Em um ano em que as novelas perderam audiência, o principal produto de exportação da TV brasileira também perdeu — no quesito de qualidade — para as séries nacionais. Desta vez, surpreendentemente nos canais abertos. Nos primeiros dias de 2014, 'Amores roubados' mostrou esmero na produção.
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Adaptada por George Moura e dirigida por José Luiz Villamarin, a minissérie da Globo focava em Leandro (Cauã Reymond), sommelier de uma vinícola do Nordeste, capaz de seduzir todas as mulheres dos poderosos à sua volta. Além de boas interpretações, a fotografia de Walter Carvalho e a trilha sonora agregaram valor.
Pouco tempo depois, 'A teia', de Carolina Kotscho e Bráulio Mantovani, com direção de Rogério Gomes, também chamou atenção. A trama policial, sobre um agente federal na cola de uma quadrilha, permitiu cenas e diálogos mais ousados. Até o palavrão foi liberado, sem se exceder. O recurso de deixar ganchos para o próximo episódio, ainda recente nos seriados da emissora, foi bem aproveitado. Cauã Reymond voltou ao ar poucos meses depois, em 'O caçador', também com enredo policial. As imagens bem planejadas deram química e o desenvolvimento dos personagens secundários foi bem-sucedido.
No final do segundo semestre, a Record fez dois acertos, com 'Plano alto', assinada por Marcílio Morais, e 'Conselho tutelar', de Marcos Borges e Carlos de Andrade. A primeira explorou bem o universo dos bastidores da política brasileira e se valeu de bons ganchos, como as manifestações de junho de 2013. Propositalmente, a trama foi ao ar na reta final das eleições, assunto que movimentou as redes sociais. Já a mais recente fez um retrato da violência contra crianças e adolescentes, com ficção baseada em casos reais. A minissérie foi coproduzida pela Visom Digital.
Ainda na sexta, 19, a Globo fechou com louvor o enredo de 'Dupla identidade', de Gloria Perez, que prendeu a atenção do público no ingrato horário de sexta à noite. O psicopata vivido por Bruno Gagliasso ganhou a plateia e endossou seu talento para personagens 'esquisitinhos'.
Na TV paga, séries nacionais lançadas em 2013 ganharam sobrevida como 'Três Teresas', 'Surtadas na yoga' e 'Sessão de terapia'. A última, uma franquia israelense, mostrou uma temporada 100% criada no Brasil e manteve a qualidade das safras anteriores, adaptadas do texto original. Por enquanto, não há chances de uma nova leva de episódios.
O GNT, canal das produções citadas, é um dos que mais incentivaram as criações nacionais este ano. Com humor leve, 'Amor Verissimo', baseada em histórias de Luis Fernando Verissimo, teve boa resposta e volta em 2015. A emissora, porém, amargou decepção com a superprodução 'Animal', sobre um homem que se comporta como bicho. Apesar do investimento milionário, não agradou e a segunda temporada não foi adiante.
Outra atração que continuou bem foi 'O negócio', produção da Mixer para a HBO. Na segunda fase, o trio de prostitutas que faz dinheiro com estratégias de marketing ficou mais concentrado no mundo business ao enfrentar um problema jurídico.
O humor exagerado, com presença de auditório, tomou conta do Multishow, que providenciou uma nova leva do 'Vai que cola', título que quebrou todos os recordes de audiência do canal. Na mesma linha, a emissora levou para a TV a peça 'Trair e coçar é só começar'. Mais próximo da caricatura debochada, destacou-se o 'Tudo pela audiência', com Fabio Porchat e Tatá Werneck, que já tem segunda temporada gravada para 2015.
Mas humor que se fez notar acima de todos, em especial pelo contexto politicamente correto que tomou conta da Globo nas duas últimas décadas, foi o 'Tá no ar: a TV na TV', de Marcius Melhem, Marcelo Adnet e Maurício Farias. Com esquetes curtíssimos, clipado no ritmo do zappping da TV e sem medo de brincar com publicidade e concorrência, o programa foi visto como divisor de águas na emissora e também já tem segunda temporada pronta.
Com as novelas, os fracassos fizeram mais barulho que os sucessos. 'Em família', último folhetim de Manoel Carlos, derrubou o ibope da Globo. Na faixa das 7, 'Geração Brasil', que causou expectativa pelo bom antecedente dos autores Filipe Miguez e Izabel de Oliveira em Cheias de Charme (2012), foi uma decepção. A história foi afetada pelas transmissões dos jogos da Copa do Mundo. Já a releitura de 'O rebu' começou bem, porém, foi se tornando enfadonha ao longo dos capítulos.
O destaque fica com 'Meu pedacinho de chão', também releitura de texto antigo, de Benedito Ruy Barbosa, com direção de Luiz Fernando Carvalho, que embarcou na fábula e ganhou a atenção de um público infantil quase sem opção que valha a sintonia da TV aberta. Quase no fim do ano, o gênero foi salvo pela estreia de 'Que monstro te mordeu?', série de Cao Hamburger para a TV Cultura. No mundo em que bonecos e um ser meio humano interagem, medos e dilemas mostram sua cara e ainda ganham a plateia.