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'Chiquititas' desafia tendência de tramas mais curtas em telenovelas

Apesar da estética inspirada em seriados ganhar espaço na televisão, folhetins infantis do SBT/Alterosa desafiam essa tendência

Ana Clara Brant
A atriz Giovana Gold em cena de 'Chiquititas', fenômeno infantil rendeu 545 capítulos - Foto: Lourival Ribeiro/SBT/divulgação
Depois de mais de dois anos no ar, 'Chiquititas', trama infantil do SBT/Alterosa, terminou em 14 de agosto com inacreditáveis 545 capítulos, tornando-se a segunda maior telenovela do Brasil exibida ininterruptamente. Perdeu apenas para 'Redenção', com 596 capítulos, produzida pela TV Excelsior de 1966 a 1968. Desde a estreia, em julho de 2013, o folhetim de Íris Abravanel foi sucesso de audiência e nas redes sociais. Mas deixou uma dúvida: nesta era de mídia instantânea, ainda há espaço para produções tão compridas?


Para Claudino Mayer, doutor em ciências da comunicação e teledramaturgia pela Universidade de São Paulo (USP), 'Chiquititas' é um caso especial. “O público-alvo eram as crianças, que vivem de repetição. Quanto mais assistem, mais gostam. Elas conseguem dar sentido (à trama) e criam outras fantasias. Com 'Carrossel' foi assim também”, observa, referindo-se à outra produção do SBT/Alterosa, com 310 capítulos.

“Hoje em dia, não dá para uma novela destinada a adultos somar 300, 500 capítulos. Sem contar que para você ficar sabendo o que está rolando numa trama, há outras maneiras além da tradicional, ou seja, acompanhá-la enquanto está no ar. O espectador tem as redes sociais, o próprio site da emissora, os spoilers e  ainda pode gravá-la”, ressalta.

A oferta de atividades e o dinamismo do cotidiano contribuem para que as tramas fiquem mais curtas, defende o roteirista e escritor Eduardo Nassife, colaborador de Aguinaldo Silva em 'Fina estampa' (2011), exibida pela Rede Globo. “Antes, não havia internet e tablet, a tecnologia não permitia nem a interatividade virtual nem o leque de opções associado ao conforto de ver novela quando e onde quiser. Isso é um grande diferencial. De forma geral, o público segue tendência mais dinâmica. Não acredito que o formato de 200 capítulos se perpetue por muito tempo”, aposta.

Atentas, as emissoras perceberam a mudança. Resultado: as produções encolheram. Exemplos mais notórios estão na faixa das 23h criada pela TV Globo, cujas produções têm de 70 a 80 capítulos, no máximo. Algumas ficaram até menores, caso do remake de 'O rebu', exibido no ano passado, com 36. O horário das 18h também segue a tendência: 'Meu pedacinho de chão' (2014) teve 96 capítulos.

Cada horário tem espectador e regras definidos, observa Claudino Mayer. Geralmente, a faixa das 18h atrai donas de casa, idosos e o quem gosta de histórias leves e mais lentas. O horário das 19h é focado em quem está chegando do trabalho e deseja relaxar. “Por isso temos tantas comédias nessa faixa, enquanto a das 21h é destinada a quem gosta de algo dinâmico, intenso, e deseja mais realidade do que oferece o telejornal. Normalmente, a trama das 18h acaba sendo menor do que a das 19h e, consequentemente, a das 21h”, resume o especialista.

- Foto: Doutor em teledramaturgia brasileira e latino-americana, Mauro Alencar, autor do livro 'A Hollywood brasileira – Panorama da telenovela no Brasil', observa que a Globo, assim como a TV brasileira e mundial, sempre produziu novelas curtas, médias e longas. Em 1975, 'Helena e O noviço' ganharam 20 capítulos. “A duração sempre variou. Até meados dos anos 1960, elas tinham de 50 a 70 capítulos. Com a popularização do videoteipe, os executivos perceberam que poderiam produzir atrações mais longas. Não é à toa que são dessa fase folhetins longos como 'Irmãos Coragem' (328 capítulos) e 'O machão' (371). Com tramas mais longas, os autores puderam adensar a dramaturgia e construir a linguagem brasileira de novela”, destaca.

A duração dos capítulos também mudou. Atualmente, eles têm cerca de 55 minutos. “Antigamente, não contávamos com tecnologia e nem com atores para tanta dramaturgia. Capítulos das primeiras novelas, na década de 1960, não chegavam a 30 minutos. Nos anos 1970, eles alcançaram 40 minutos, já com videoteipe, equipamentos mais leves e transportáveis, além do mercado de ator em expansão”, diz o especialista.

BANDEIRA A dramaturgia na telinha mudou? Para Eduardo Nassife, a tendência é a telenovela ficar mais curta. Dessa forma, todos ganham, pondera ele. “Lauro César Muniz levanta essa bandeira há muito tempo, sábio como ele só. Para o autor é melhor, não há ‘barrigas’ quando as tramas têm de ser esticadas; ele pode imprimir maior dinamismo às cenas, à história. Os atores ficam menos cansados e com a imagem menos desgastada, além de ter mais flexibilidade para futuros trabalhos. Na minha opinião, seria muito melhor termos novelas com, no máximo, 100 capítulos”. Para Claudino Mayer, cada faixa de horário está criando o seu próprio padrão: o das 18h com 120 a 140 capítulos, em média; o das 19h com 160; e o das 21h com 180 a 200.

Série 'Downtown Abbey': novela do futuro - Foto: Reprodução 'Novelização' ataca seriados

 

As séries, que também se modificaram, influenciam as novelas. João Emanuel Carneiro, autor de Avenida Brasil, inspirou-se no enlatado norte-americano Revenge. Recorreu ao dinamismo e ao gancho para o próximo capítulo, marcas dos seriados. “A telenovela não consegue ter um padrão de direção e roteiro mais sofisticado. Na TV do futuro, totalmente on-demand, alguém vai assistir a 200 capítulos? Isso vale também para os seriados. As pessoas vão vê-los do jeito que quiserem”, ressalta o roteirista Newton Cannito, diretor de cinema e de TV.

Grande parte das séries estrangeiras fixa suas temporadas em cerca de 13 episódios. O roteirista Eduardo Nassife considera 13 um bom número. “'Revenge', por exemplo, tem 23 episódios, em média, e é ótima. Mas o que determina se o seriado terá uma nova temporada é a sua aceitação, a audiência”, adverte. Um aspecto curioso, revela ele, é o fato de séries norte-americanas como 'Revenge' e 'House of cards' experimentarem a ‘novelização’.

“'Revenge' é uma novela exibida como seriado. Não são episódios isolados. As tramas têm continuidade, característica principal das novelas. E, claro, também há mudança na estética dos próprios folhetins. A fotografia de alguns é de cinema. 'Avenida Brasil' parecia seriado: dinâmica, interessante, com ganchos que prendiam a atenção. Abordava um tema universal que sempre desperta interesse: a vingança”, pontua.

Cannito cita como modelo a britânica 'Downton Abbey'. Ela provou que o gênero telenovela, apesar de estar em crise, continua oferecendo oras-primas. “Essa produção tem poucos capítulos por temporada, com grande concentração de enredo por episódio. A direção é sutil, o silêncio diz tanto quanto o diálogo. Atores interpretam num padrão menos novelesco, o que gera mais empatia. Tudo isso afasta a série das telenovelas tradicionais. Entretanto, o enredo é muito parecido com o do folhetim comum. 'Downton Abbey' mostra como podem ser as novelas do futuro”, conclui.