'Tínhamos uma carteirinha, igual à das prostitutas', relembra Beatriz Segall

Atriz relembra fases importantes da cerreira na TV e no teatro

por Estado de Minas 07/08/2011 07:00
Renato Rocha Miranda/TV Globo-12/5/11
"Tenho muito medo do futuro da Terra. Se não abrirmos os olhos, vamos acabar" (foto: Renato Rocha Miranda/TV Globo-12/5/11)

Exorcizando a vilania

Só não fale com ela sobre Odete Roitman, a vilã da novela Vale tudo. Beatriz Segall, de 85 anos, adora conversar, opinar sobre política, contar histórias. Mas odeia falar da personagem que marcou sua carreira. À reportagem, ela fala do início da profissão, da época em que enfrentou a ditadura no tablado e como nasceu a sua antipatia pelo PT. E como é avó de 10 netos, não deixa de mencioná-los e também revela o desejo de ser cremada e ter suas cinzas plantadas numa árvore. “Eles (netos) vão crescer e dizer: ‘Olha lá a vovó’”. A atriz, que recentemente trabalhou na série Lara com Z, da Globo, está de férias da TV, mas em setembro vai estrear a peça Conversando com mamãe.

Com mais de 60 anos de carreira, a senhora ainda fica nervosa ao estrear um espetáculo?
Sim. Mas claro que menos do que antes. Como dizia o Walmor Chagas, o espetáculo só está pronto depois de 15 dias, porque daí você já perdeu os medos, as dúvidas, e mostrou o seu talento.

E quando descobriu o seu talento?
Não sei como começou. Quando eu era criança, com uns 7 anos, dizia que queria ser atriz de Hollywood para ficar rica e comprar vestidos de renda para a minha mãe. Para mim, o vestido de renda era o máximo do chique. Mas a verdade é que eu tive uma educação rígida em matéria de escola. Fiz um segundo grau e uma faculdade com professores de primeiríssima ordem. Isso é uma coisa que eu acho que falta aos atores de hoje. E no Brasil, a escola básica, desde a ditadura, só caiu de nível.

Como seu pai encarou sua decisão de se tornar atriz?

Ele viu que não tinha remédio. Então, aceitou, mesmo não estando feliz. Tanto que ele ia me levar e buscar no teatro. Mas ele tinha razão para ser contra. Naquele tempo, as atrizes eram muito malvistas, né? Eu, a Nathalia Timberg, a Cleyde Yáconis tínhamos uma carteirinha, igual à das prostitutas, para andar à noite na rua. Mas, enfim, eu comecei e nunca parei. Ficamos no palco, inclusive, na ditadura. Nessa época, aliás, a classe teatral reagiu muito bem. Eu só parei depois, durante 14 anos.

Qual foi a razão pela qual parou?
Quando me casei, achei que eu não iria mais fazer teatro. O que queria mesmo era casar, ter filhos e ser mãe de família. Eu consegui. Mas depois de 14 anos, achei que estava na hora de fazer alguma coisa para mim. E aí comecei a fazer teatro de novo, em 1964. Compramos o Teatro São Pedro, que seria demolido. Fizemos lá uma temporada de resistência, com textos sobre liberdade, opressão... A censura, como sempre, era muito burra.

Quando a senhora adotou a posição política contra o PT?
Quando o Lula foi eleito na primeira vez, eu dizia: “Pelo menos é um partido honesto”. Hoje, todo mundo sabe como eu estava enganada. Mas uma vez cheguei a voltar de uma viagem só para votar na Erundina. Até arranjei uns votos para ela no avião (risos). Mas hoje não voto mais no PT.

E a senhora já tem alguma avaliação do governo da Dilma?

No primeiro mês, até fiquei admirada. Mas agora, estou achando o governo da Dilma muito fraco. E me pergunto: “Por que o público não reage à corrupção?” Ministro é posto pra fora. Prefeito tem salário reajustado. E o povo fica calado. Onde está o dinheiro que essa gente roubou? Eles estão aí, livres, soltos e contentes. Isso arrebenta a confiança de qualquer povo. É vergonhoso. Corrupção não é só roubar. É estar despreparado para um determinado posto e aceitar porque lhe convém pessoalmente. Antes, um político sabia falar, tinha de ter ideias na cabeça. Hoje, político fica famoso sem nem sequer saber falar português. Eles não estão lá para cuidar do país. Estão lá para locupletar. Pode botar tudo isso aí (ela aponta para o gravador).

Claro, está tudo gravado. Mas houve uma época em que os atores estavam no horário eleitoral. A Globo vetou isso. O que achou?
Isso eu achei bom porque havia partidos que pagavam as pessoas para dar opiniões. Não eram opiniões independentes, entende? Tinha pessoas contratadas para isso. Achei bom ser proibido.

E tem algum outro tipo de regra da Globo que a senhora não gosta e, por isso, escolhe assinar contratos por obras?
Não. Mas nunca aceitei ser de uma emissora só. Engraçado que até hoje acham que sou da Globo. E todo mundo acha que quem trabalha na Globo ganha muito. Isso não é verdade. Até hoje, em certas situações, eu não falo que tal coisa é para mim, senão tudo fica mais caro. Ser da Globo significa estar ganhando, mesmo sem trabalhar. Seria bom, mas não aceito.

Por qual razão?

É bom variar, procurar bons personagens. As coisas, hoje, estão caindo de nível. Nunca mais houve uma novela como Vale tudo, uma vilã como a Odete Roitman. Mas não gosto de ser comparada a ela. Às vezes, estou andando e um engraçadinho grita: “Quem matou Odete Roitman?”. Finjo que não ouço. É chato.
E a que a senhora assiste hoje?
Assisto ao canal 40, que tem repórteres maravilhosos, com muito conhecimento. Fica muito antipático eu ficar falando de conhecimento toda hora, né? Como se eu fosse uma intelectual. Enfim, leio jornais e vou ao cinema.

A senhora acaba saindo pouco, né? Quase não se vê fotos suas.
Sou bem reservada. Gosto de receber amigos em casa. Não gosto de ficar falando quais. Mas recebo amigos e meus netos.

É uma avó muito atenciosa?
Gostaria de ser mais, mas não sou muito. Mas eles são companheiros, assistem a meu trabalho. Um deles, aliás, é até muito direto. Quando meu cabelo não está bom, ele fala: “Arruma aqui”.

Continuar fazendo TV, aos 85 anos, é difícil? Faltam convites?
Quando você sempre fez papéis de protagonistas, os próprios diretores de TV ficam com medo de te dar papéis menores. O que é uma bobagem. É muito difícil ser uma protagonista na minha idade

Por estar nesse meio, acaba tendo uma certa vaidade?
Sempre tive. E isso está me ajudando a envelhecer. Primeiro, procuro nunca parar de trabalhar, me aposentar. Trabalhar é um dos meios mais seguros de evitar a solidão. Eu tenho filhos, noras, 10 netos, não tenho perigo de solidão, mas se ocupar é fundamental. Assim, também não fico dando trabalho para os outros.

A senhora se separou e acabou não se casando mais. Nunca sofreu de solidão?

Nunca. Eu tenho amigos, né? Eu adoro ler, também. Então, não tem perigo de eu ficar sozinha. Para qualquer lugar que viajo, levo um livro. Já faz um ano que eu não viajo e isso é grave (risos). Adoro ir a Paris, Roma, Nova York. Quando dá, levo os netos. Mas nunca viajo sozinha. Detesto viajar sozinha, bate a solidão.

E tem medo de quê?

De que aconteça algo com meus filhos e netos. E tenho muito medo do futuro da Terra. Se não abrirmos os olhos, vamos acabar.

Mas isso a senhora diz baseada em alguma filosofia?

Gostaria muito de acreditar em algo, inclusive em que eu tenho direito a outras vidas. Mas eu acho que nada acaba, né? Tudo se transforma. Por isso, quando eu morrer, quero ser cremada e quero que as minhas cinzas sejam jogadas numa raiz, em praça pública. Quero que seja plantada uma árvore minha, para quando ela crescer os meus netos passarem e dizerem: “Olha lá a vovó”.

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