No hall de entrada da Rede Minas, na parede que fica bem em cima da estante com troféus, está estampada a frase de Tancredo Neves: “Minas se liberta de um complexo de inferioridade com a sua TV Educativa. A inauguração da TV Minas marca uma nova etapa no nosso progresso civilizatório”. Há quem passe diariamente por ali e veja com tristeza o que foi dito em 8 de dezembro de 1984, quando a emissora entrou no ar. A situação da TV hoje é incerta.
A Rede Minas comemora 30 anos no momento mais difícil de sua história. Desde que o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Estadual determinaram a realização de concurso público para a composição do quadro de pessoal, há 10 anos, a emissora vive um lento processo de desmantelamento. Não apenas no número de funcionários, que deve ser reduzido pela metade, mas também na programação, que vem sofrendo seguida baixas.
Se no começo de 2013, quase 24 produções originais da casa estavam no ar, atualmente, são apenas 15. Atrações premiadas, como Planeta e Diverso, foram suspensas. Permanecem em exibição, porém em reprise, até o fim do ano. Produções tradicionais, como o Brasil da Gerais e o Agenda, também sofrem com os cortes. No caso do programa apresentado por Roberta Zampetti, que já chegou a ser diário e ao vivo, hoje é apresentado neste formato apenas uma vez por semana, nas terças-feiras. Quarta vai ao ar um programa de culinária apresentado por Roberta. Nos outros dias, só repetições.
“É uma gestão de reprise maquiada. O Agenda, por exemplo, repete reportagens. Com o Harmonia (dedicado à música clássica), eles estão pegando programas antigos, trocando ficha técnica e fazendo de conta que o programa é inédito”, denuncia o jornalista Leandro Lopes, um dos integrantes do movimento #SalveaRedeMinas. Outra crítica é que não houve clareza nos critérios para decidir sobre os programas que teriam a exibição interrompida.
O Agenda, hoje comandado por Daniela Zuppo, voltado para o panorama da produção artística de Minas, contava com duas equipes para as reportagens externas, além das entrevistas de estúdio. No momento, vive o desafio de manter a qualidade com apenas uma equipe. Outras produções passam pela mesma situação. Quando precisam sair para fazer as reportagens, não tem câmera, não tem motorista e por aí vai. Virou rotina, informam profissionais que preferem não se identificar. Segundo dados do movimento #SalveaRedeMinas, dos 38 colaboradores no setor de transporte que trabalhavam em 2013, restam 11.
“Temos uma equipe reduzida mesmo. São gargalos previsíveis. É um período de transição. Temos um descasamento entre a chegada e a saída de profissionais”, reconhece o atual presidente, Júlio Miranda. Como a última nomeação dos novos servidores saiu somente em 17 deste mês, os aprovados têm até 60 dias para assumir o posto. Nesse meio tempo, vencem os prazos dos funcionários que já cumprem aviso prévio.
Emergência
Para resolver os buracos no quadro de pessoal, a solução imediata foi entrar com um pedido emergencial na Secretaria de Planejamento para a contratação temporária de profissionais. São vagas pontuais, para atuação em regime de urgência, apenas durante a transição, ou para as 19 vagas que não foram preenchidas pela disputa. A argumentação do departamento jurídico da Rede Minas deve entrar na pauta de discussões da secretaria na próxima quarta-feira.
Os problemas, no entanto, não se resumem a questões passageiras. Em 2013, a Rede Minas tinha 400 funcionários. Foram oferecidas 203 vagas no concurso realizado entre dezembro e abril deste ano. Junto aos servidores, vão trabalhar 83 pessoas em cargos comissionados. Ou seja, serão ao todo 286 profissionais. Em resumo, mais de 100 pessoas a menos. Ainda tem a questão de experiência, já que não se faz televisão da noite para o dia.
“Não tenho nada contra, só acho que o concurso precisa ser qualificado o suficiente para selecionar especialistas em televisão, e não em concurso. Tenho dúvidas se ele foi capaz disso”, critica o jornalista Israel do Vale, ex-diretor de produção da emissora. “A Rede Minas conseguiu criar uma geração de pessoas que sabem fazer televisão, o que é uma coisa difícil”, comenta o jornalista Luciano Alkmim, diretor de produção e programação da emissora entre 2007 e 2011.
Segundo Júlio Miranda, a realização da prova prática no concurso foi justamente para garantir essa qualificação. Mas será difícil manter um quadro de pessoal de alto nível com o atual salário pago aos servidores da casa. Os aprovados para o cargo de analista de TV, com curso superior, para trabalhar em carga horária de 40 horas semanais, receberão R$ 2,1 mil. Para se ter uma base de comparação com outra emissora pública, na TV Assembleia, mantida pelo Legislativo, o salário de analista legislativo, que atua como repórter ou produtor na emissora, é de R$ 5,9 mil.
Sabe-se que os novos servidores assumirão seus cargos em questão de dias, mas ninguém foi informado de como será o processo de transição e como isso, de fato, afetará a programação futura. De acordo com o vice-presidente da Rede Minas, Paulo César Marques, será criado um Núcleo de séries especiais, em caráter temporário. “Vamos incorporar roteiristas, produtores, cinegrafistas, repórteres, gente que está chegando na casa. Vai começar como um projeto de treinamento e adaptação. Vamos lançar produtos novos no segundo semestre com esse pessoal que está chegando”, afirma Paulo César.
Os diretores fazem questão de ressaltar que entre os aprovados há muita gente que já trabalhava na Rede Minas. “O momento agora é de retomada”, garante Júlio Miranda. “A gente poderia dizer que estava em baixa quando não sabia que ia acontecer. Agora, a gente já sabe”, completa Paulo César. A segurança, no entanto, parece ser exclusiva da direção. Nos corredores, no elevador, nos estúdios e na garagem o clima ainda é de incerteza.
Cidadão é o patrão
“Vejo com muita tristeza determinados caminhos e opções de natureza conceitual tomados para a televisão”, critica a produtora cultural e ex-secretária de Estado da Cultura Eleonora Santa Rosa. Segundo ela, a dissolução pela qual a Rede Minas atravessa reflete uma falta de percepção do papel que a TV pública deveria ter na estrutura cultural e de comunicação. “Não se pode perder esse sentido de TV pública. Ela não é para dar lucro. A audiência é qualitativa, trabalha-se em repertório. É preciso investir nisso”, propõe.
“Acho que é um momento bem complexo, tem coisas que estão sendo feitas não por opção, mas por falta dela”, diz Israel do Vale. Para Luciano Alkmim, é preciso pensar na mudança de configuração jurídica da Rede Minas, com a criação de uma empresa pública nos moldes da Empresa Brasileira de Comunicação. A medida, além de flexibilizar diversos processos dentro da emissora, como aquisição de equipamentos, prevê a contratação de funcionários no regime celetista. “É preciso abrir a discussão sobre a possibilidade da Rede Minas ser uma TV independente”, frisa Alkmim.
Entre todos os ex-dirigentes da emissora há o entendimento da Rede Minas como TV pública, que tem compromisso com uma programação voltada para a formação da visão crítica do cidadão, com independência dos poderes do estado. O que os candidatos ao governo acham disso e como pretendem concretizar a frase de Tancredo Neves seria um bom tema para um programa de debates. Se tivesse algum no ar.
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