No início da conversa, um pedido: não falar do que passou. Quatro meses depois do fechamento do Vecchio Sogno, que ele manteve por 25 anos no Bairro Santo Agostinho, como o primeiro chef de Belo Horizonte a ser também dono de restaurante, Ivo Faria não quer mais lamentar.
A hora é de trabalho, com o que é possível neste momento.
A hora é de trabalho, com o que é possível neste momento.
Aos 67 anos, vacinado e celebrando a chegada do primeiro neto, Vítor, a maior e uma das poucas alegrias que teve na pandemia, Faria tem trabalhado muito. Mas em casa, no bairro Dona Clara, na região da Pampulha, e com a família.
DIFERENÇA
Durante a semana, o chef grava uma série de aulas para o curso on-line que pretende lançar em breve. Também tem preparado jantares para empresas e pequenos grupos, além de promover lives com venda de kit gastronômico - a próxima já confirmada para 12 de junho, Dia dos Namorados.
Mas tudo tem que ser digital, já que não há outra maneira, por ora. "Tem que resolver primeiro o problema da pandemia. Se for investir, tem que ser via internet. Não dá para pensar em investir em um local físico neste momento. A única coisa que quero voltar a fazer é dar aulas presenciais quando puder."
De molho do presencial, ele, com o perdão do trocadilho, investe em molhos. Seu primeiro curso é justamente sobre isso. "Ensino todas as técnicas dos molhos básicos, como num livro.
Escolhi o tema porque é a área da cozinha que mostra o quanto a pessoa é boa. Se o molho for bom, ele faz toda a diferença. A partir do curso, a pessoa pode andar com as próprias pernas."
Escolhi o tema porque é a área da cozinha que mostra o quanto a pessoa é boa. Se o molho for bom, ele faz toda a diferença. A partir do curso, a pessoa pode andar com as próprias pernas."
Andar com as próprias pernas quer dizer investir, e muito, em conhecimento. São mais de 50 anos de cozinha. Foi no final da década de 1960 que a mãe de Faria resolveu colocá-lo em um curso no Senac. Então um adolescente, ele tinha aulas o dia inteiro. Quando começou a se destacar, passou a dar aulas também. Tinha 17 anos. Ao deixar o Senac, dois anos mais tarde, tornou-se chef do hoje extinto Bar e Café São Paulo.
Terminou a escola, fez um curso técnico de nutrição, foi estudar francês. Recebeu uma bolsa de estudos no Centro Internacional de Glion, na Suíça, onde passou pouco mais de um ano trabalhando pesado. No retorno a Belo Horizonte, chefiou cozinhas industriais e administrou várias casas da rede Alpino, até ter a sua própria.
EXPERIÊNCIA
O Vecchio Sogno foi inaugurado em 1995 por Faria e Memmo Biadi, de quem foi sócio até 2001. Foi ainda o primeiro restaurante de BH a ter sommelier. Biadi comandou o Dona Derna até setembro de 2020, quando morreu em decorrência de um infarto.
Ainda que muita coisa tenha mudado na gastronomia, há questões que permanecem. "É difícil falar sobre isso, porque hoje o jovem tem tanta informação.
Mas acho que quem está iniciando tem que estar atento a todas as informações de pessoas que têm mais experiência do que ele. Isso foi uma das coisas que mais fiz na vida. Foi beber a água na fonte certa, buscando profissionais que tinham capacidade, competência e talento. Nenhum chef é completo."
Mas acho que quem está iniciando tem que estar atento a todas as informações de pessoas que têm mais experiência do que ele. Isso foi uma das coisas que mais fiz na vida. Foi beber a água na fonte certa, buscando profissionais que tinham capacidade, competência e talento. Nenhum chef é completo."
Evoluir na cozinha, seja buscando a profissionalização ou por puro diletantismo, só via estudo."Aprendi com 17 anos que, se não estudasse, não seria profissional. No passado, quando cozinha no Brasil era subemprego, nem livro direito tinha para pesquisar. Hoje, com a internet, a pessoa digita uma palavra e vai atrás do nome do prato, do vegetal.
Isso prepara muito melhor o profissional do que no passado."
Isso prepara muito melhor o profissional do que no passado."
Mas o acesso fácil que o meio digital proporciona é só uma parte. "Muitas vezes, a pessoa tem talento, gosta de comer bem, lê muito, mas, quando entra na mão um novo ingrediente não sabe desenvolvê-lo, harmonizá-lo. Enfim, não tem pegada. Ser um profissional de cozinha ou um cozinheiro de alto padrão vai depender de experiência, talento, convivência com outros profissionais, autocrítica. Uma cozinha tem os mesmos ingredientes, mas mãos diferentes. Você pode escrever uma mesma frase com vários significados."
A família está sempre muito próxima.
O curso on-line está sendo produzido com seu filho caçula, Bruno, e sua nora, Mayra. Bruno também está à frente da hamburgueria Soul Jazz, enquanto Naiara, a filha do meio (a mais velha é Bárbara), comanda o La Palma, pizzaria e restaurante. Ambos ficam próximos, também na região da Pampulha.
O curso on-line está sendo produzido com seu filho caçula, Bruno, e sua nora, Mayra. Bruno também está à frente da hamburgueria Soul Jazz, enquanto Naiara, a filha do meio (a mais velha é Bárbara), comanda o La Palma, pizzaria e restaurante. Ambos ficam próximos, também na região da Pampulha.
Faria ajudou muito os filhos no início dos empreendimentos. Hoje, prefere acompanhar tudo de longe. "Eles voltaram a abrir, com muita restrição. Com a situação que estamos vivendo, aberto só na hora do almoço, não funciona."
Nos vídeos que vêm alimentando suas redes sociais Faria ensina o que dá vontade.
Ambrosia, tartar de tomate, sopa de frutos do mar. "Acho que não tem ninguém muito feliz trabalhando em casa, todo mundo quer ter sua liberdade. E a minha profissão, em que você trabalha no corpo a corpo com o cliente, fica mais complicada." Mas como não há outra maneira, tudo o que prepara vem da cozinha de sua residência.
Ambrosia, tartar de tomate, sopa de frutos do mar. "Acho que não tem ninguém muito feliz trabalhando em casa, todo mundo quer ter sua liberdade. E a minha profissão, em que você trabalha no corpo a corpo com o cliente, fica mais complicada." Mas como não há outra maneira, tudo o que prepara vem da cozinha de sua residência.
Com ele não tem frescura. Adora sair para comer comida mineira, prefere ir a botequins. "Gosto de um ambiente mais tranquilo, sem muita frescuragem. Mas se vou a São Paulo ou a qualquer outra cidade para conhecer o restaurante tal, vou a lugares sofisticados. Mas hoje, com essa pandemia, não dá nem para pensar nisso.
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Dessa maneira, Faria vai se virando em casa. Para suas próprias refeições, o chef é como qualquer outro. "Em casa, prefiro comer bem o básico, o tradicional, não fico inventando muito." E, muitas vezes, ele deixa a tarefa para os outros, seja sua mulher ou um dos filhos. "Gosto de comida bem-feita, muito do que a gente come no nosso dia a dia." Não falta em casa o tradicionalíssimo frango com quiabo. É comida de afeto, pois era o prato que sua mãe, Jordelina, mais cozinhava.