No ambiente estão espalhadas lembranças e objetos de países que foram retratados em várias de suas tramas, caso da Turquia (Salve Jorge), do Marrocos (O clone) ou a Índia (Caminho das Índias). Fotos da família estão por todos os cantos como a dos filhos mortos prematuramente, a atriz Daniella Perez, assassinada brutalmente em 1992 pelo então colega de trabalho, Guilherme de Pádua, e Rafael, vítima de uma síndrome muito rara desde que nasceu e que, em 2002, não resistiu a uma infecção abdominal. A autora é mãe também de Rodrigo.
Há muitos anos, Gloria cultua hábito singular na hora de escrever. Fica de pé para usar o laptop na bancada da cozinha americana do escritório. “É por causa do meu problema na coluna. É melhor do que ficar sentada o tempo todo”, explica. E, o mais interessante: é uma das poucas autoras que não conta com a ajuda de colaboradores para criar as tramas de suas novelas. “Escrevo sozinha. Sempre foi assim. Pra mim, é muito mais fácil. Acho admirável quem consegue discutir como vai ser um capitulo com 10 pessoas e depois sai para escrever. É um por dia. Deve ser desesperador”, comenta.
E é dessa maneira que Gloria Perez está produzindo sua nova empreitada: Dupla identidade, série de suspense psicológico, com 13 capítulos, que estreia dia 19. Em foco, serial killers e caçadores de mentes, tópicos bastante explorados na televisão norte-americana. Gloria está fascinada pelo assunto e, realmente, mergulhou de cabeça. Tanto que criou um blog voltado para o tema. “As pessoas fazem muitas perguntas sobre o processo de criação de uma obra. Sempre postei no meu blog um pouco das minhas pesquisas, mas o material acaba ficando disperso e espera organização. Com Dupla identidade resolvi começar certinho. Por isso, essa página onde compartilho o que li e vi para descrever esse universo. Filmes, séries, entrevistas, detetives, os serial killers na história, reportagens. É bem completo”, conta.
Gloria não pretende adiantar no blog dicas sobre o seriado, até porque, em sua opinião, o grande barato do suspense é ficar na tensão, esperando o que vai ocorrrer. “Se você começa a apontar coisas ou pistas, fica como novela, que você liga apenas para ver a cena. Nesse tipo de produção, você quer saber o que ocorreu e não assistir ao que já sabe”, esclarece.
Pesquisa
É projeto da autora que todos os seus trabalhos anteriores também tenham página própria, justamente devido à curiosidade dos telespectadores e por que Gloria é conhecida por desenvolver pesquisa diferenciada e ter material profundo de entrevistas e documentos, que serviriam para abastecer esses blogs. Três obras já estão começando a ganhar corpo na internet: a minissérie Desejo (1990) e as novelas Explode coração (1995) e O clone (2001). “Dá muito trabalho e é preciso ter tempo. Muita coisa deve ser digitalizada. No caso de Desejo, que trata da questão do adultério de Ana de Assis, esposa do escritor Euclides da Cunha, postamos matérias da época, documentos do julgamento. Quero inclusive fazer o blog dos meus trabalhos mais antigos, como Carmem, da Manchete, a primeira novela que se falou em como se pegava Aids no Brasil. São coisas muito antigas, difíceis de serem organizadas e sofremos muito com isso. Para não passarmos por isso, Dupla identidade já começa com o seu arquivo próprio”, acrescenta.
Fascínio
Outra obra de grande sucesso que terá seu próprio blog — ainda sem data definida — é Hilda Furacão (1998), baseada no romance homônimo do escritor e jornalista mineiro Roberto Drummond. Gloria Perez ficou muito sensibilizada quando o jornal Estado de Minas encontrou em julho, em um asilo em Buenos Aires, a mulher que teria inspirado a personagem do livro. “A gente fica tocado com a história. Mas que bom que a Hilda está sendo cuidada. A matéria teve muita repercussão em BH?”, quer saber a novelista.
Gloria, que chegou a conhecer o Maravilhoso Hotel, na Rua Guaicurus, na época das gravações, ao lado de Roberto, conta que por volta de 1990, o então diretor-geral artístico da TV Globo, Mário Lúcio Vaz, que aliás é de Belo Horizonte, deu o livro Hilda Furacão para ela e a incumbiu de escrever a série. Mas, em meia hora, os planos mudaram e ela ficou encarregada de criar outra produção, a novela Barriga de aluguel. “O livro saiu da minha mão e passou pela Globo inteira. Anos depois, voltou para mim e eu fiz. Então, era para ser eu. Meu reencontro com Hilda estava marcado. Dei-me muito bem com Roberto, ele foi um amigo, uma pessoa fantástica. A história é muito interessante e a série tem um fascínio impressionante”, frisa.
A autora ressalta também a atuação do elenco e sobretudo da protagonista, Ana Paula Arósio, que acabou abandonando a carreira de atriz e segundo as notícias mais recentes, estaria vivendo em Londres, na Inglaterra. “Ana Paula tem um mistério, um glamour, uma coisa que é difícil você encontrar numa atriz. Hollywood tem uma em gerações. Ela tem uma coisa universal, internacional; não é de lugar nenhum. Ela é do mundo. É bacana isso. É uma diva mesmo. Por isso é difícil regravar Hildan Furacão, porque é difícil encontrar outra Hilda. É ela. É marcante. Que pena que Ana foi embora”, resume.
Dramas plurais
Dupla identidade – “Não é pretensão da série promover campanha para encontrar serial killers. Até porque é impossível reconhecer um assassino desses no mundo inteiro. Tanto que eles ficam atuando durante 30, 40 anos e ninguém os descobre. Até quem convive com eles (esposas, família...) não percebe. Nosso objetivo é escrever uma serie divertida, que a gente ligue a TV para entreter. É claro que joga um assunto na mesa, assim como qualquer trabalho. O telespectador pode até se perguntar: ‘Será que existe serial killer no Brasil? Como ele se torna um serial killer? Por quê?”. Mas não faremos campanha nenhuma, não queremos responder a nenhuma pergunta científica. Se nem os cientistas e especialistas conseguiram responder, imagina a gente. Queremos simplesmente contar a história de um serial killer que se chama Edu (Bruno Gagliasso).”
Vilões queridos – “Às vezes, as pessoas têm sentimentos estranhos. O que me impressionou muito nos serial killers da vida real é que eles tiveram muitas fãs se estapeando por eles. Mulheres se apaixonando por suas histórias. A mulher do maníaco do parque, uma professora, o conheceu depois dos crimes; jogou tudo para o alto e se casou com ele. Tem também a mulher que foi louca pelo Bandido da Luz Vermelha, que acabou se casando com outro porque o bandido morreu, mas até hoje cuida do túmulo dele. Você não imagina o quanto um serial killer desperta paixão. Essas mulheres pensam que com elas vai ser diferente. É impossível prever as reações
das pessoas.”
Outro tema – “Dupla identidade pode ter continuação. Escrevi uma temporada com 13 capítulos, mas se houver interesse podemos ter duas, três. Não necessariamente escritas por mim. O assunto é muito rico. Já apresentei a primeira; apresentei o gênero e trouxe as personagens centrais, assim como fiz em A diarista. Outro autor pode fazer outra temporada. Até porque tenho outro projeto, uma série também, mas não posso adiantar nada por enquanto. E não vou ficar nesse tema.”