Ela confessa que teve a crise dos 30, dos 40, dos 50 e dos 60.
E não é apenas a nova idade que a atriz e cantora nascida em Campos dos Goytacazes, no Norte fluminense, está celebrando. A artista comemora em 2014 meio século de uma carreira de sucesso nos palcos, no cinema e na televisão, e, para marcar o momento, o que não falta são projetos. A partir de segunda-feira, Zezé estará no elenco da próxima novela das seis, 'Boogie oogie', em que viverá a personagem Sebastiana.
As novidades não param por aí. Zezé Motta está produzindo sua autobiografia, com a supervisão do escritor cubano Carlos Moore (autor da biografia do músico e ativista nigeriano Fela Kuti) e vai focar na sua vida artística e pessoal. O projeto, que não conta com patrocínio e nem o apoio de nenhuma editora, está sendo produzido por meio da chamada “vaquinha virtual”.
Relembre o desempenho de Zezé em 'Xica da Silva' (1976):
A atriz conta que os primeiros encontros com Moore foram quase que uma sessão de análise e que ela chegou a chorar bastante e a ter dificuldades de dormir. “Passei noites em claro remoendo aquelas coisas que foram ditas. Para você ter ideia, no segundo encontro, pensei em desistir. É muito dedo na ferida. Ele cutuca mesmo. Porque as biografias que existiam a meu respeito focavam na minha carreira, e essa aborda também a minha vida, desde o momento em que estava no útero da minha mãe”, expõe.
Carlos Moore soube convencê-la a contar sua história. “Ele me disse que eu não tinha o direito de guardar isso só para mim e que estava passando da hora de revelar para todos o que vivi e que seria útil para muita gente e uma lição de vida. Acho que ele tinha razão e vamos tocar esse livro, mesmo ainda sem recursos”, assegura.
A cantora também não vai ficar de lado das celebrações.
Filha de músico, Zezé diz que o pai sabia dos percalços que a carreira impunha e por isso quis que ela tivesse alguma formação paralela ao curso de atriz. Foi então que decidiu estudar contabilidade, enquanto frequentava a escola de teatro O Tablado, de Maria Clara Machado. “Escolhi contabilidade porque sabia que o curso era rápido e em três anos eu estaria livre para poder me dedicar às artes dramáticas. Nem buscar o diploma eu fui, porque no dia tinha ensaio da minha primeira peça, 'Roda viva', e o José Celso Martinez, o diretor, era muito rigoroso e não permitia faltas e atrasos. Nunca utilizei a contabilidade na minha vida e, para você ter ideia, tenho contador particular”, comenta rindo.
Naufrágio
Não há como relembrar a trajetória de Zezé Motta sem destacar suas participações na telona e, sobretudo, sua parceria com Cacá Diegues. Ao lado dele foram cinco filmes – 'Quilombo', 'Dias melhores virão', 'Tieta', 'Orfeu' e, claro, seu maior sucesso, 'Xica da Silva'. “Até hoje tem gente que me chama de Xica na rua e há quem ache que sou mineira, por causa da personagem”, afirma.
Mas nem tudo foi diversão. A intérprete da escrava que virou rainha vivenciou um episódio traumático durante as gravações. “O barco da Xica afundou e, como eu não sabia nadar, realmente cheguei a pensar no pior. A minha sorte foi que estava com roupas bem pesadas e aí emergi. Bebi muito água e ainda peguei uma infecção, por conta de uma bactéria. Fiquei tratando durante um ano. Mas tirando isso, no geral, foi só alegria. Aquele filme foi um marco na minha vida e na minha trajetória. Ganhei todos os prêmios possíveis. Até um Coelhinho da Playboy, porque eu ficava nua em cena”, revela.
No momento, Zezé Motta não tem nada em andamento para o cinema, mas tem duas produções já concluídas, ainda sem previsão de estreia. 'Bom dia, eternidade', do cineasta Rogério Moura, e 'A ilha dos escravos', uma coprodução Brasil, Portugal e Cabo Verde. “Estou muito satisfeita com tudo e bem empolgada com esses projetos. E foi muito bacana ter todo esse reconhecimento, muita gente lembrando do meu aniversário, celebrando. Tudo me deixou bem emocionada. Ser reconhecida é sempre muito bom”, diz.
Confira a performance de Zezé Motta cantora em 'Senhora liberdade':
Zezé Motta em…
» Discos
'Gerson Conrad & Zezé Motta' (1975)
'Zezé Motta' (Prazer, Zezé) (1978)
'Negritude' (1979)
'Dengo' (1980)
'Frágil força' (1984)
'La femme enchantée' (1987)
'A chave dos segredos' (1995)
'Divina saudade' (2000)
'Negra melodia' (2011)
» Filmes
'Gonzaga – De pai pra filho' (2012)
'Xuxa em O mistério de Feiurinha' (2009)
'Orfeu' (1999)
'Tieta do Agreste' (1996)
'Dias melhores virão' (1989)
'Natal da Portela' (1988)
'Sonhos de menina moça' (1987)
'Para viver um grande amor' (1984)
'Quilombo' (1984)
'Tudo bem' (1978)
'Se segura, malandro!' (1978)
'Cordão de ouro' (1977)
'Xica da Silva' (1976)
'Vai trabalhar, vagabundo' (1973)
» Novelas e séries
'Boogie oogie' (2014)
'Sinhá moça' (2006)
'O beijo do vampiro' (2002)
'Porto dos Milagres' (2001)
'Corpo dourado' (1998)
'Xica da Silva' (1996)
'A próxima vítima' (1995)
'Memorial de Maria Moura' (1994)
'Corpo a corpo' (1984)
'Ciranda, cirandinha' (1978)
'Duas vidas' (1976)
'Beto Rockfeller' (1968)
Três perguntas para Zezé Motta, cantora e atriz
Você é considerada uma das principais atrizes negras do país e é uma das fundadoras do Centro Brasileiro de Informações e Documentação do Artista Negro (Cidan). Como você avalia a evolução do artista negro no Brasil?
É muito bacana ver artistas como a Taís Araújo, o Lázaro Ramos, a Camila Pitanga, a Isabel Fillardis, o Fabrício Boliveira e tantos outros seguindo os nossos caminhos e brilhando nas novelas, nos filmes, nas peças. Vejo, com muita alegria, que, a passos lentos, estamos virando esse jogo. Ainda temos muitos negros marginalizados em vários segmentos, mas já se evoluiu muito. E não fiz isso sozinha. Fui apenas uma das peças dessa engrenagem, mas tenho muito orgulho de ter participado de alguma maneira para mudar esse quadro. E essa nova geração sempre reconheceu o nosso trabalho. Sempre soube que a gente ia virar isso, mas muito ainda tem que ser feito.
Você se reconhece mais como cantora ou atriz?
Eu adoro as duas coisas, mas admito que se me encostassem na parede, de verdade, acho que ia preferir ser cantora. Acredito que na música você tem mais liberdade de várias coisas. De direção, de escolha de repertório. Foram sonhos paralelos, que correram juntos, mas a música foi a minha primeira paixão. Meu pai tocava, tinha um grupo de chorinho e era professor de violão. Mas sou feliz fazendo as duas coisas.
Há uma passagem interessante na sua carreira, que foi ter dublado a personagem de um desenho animado da Disney, a Úrsula, vilã de A pequena sereia. Como foi isso?
É verdade. E eu adoro criança. Tanto que estou gostando muito de voltar a fazer uma novela das seis, porque é um horário a que crianças e adolescentes assistem muito. Foi a única experiência que tive nesse sentido, ou seja, de dublar um personagem que não era eu, ainda mais numa animação. Tive receio da criançada me reconhecer e não gostar. Lembro que fui ver o filme com minha afilhada no cinema e leram o meu nome no letreiro. No fim da sessão, as crianças me apontaram: “Olha, ela é a Úrsula”. Achei que elas fossem morrer de medo de mim, mas no fundo elas morreram de rir. E eu adorei!