A voz suave e os gestos contidos de Lília Cabral se contrapõem a todo momento com as cenas que grava na pele da calculista Maria Marta, de 'Império', o que a atriz considera um motivo de orgulho, já que diz ser incapaz de encontrar qualquer relação de proximidade com a ambiciosa mulher do comendador José Alfredo (Alexandre Nero) da novela da Globo.
E Lília garante que aproveita bem isso na construção da personagem. Depois de 33 anos dedicados principalmente às novelas, não hesita ao responder qual traço de sua personagem a deixa em uma zona mais confortável para defendê-la: o humor. “Uma das melhores características do meu texto é que Maria Marta fala o que pensa. E o que ela pensa é, na verdade, uma série de grandes absurdos”, diverte-se sua intérprete, que tem no currículo duas indicações ao Emmy Internacional como melhor atriz. A primeira, por sua atuação como a insensível Marta, de 'Páginas da vida' exibida em 2006 pela Globo. E a última, pela batalhadora ex-modelo Tereza, que interpretou em 'Viver a vida', em 2009, também na Globo.
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Nesta entrevista, Lília fala um pouco sobre o trabalho na novela, que caminhos pretende seguir para dar mais veracidade às vilanias de sua personagem e confessa que fica deslumbrada com tudo que passou a vestir e usar em função da fortuna de Maria Marta.
Não acredito que uma pessoa acorde, coloque uma roupa e um sapato e saia com uma arma em punho para mostrar a todos que é capaz de matar. Acho que essa vilania vai se revelando pelas surpresas. Você não imagina que, por exemplo, em uma conversa de mãe e filho, ela seja capaz de dar dois tapas na cara dele de uma hora para outra só porque o rapaz não concorda com ela ou ela acha que ele é um fraco. Mas ela deu, as pessoas viram. E é uma coisa agressiva, cruel, maldosa. Maria Marta tem uma maneira de enfraquecer os outros.
Tem algum traço do comportamento dela que ajuda na hora de dar esse tom vilanesco que você deseja?
Acho que essas ironias que ela usa, aquele deboche que está sempre com ela. Até porque, sinceramente, acredito que existam pessoas assim. Por isso defendo esse outro lado da vilania, que não é maniqueísta. Aquele que, como falei, não se levanta pronto para matar.
Você encontra algum ponto de interseção entre você e a Maria Marta?
Ah, se eu for olhar para algum ponto em comum que eu possa ter com a Maria Marta, não vou encontrar nenhum. Mas confesso que estou adorando ter tudo o que Maria Marta tem. Desde a casa às roupas que ela usa, joias, bolsas, sapatos, enfim, fico sempre feliz da vida com tudo que chega (risos).
Por quê? Você não tem roupas e acessórios como os dela?
Sou o tipo de mulher que, é claro, se arruma para ir a uma festa, por exemplo. Mas minha postura é mais simples, mais casual. Acho que, como qualquer pessoa, gosto de estar arrumada. Mas eu não procuro ostentar. E essa é uma das características da Maria Marta: ela faz questão de mostrar. É algo natural dela.
A novela gira em torno de um império construído em cima de pedras preciosas, joias. Esse é um universo que desperta seu interesse?
Eu sempre gostei de joias. Desde quando eu era bem pequenininha. Eu me lembro que minha madrinha, Rosália, tinha um porta-joias numa mesinha onde ficavam um lindo colar e um par de brincos de esmeraldas. Naquela época, a gente podia ter essas coisas e não se preocupar muito, mas hoje até assaltam você se a virem com uma peça daquelas. Mas, enfim, havia esse porta-joias e eu ficava olhando com uma admiração! Esse universo me lembra um pouco essa fase. Eram joias que minha madrinha usava quando era convidada para alguma ocasião especial. Como um casamento.
Maria Marta tem uma relação conturbada com o marido e é nítida a preferência dela pelo filho mais velho. Tem algum lado dessa personagem que você sinta mais vontade de explorar?
O humor. Maria Marta foi uma personagem apresentada de uma maneira meio sóbria, um tanto quanto aristocrata, até. Mas isso não existe só para mostrar que ela tem berço. Essa coisa de falar o que pensa – principalmente porque seus pensamentos são verdadeiros absurdos – é muito boa. O Aguinaldo (Silva, autor) sempre disse que é uma mulher “finíssima”.
Existe um lado da Maria Marta que remete um pouco ao comportamento da Odete Roitman, vilã que Beatriz Segall interpretou em 'Vale tudo'. Você já fez essa relação?
Quando eu li o texto, vi que tinha um pouco esse lado, sim. Mas antes de qualquer coisa, acho bom deixar claro que jamais existirá outra como a Odete. Até porque não daria para comparar nada com aquele trabalho primoroso da Beatriz, que defendeu a personagem de forma ímpar. De qualquer maneira, Maria Marta tem uma crueldade semelhante.
Temos vários exemplos de vilãs que foram adoradas pelo público nos últimos anos. Você torce para que isso aconteça com a sua?
Na verdade, eu não estou preocupada em fazer uma vilã adorada pelos telespectadores ou não. O que quero mesmo é fazer um bom trabalho e que as pessoas curtam a novela. Espero que tenhamos sucesso até o final, independentemente de ter uma personagem querida por quem assiste.
A Odete Roitman chegou a ser uma referência para sua composição? Até porque você também fez 'Vale tudo' e lia o texto da personagem...
Sim, eu estava na novela. Mas tem tanto tempo que já não me recordo tanto do texto especificamente. De qualquer forma, a Odete não foi uma referência para mim. Acho que as pessoas podem até falar, criar uma associação entre as duas vilãs, mas eu mesma nunca pensei nisso quando construí essa personagem.
Você voltou ao ar em um dos papéis centrais da novela das nove depois de 'Em família', que foi marcada por várias críticas e pela baixa audiência. Isso trouxe algum receio?
Olha, eu não considerei as coisas que falaram ou escreveram sobre 'Em família'. Acho que em qualquer trabalho existem acertos e erros, isso é normal. Mas mesmo que eu visse alguma coisa errada, eu não poderia falar sobre isso. Primeiro, porque foi uma novela escrita por um autor (Manoel Carlos) por quem sou completamente apaixonada. Segundo, porque a maioria do elenco era de amigos meus. E eu sei muito bem quais são as dificuldades que a gente passa na televisão. Já fiz novelas que não foram um sucesso, até metralhadas pela crítica. Isso acontece. Mas não considero 'Em família' um exemplo de algo que não deu certo. Senti prazer em ver. A Júlia Lemmertz fez uma Helena com tanto amadurecimento. Acho que, se um dia eu fizesse uma Helena do Manoel Carlos, ia querer que fosse como a dela. Sem a preocupação de querer ser boazinha. E acho que o Maneco quis escrever uma história poética, sobre a família que ele tanto preza.