No final da década de 1950, José Mojica Marins iniciava seu caminho no cinema.
É a partir da impressionante cena do avião que tem início a série Zé do Caixão, primeira produção original do canal Space, que estreia hoje, às 22h30. A data está longe de ser aleatória. Para começar a contar a trajetória do mais maldito e cultuado cineasta brasileiro – que se lança no faroeste, consagra-se no terror, passeia pela pornochanchada e chega até o sexo explícito –, nada melhor do que uma noite de sexta-feira, 13.
É também impressionante a interpretação de Matheus Nachtergaele no papel do cineasta. Sem em momento algum mesmerizá-lo, o ator consegue, com sutileza e atenção aos detalhes, separar o criador (Mojica) da criatura (Caixão), ainda que os dois, em determinado momento, se misturem de forma definitiva.
Dirigida por Vitor Mafra e criada a partir do livro Maldito – A vida e o cinema de José Mojica Marins (1998), de André Barcinski e Ivan Finotti (que lançaram em 2001 documentário homônimo), a série traz seis episódios. Cada um deles corresponde a um filme da extensa produção (são mais de 20 longas) de Mojica.
SEM CARETICE “Não queríamos fazer um roteiro cinebiográfico daqueles clássicos e caretas, que começa com a infância do biografado e o acompanha por toda a vida. O tema central da série é a batalha de Mojica para realizar seus filmes, e como ele fez de tudo – tudo mesmo, incluindo vender objetos dos pais – para bancar as produções. É a história de um homem obcecado pelo cinema. Por isso, achamos que seria interessante contar a vida de Mojica paralelamente à produção de seis de seus filmes mais importantes”, afirma Barcinski, que assina o roteiro (em parceria com Ricardo Grynspan e o próprio Mafra).
Durante a primeira exibição pública da série – os dois episódios iniciais foram projetados durante a Mostra de São Paulo, no mês passado –, Nachtergaele afirmou: “Minha sensação é que o Zé está com os dois pés metidos na jaca da vida”. As dificuldades de Mojica para realizar seus filmes – e a maneira por vezes genial que encontrou para superar as adversidades – são exploradas na série com humor e uma bem cuidada reconstituição de época.
Aos 79 anos, o cineasta não se envolveu diretamente com a produção.
A temporada Zé do Caixão não se limita à série. O Museu da Imagem e do Som de São Paulo dedica a ele uma exposição. Já a biografia de Barcinski e Finotti, esgotada há muitos anos, ganha nova edição pela DarkSide Books, que chega hoje às livrarias. Para o relançamento, há um posfácio com os últimos anos de Mojica, novas imagens e a filmografia atualizada. São 200 páginas a mais, totalizando 666. Número autoexplicativo, em se tratando da história de José Mojica/Zé do Caixão.
ZÉ DO CAIXÃO
A série estreia hoje, às 22h30, no canal Space.
ACERVO TERRIR
A exposição À meia-noite levarei sua alma, que fica em cartaz até 10 de janeiro no MIS de São Paulo, reúne fotografias, figurinos, roteiros, objetos cênicos, trechos de filmes e imagens de bastidores das produções de Zé do Caixão. O material vem do acervo pessoal do próprio Mojica e de sua filha, Liz Marins, e também dos diretores Marcelo Colaiacovo, Paulo Sacramento e Kapel Furman, este último especialista em efeitos especiais, que trabalhou com Mojica em seu mais recente filme, Encarnação do demônio.
• BASEADO NUM FILME REAL
Confira os filmes de José Mojica Marins que inspiram os seis episódios da série. Cada um tem 45 minutos
» A sina do aventureiro (1958)
Primeiro filme profissional de Mojica, é considerado ainda o primeiro faroeste brasileiro. Após ser baleado, bandido é socorrido por duas jovens. Envolve-se com a filha de um fazendeiro, e se entrega à polícia por amor a ela. Além de fazer uma ponta, Mojica é o autor das letras das 10 canções da trilha.
» À meia-noite levarei sua alma (1963)
No primeiro filme do personagem Zé do Caixão, o coveiro é apresentado como um homem obcecado por gerar o filho perfeito. Como sua mulher não pode engravidar, ele estupra uma moça, que jura cometer suicídio para retornar dos mortos e levar a alma daquele que acabou com sua vida.
» Esta noite encarnarei no teu cadáver (1966)
Nesta sequência, Zé do Caixão continua em busca da mulher para gerar o filho perfeito. Rapta seis moças e as tortura. Acredita que só a mulher ideal sobreviverá. Só que ele mata uma mulher grávida e, atormentado pela culpa, sofre um pesadelo em que é levado para um inferno gelado, onde reencontra suas vítimas.
» O despertar da besta: Ritual dos sádicos (1969)
Considerada a ‘obra-prima’ de Mojica, foi censurado e exibido pela primeira vez somente em 1983. Psiquiatra injeta LSD em quatro voluntários para estudar os efeitos da droga associada à imagem de Zé do Caixão. O personagem aparece de maneira diferente nos delírios psicodélicos de cada um, misturando sexo, perversão e sadismo.
» Perversão (1978)
Playboy milionário que brutaliza todas as mulheres que conhece estupra uma jovem ingênua, arrancando a dentadas um de seus mamilos, que exibe como um troféu. Ele continua seduzindo mulheres até se apaixonar por uma estudante, que tem um plano de vingança.
» 24 horas de sexo explícito (1985)
Representante da fase pornô do cineasta. Três atores disputam quem consegue transar com o maior número de mulheres durante 24 horas. Traz aquela que é considerada a primeira cena de bestialismo do cinema nacional: uma atriz transa com um pastor-alemão..