A estreia – mesmo – foi aos 4 anos. E num clássico: a pequena Marília fazia o papel da filha de Medeia na tragédia grega em que trabalhavam seus pais, Manoel Pêra e Dinorah Marzullo, nomes emblemáticos das artes cênicas brasileiras.
“O teatro é a minha vida", dizia Marília. E não havia um pingo de clichê nisso. "Cria" da companhia de Henriette Morineau, a atriz frequentou uma escola de fazer inveja a artistas que hoje se formam na universidade. Cresceu assistindo a performances de Henriette – mestra da tragédia – e de Dulcina de Moraes – mestra da comédia.Respeitada pela crítica, essa atriz de opiniões firmes foi amada por seu povo.
Manoel não queria saber de filha artista, pois a profissão sempre impôs sacrifício à família – sobretudo às mulheres, obrigadas a lidar com o preconceito.
Em 1959, ela se casou com o ator Paulo Graça Mello, mas a relação durou pouco. Aos 18, em 1961, já excursionava por Brasil e Portugal com a peça Society em baby-doll, de Henrique Pongetti. Em 1962, atuou ao lado de Bibi Ferreira em Minha querida lady.
Marília Pêra praticamente viu a Rede Globo nascer: a partir de 1965, integrou o elenco das novelas Rosinha do Sobrado, Padre Tião e A moreninha. Em 1968, lá estava ela marcando presença num clássico da TV brasileira: a novela Beto Rockfeller, de Bráulio Pedroso, transmitida pela Tupi.
Na década de 1960, Marília atuou em montagens emblemáticas para a cultura brasileira. Se correr o bicho pega (Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar), A ópera dos três vinténs (Bertold Brecht e Kurt Weill) e Roda viva (Chico Buarque de Holanda) foram apenas algumas delas. Em 1969, foi premiada por sua atuação em Fala baixo senão eu grito, de Leilah Assumpção, que também produziu. Em 1973, a produtora e atriz conquistou críticos e público em Apareceu a Margarida, de Roberto Athayde, dirigida por Aderbal Freire-Filho. Em 1978, estreou como diretora em A menina e o vento, de Maria Clara Machado.
Marília tomou a frente de espetáculos memoráveis: em 1981, atuou e produziu, em parceria com Marco Nanini, Doce deleite, com textos de Alcione Araújo, Mauro Rasi, Vicente Pereira e José Márcio Penido, sob direção do mineiro Alcione Araújo. Em 1984, ganhou o Prêmio Molière por Brincando em cima daquilo, com textos de Dario Fo e Franca Rame. Em 1986, dirigiu, coreografou e produziu um megassucesso: O mistério de Irma Vap, de Charles Ludlam, estrelado por Marco Nanini e Ney Latorraca.
CINEMA
Marília Pêra atuou em três dezenas de filmes. Seu papel mais marcante foi como a prostituta Suely em Pixote, a lei do mais fraco (1981), longa dirigido por Hector Babenco, que lhe rendeu um prêmio da crítica norte-americana. Antes, havia contracenado com Paulo José em Rei da noite (1975), também de Babenco. Fez a sensível Ana, em Bar Esperança (1983), de Hugo Carvana; foi Irene, a amiga de Isadora (Fernanda Montenegro), em Central do Brasil (1998), de Walter Salles; e, no papel de dona Graça, deu uma força aos mineiros Ilvio Amaral e Maurício Canguçu na adaptação para as telas de Acredite, um espírito baixou em mim (2006), dirigida por Jorge Moreno. Em 2008, foi dirigida pelo amigo Miguel Falabella em Polaroides urbanas, no papel das gêmeas Magda e Magali. Em 1996, o cineasta Cacá Diegues lhe deu um presente: o papel da rabugenta Perpétua, a irmã da esfuziante protagonista vivida por Sônia Braga em Tieta do agreste.
MUSICAIS
Cantora afinada, a atriz carioca participou de vários musicais: foi Carmen Miranda nos espetáculos A pequena notável (1966) e Marília Pêra canta Carmen Miranda (2005). "Incorporou" Dalva de Oliveira em A estrela Dalva (1987) e Maria Callas em Master class (1996).
TELEVISÃO
Dama da TV brasileira, Marília Pêra era uma das atrizes mais queridas de seu povo. Boa parte da carreira se deu na na Rede Globo. Em 1971, conquistou o país com sua Shirley Sexy na novela O cafona, de Bráulio Pedroso, fazendo par com o galã Francisco Cuoco. Em Bandeira 2, de Dias Gomes, fez o papel de uma taxista – sem saber dirigir.
Em 1987, Cassiano Gabus Mendes escreveu para ela a Rafaela Alvaray em Brega e chique. Marília foi vovó maluquete em Começar de novo (2004), a aristocrata Gioconda em Duas caras (2007) e Maruschka Lemos de Sá em Aquele beijo (2011). Nas minisséries, atuou em O primo Basílio (1988), na qual julgava ter feito seu melhor papel na TV, o da vilã Juliana. Outros trabalhos foram Os maias (2001) e JK (2006), de Maria Adelaide Amaral, como a primeira-dama Sara Kubitschek.
O último papel de Marília na TV foi como Darlene, a maquiadora de defuntos do seriado Pé na cova, na Rede Globo, ao lado de seu amigo Miguel Falabella, atualmente em cartaz. .