Mexerico

Violência doméstica, sexo na adolescência e sistema carcerário na 2ª temporada de 'PSI'

O psiquiatra e escritor Contardo Calligaris, criador da série, participa da Bienal Internacional do Livro neste sábado

Luiza Maia

Cenas fora do consultório são maioria na nova fase do seriado
Em vez do tradicional divã, o seriado PSI propôs uma abordagem menos clássica da psicanálise. Situações cotidianas se misturaram aos desabafos relatados nos consultórios de Carlo Antonini (Emílio de Mello) e Valentina (Claudia Ohana) e às próprias histórias de vida dos amigos psiquiatras na produção da HBO Brasil, com brechas para atitudes ética ou moralmente condenáveis.


Os enredos criados pelo escritor, psicanalista e dramaturgo Contardo Calligaris, italiano radicado no Brasil, se distanciam ainda mais das sessões de terapia na segunda temporada. Os dez episódios de uma hora cada, serão exibidos a partir de amanhã, às 22h, e transmitidos na América Latina. Outra novidade é a contratação de vários diretores para comandar os distintos episódios, como Laís Bodansky, Alex Gabassi, Tata Amaral, Rodrigo Meirelles e Max Calligaris.

Após um ano em Veneza - onde retoma o gosto pela profissão e se livra do hábito de repassar todos os pacientes pelos quais não se interessa para Valentina -, Carlo se depara com situações de maior impacto social. "A grande maioria dos personagens não é paciente dele. Ele tem uma postura diferente, uma liberdade maior de lidar com os personagens. Isso é uma grande sacada do Contardo", acredita o protagonista. 

Violência doméstica (no capítulo de estreia), abuso sexual, sexualidade na adolescência, prostituição na escola e sistema carcerário, além do inquietante episódio sobre exorcismo e outro na Fashion Week de São Paulo, estão entre os temas abordados pela série, sempre com o embasamento teórico carregador pelos 40 anos de experiência como psiquiatra do diretor geral.

"O tema da segunda temporada é a violência, sob muitos aspectos e de muitas maneiras. Começa com ódio e acaba com a violência do próprio desejo da gente com a gente mesmo", esclarece Calligaris, atração de hoje da 10ª Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, em conversa sobre a história de luta da família contra o fascismo e as marcas do embate na trajetória dele.

"Antonini tem um preconceito, e eu também compartilho com ele, tenho um certo preconceito com a normalidade e com a felicidade, ainda maior. Ele eventualmente é levado a se meter, mas não sei se aventuraria a dizer que ajuda as pessoas. Fazer que se entendesse quem era esta personagem, a sua capacidade de raramente reagir, com o que é que ele se indigna realmente, foi o mais difícil. Há um momento nesta temporada em que ele se indigna, como há na primeira. Mas são raras e muito específicas. o personagem mais complicado de explicar para a equipe foi o do episódio 2, que a Tata dirigiu. É um personagem real, sobre o qual eu escrevi na literatura científica. É alguém que não é neurótico, o que faz com que ninguém consiga se identificar, porque todo mundo é neurótico, e ao mesmo tempo todo mundo deseja ser como ele. De repente, ele se torna uma espécie de ideal. Ele não é neurótico, não tem sensação de culpa, ao mesmo tempo não é psicopata. Ele é uma figura bizarra, que passa pela vida dos outros como uma espécie de anjo, transformando a vida e ninguém entende, porque ele age de uma maneira diferente. Foi o mais difícil de pegar, transmitir. Ele parece fora da casinha".
Contardo Calligaris, diretor geral

"Você tem uma condução, precisa seguir o texto. É muito importante seguir aquele texto. Você está colocando em jogo coisas que são sintomas, diagnósticos, que precisam estar muito embasados. É o que o Contardo traz, que é muito importante para ele e para nós em geral. A carreira dele está em jogo. Quando você tem esses parâmetros, no universo que sobra, você consegue, no não dito, colocar a sua visão. No meu episódio, do exorcismo, você tem uma menina que praticamente não verbaliza normalmente o que está acontecendo dentro dela. Eu pude improvisar como achava que era. E o episódio é sobre como a gente vê a representação da possessão demoníaca e do exorcismo, através da pintura, cinema. Nesse espaço, a gente pode improvisar".
Alex Gabassi, diretor

"Cada episódio tem muitos atores e personagens novos, que vão surgindo. Cada diretor teve muita liberdade criativa para desenvolver, aprimorar e criar esses personagens. A gente tem os personagens centrais, que estão muito bem estabelecidos, são muito fortes, conhecidos da primeira temporada. E a cada episódio você descobre várias histórias. A riqueza da série é a bagagem que o Contardo traz. São 40 anos de psicologia, psiquiatria, com casos que a gente explora e são incríveis. A riqueza está nisso: ou são novas vertentes em cima de assuntos já conhecidos ou casos tão mirabolantes e estranhos que são fascinantes".
Maria Angela de Jesus, produtora da HBO Latin America

"Uma frase recorrente do Carlo é ‘não importa o que a lei diz, importa o que você pensa’. Tem coisas que a lei diz que são erradas e eu acho que são certas. Outras que a lei diz que são certas e acho que são erradas. Ele está sempre trabalhando com isso. Tem uma questão ali que é sempre polêmica. Na primeira temporada, eu ligava muito para o Contardo, porque era muito difícil. Agora nem fiz isso. O episódio do exorcismo é muito difícil. Eu duvido que o telespectador tenha a noção da profundidade do que está sendo dito ali. É uma maneira muito doida de ver a situação. Quando você acha que está indo para um lado, está indo pro outro. É muito difícil interpretar isso. E o Contardo me ajudava muito. O mais legal é saber o que não é importante, porque às vezes a gente dá importância a algo que não interessa, e isso é muito da psicanálise. Muitas vezes, a gente se preocupa com coisas que não são importantes.
Emílio de Mello, ator

"O personagem existia, mas mudou a circunstância, a direção, várias coisas. A gente foi se adaptando às novas situações. Foi menos improvisação, com certeza. Então você precisa estudar muito, porque são textos muito difíceis, para fazer aquele texto virar seu como se estivesse falando de arroz e feijão. Para mim, a sensação foi de que o personagem ainda estava em mim, mesmo depois de um ano e pouco. Mas eu fui alertada pelo Emílio ‘Cláudia, não fique pensando que é igual não, não fique pensando que você está com o personagem, porque as situações são diferentes. Não é consultório, é se relacionar com o mundo exterior. Não é como eles se relacionam com cada caso na vida'. É interessante como o Carlo resolve os casos. A forma como ele vê a possessão demoníaca me impressionou. Ele fala 'não sei se existe demônio ou é histerismo, mas estou clamando o demônio que habita dentro dela'".
Claudia Ohana, atriz

"Nunca trabalhei com tanto rigor com o texto, que cada palavra tem um significado. Tem que usar esta. E não tinha espaço para o improviso, por conta disso. Adorei a experiência, do respeito pelo texto, do rigor da cena, as marcas, trazer dimensão para aquele texto que estava no roteiro. Achei muito difícil para o ator, muito complexo, mas uma sensação de domínio da cena muito grande. Tem que contar esta história, não a outra. E não dá pra perder tempo, para abrir a cena e deixar surfar ali. Tem que dizer isso. O rigor é um lado muito interessante da série. Um dos atores que teve uma certa dificuldade para decorar depois veio falar ‘olha, Laís, agora entendi, cresci como ator’. A gente pensa que o bacana para o ator é o improviso, porque ele vai mostrar mais dele, trazer espontaneidade. Tem que achar um meio termo, mas gostei desta experiência. É diferente do texto rigoroso da novela, porque o texto da novela já é redundante por si. Lembro da Cláudia dizendo pro ator que não conseguia decorar ‘se você não falar esta palavra, eu não tenho como te responder’. Cada palavra tem um porquê. E é interessante perceber isso. Quando você lê, não percebe, mas quando levanta a cena, entende".
Laís Bodansky, diretora