Rio de Janeiro - Em vez de mulheres com roupas de grife bebendo um cosmopolitan em um restaurante badalado, uma cena desenrolada em um subúrbio carioca batizado de Codorvil. Miguel Falabella adaptou à realidade brasileira o seriado 'Sex and the city', uma das preferidas do autor. Viciado em produções norte-americanas como 'American horror story' e 'Game of thrones', ele está à frente das desventuras de quatro negras em 'Sexo e as negas'.
Entrevista com Miguel Falabella
Como você define a série?
É uma série de gente, que luta para sobreviver, que tem suas dificuldades. São quatro mulheres que buscam um homem mítico, ideal e, como todas as outras mulheres do planeta, querem estar bonitas, sair bem numa foto, estar arrumadas. Têm todos os problemas femininos e mais um: vivem em comunidade e têm que driblar a diversidade para descobrir o lúdico, o humano, o que a gente busca nessa Terra.
Como surgiu a ideia de fazer 'Sexo e as negas'? Você assistia 'Sex and the city'?
Sim. Assisti tudo, todas as temporadas. Adoro! Sempre fui fã de 'Sex and the city' e queria fazer uma paródia brasileira. Como sempre gostei da Cidade Alta de Cordovil, tenho amigos lá, frequento, minha camareira mora lá há anos… achei que seria engraçado fazer o seriado adaptado ao local. Eu queria lançar um olhar lúdico sobre a comunidade.
Fale mais sobre esta forma de ver a comunidade…
É um olhar lúdico, sem escamotear a dureza da vida das pessoas. Em 'Sexo e as negas', estou falando de qualquer mulher. Mulheres que sonham. Sonham com um companheiro, em andar bem vestidas, em ajeitar os cabelos. Só que elas são pobres, não têm condições. O tom da série, no entanto, é um tom divertido, amoroso, que é a minha linguagem de um modo geral.
Além de 'Sexo e as negas', você fez 'Pé na cova' recentemente… Está se especializando em ser autor de série?
Eu gosto mais de escrever série. Acho que nunca mais vou escrever outra novela. Porque não é minha praia, não é minha onda. Eu gosto é de experimentar. 'Pé na cova' foi um experimento. Ninguém acreditava nela. Primeiro era eu, o elenco e Deus. Ninguém acreditava que eram feios, que eram pobres, que tinha uma velha dentro de casa com alzheimer gritando “piranha”, que a mulher era alcoólatra, que se passava numa funerária... Quando eu apresentei, todo mundo ficou parado. As pessoas não sabiam o que dizer. Só a gente acreditava.
E quando você apresentou 'Sexo e as negas', o pessoal apresentou uma cara melhor?
Mesma cara. Aí teve o problema do título porque ninguém queria "Sexo e ar nega", mas eu falei 'gente é uma brincadeira! Uma prosódia, sofisticadíssima’. E tem que ser eu falando, porque é uma brincadeira com uma periferia carioca, que transforma o S do artigo em R. Enfim, eu queria falar de mulheres, de mulheres que lutam.
Como você vai explorar a questão do sexo?
Não vou conseguir explorar muito. Estamos em tempos politicamente corretos, não se esqueça disso. Tô fazendo uma ginástica, tem coisas cortadas. Fazer o que, né?! Mas tudo bem… é TV aberta. Eu podia fazer em TV a cabo. É uma escolha minha. A TV aberta tem um outro código, então, a gente faz ginástica, sem deixar de dizer as coisas, não precisa se dizer literalmente, não é?!. Para bom entendedor, meia palavra basta. Eu gostaria que o público pensasse. Não quero mastigar tudo para o público, vamos pensar! Se fosse a cabo, meu amor, essas negas tavam tudo de rabo pro alto.
Você sente muito essa diferença de "censura"?
Eu não posso dizer que sou uma pessoa extremamente censurada porque eu sou brigão. Então eu brigo, eu advogo e várias vezes ganho. Ganho a causa. Mas às vezes não ganho. Maturidade é isso… é entender de que forma você cria dentro de uma empresa e se relaciona com todas as engrenagens de uma empresa de uma forma educada. Mas eu luto pela minha ideia. Cortam Machado de Assis nesse país. Simplificam Machado de Assis. Você pode parar para pensar o que é isso? Pelo amor de Deus…
Como foi a escolha do elenco?
O elenco todo tinha trabalhado comigo no teatro. As quatro principais já tinham trabalhado comigo em vários musicais. A Claudia trabalhou várias vezes também. São meus amigos e os personagens foram escritos para cada um deles. Eu sempre trabalhei assim.
É a cereja do bolo "As Marveletes" no final de cada episódio?
É. Porque, na verdade, eu não pensei em nada musical. Só que ter essas quatro vozes raras e não dividi-las com o público é no mínimo mesquinharia da minha parte. Mas como eu não tinha como entrar com a história musical na dramaturgia, então eu inventei essa área do sonho. Então como cada episódio tem um tema, por exemplo, a primeira é mobilidade, o problema de transporte quando você mora longe e depende de transporte público. A sua área geográfica reduz e você conhece os homens da sua área e o segundo é o cabelo, o problema de todas as mulheres do planeta.
Qual a relação da série com 'Sex in the city'?
Agente parodia 'Sex in the city' discaradamente, só que dentro da realidade deles. Eu era fã absoluto do 'Sex in the city'. Acho bem escrito pra xuxu, acho bem feito, acho divertido, acho legal que é o máximo 'Sex in the city' na história dos seriados.
Como é voltar a trabalhar com a Claudia Jimenez?
Maravilhoso. A gente é muito amigo. O personagem da Claudia aglutina e tem a história da idade da mulher dela que morre de tesão pelo big. Como a narradora é ela, eu coloquei o "big" da história para ela.
O que você acha da influências das séries americanas com as produções nacionais?
A gente ainda tem algumas léguas a percorrer. Os públicos são diferentes e eles têm um mercado internacional. Eles vendem pro mundo inteiro e vendem caro.
Você acompanha séries? Quais as que você mais gosta?
Só vejo isso. 'American horror story', que eu sou completamente apaixonado; 'Game of thrones', que estou órfão esperando a quinta temporada, ansiosamente... 'Modern family', que eu adoro. Vejo muita coisa. Ah... Gosto muito de ver programa de gorda que emagrece. Adoro. Choro e tudo. Choro muito na final de 'The biggest loser…'.
Em 'Sexo e as negas', você quer quebrar algum tabu?
Não. A gente devia estar comemorando, soltando fogos de artifício de ter um programa basicamente negro na TV Globo, saudável. Isso é básico. As pessoas me conhecem. Não tem essa cabeça.
O que se aproxima e se distancia da sua série para 'Sex in the city'?
A realidade econômica, social, cultural, mas a busca intrínseca é a mesma. E a última análise é o que vai conferir a humanidade ao seriado, porque elas são como todas as mulheres do planeta.
Fale um pouco de sua parceria com a diretora Cininha de Paula depois do sucesso de Pé na Cova.
A gente se entende bem e ela entende a minha linguagem. Trabalhamos sempre em um conceito primeiro, e, quando começamos efetivamente a gravar, o programa está muito bem estabelecido entre nós dois. É sempre muito tranquilo.
Mais de Miguel Falabella
- Miguel Falabella estreou na televisão como ator na novela 'Sol de verão', de Manoel Carlos, em 1982
- Sua grande projeção se deu como Miro, personagem criado por Janete Clair, em 1986, na segunda versão de 'Selva de pedra'.
- Como diretor, teve sua primeira experiência em 'Sassaricando', de Silvio de Abreu, em 1987.
- E, como autor, sua estreia foi em 1996, quando escreveu 'Salsa e merengue', com Maria Carmem Barbosa.
- Em 2008 fez 'Negócio da China', novela que escreveu sozinho pela primeira vez, e, em 2012, fez 'Aquele beijo'.
- Mais recentemente, como autor e ator, esteve nas três temporadas de 'Pé na cova'.