo machismo. As mensagens foram abafadas pelo impacto da nudez na atração familiar dominical e interpretadas como mera provocação televisiva do dono do SBT - já famoso por fomentar situações embaraçosas e despudoradas.
As críticas negativas minimizaram um trabalho de autoafirmação desenvolvido por anos a fio, defende a artista à frente da coreografia, a DJ e dançarina Beatriz Povreslo (Brisa), de 23 anos, líder de um grupo de 60 mulheres empenhadas em popularizar o twerk no Brasil. O gênero nascido nos Estados Unidos prega o uso musical da sensualidade como forma de fazer a mulher aceitar e se orgulhar do próprio corpo – independentemente de ser admirada por um homem.
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Duas origens são atribuídas ao ritmo dançado por Brisa. O termo derivaria da junção das palavras em inglês twist (se mexer) e jerk (idiota) e faria referência a "se mexer como bobo". É entendido também como uma contração de truque e trabalho, prática das strippers para ganhar dinheiro dos clientes sem a contrapartida sexual de um programa.
A DJ diz ter trazido o gênero ao Brasil após ter enfrentado, ao longo da trajetória artística, a face violenta do machismo. "Pessoas da família me assediaram. Sofri assédio sexual e opressão, por não querer fazer coisas na gravação de um clipe. Não quis ficar com ninguém e apanhei. Fui desvalorizada, como se não 'fosse para casar'. Com o twerk, é como se eu estivesse jogando isso na cara de todos os homens que me oprimiram, me objetificaram, desmereceram e desacreditaram. Mostro que sou capaz. É de dentro para fora", explica.
Assista ao vídeo com a performance dela:
A filosofia por trás da dança está em explorar as nuances do corpo e compreendê-lo como um espaço de sensualidade inviolável pelo outro. A musicalidade bebe da influência de ritmos como hagah, dance hall, hip hop e funk brasileiro. Recentemente, a música pop se serviu da dança através das performances de Beyoncé, Nick Minaj e da apresentação sensualizada de Miley Cyrus no VMA em 2013. Na Jamaica, fonte cultural rotineira, a influência é a cantora Spice. Para Brisa, todas carregam músicas cujas letras dizem "meu corpo, minhs regras".
"Eu trouxe o twerk ao Brasil com formato de show, com participação em clipe, em forma de arte. Meu time tem mulheres que saibam rebolar, que tenham envolvimento com a dança, que defendam o feminismo e a autoaceitação. Tem meninas que não são do biotipo que a sociedade impõe e que dançam 'pra caramba'. São obesas, magrinhas, são maravilhosas, sexies, sensuais, porque se aceitam. O que vale é a apresentação e não o tipo que agrade os homens", frisa a dançarina.
DJ formada pelo Senac, com o segundo grau completo, Beatriz afirma ser de classe média baixa e revela ganhar de R$ 150 a R$ 400 por apresentação de aproximadamente uma hora. "É financeiramente desvalorizado", diz. Antes do twerk, fez oito anos de dança do ventre e três de sapateado. O envolvimento com o ritmo forasteiro se deveu ao desejo de colocar mulheres para dançar como DJ e acompanhá-la na pista. "Meu corpo não fica parado quando tem uma música. Principalmente o bumbum", se diverte.
No meio artístico, diz ela, a professora oficial do Twerk Brazil já deu aulas para apresentadoras como Adriane Galisteu e dançarinas de programas como Faustão. No YouTube, ela canta e dança em um lyric video Vou sentar com o funkeiro Mr. Catra - conhecido pelas músicas picantes - cuja letra diz, entre outras expressões, "Vem fuder" - tem mais de 40 mil visualizações.
Veja lyric video de Brisa com Mr. Catra:
O twerk, avalia Brisa, é uma dança de interesse não só de mulheres, mas de homossexuais, porque "é empoderadora". Ela revela ter ficado triste com a interpretação e a reação da plateia de Silvio Santos, formada integralmente por mulheres. A reprovação foi amenizada por um prêmio de mil reais pagos pelo apresentador como bonificação. "As mulheres da plateia eram machistas", opinou a DJ, para quem a sensualidade deve ser empunhada e nunca escondida.
"Fiquei sentida porque [as mulheres] me objetificaram. Não sou objeto. A gente tem o lado sexual, sim. A mulher não tem que se sentir culpada por ser safada ou querer sexo da mesma forma que os homens. A gente é muito oprimida. Toda vez que uma mulher mostra que é capaz agride outras que não têm essa coragem. Não se deve ter culpa de fazer sexo, mas orgulho. Para ter coragem de subir no palco e se apresentar, é preciso autoaceitação grande, para enfrentar machismo e preconceito", analisa. "As mulheres precisam parar de julgar umas às outras. A gente pode mais juntas."