Cachaça deixou de ser bebida para abrir o apetite ou afogar as mágoas. Pode muito bem acompanhar um prato. A mudança se justifica primeiro pelo trabalho de produtores mineiros, que investem em tecnologia para entregar ao mercado um produto de qualidade. Os profissionais de bares e restaurantes em Belo Horizonte também ajudam a elevar a cachaça, usando a criatividade para preparar drinques bem mais complexos que caipirinha.
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Depois de refrigerante, cerveja e água de coco, a cachaça é a bebida da vez para Luiz Otávio Pôssas Gonçalves. Há 36 anos, o empresário produz a Vale Verde, em Betim, Grande BH, que está sempre entre os melhores rótulos do Brasil. Todo o processo é inspirado em técnicas utilizadas nas destilarias europeias de uísque. “Cachaça pegou má fama, não sem motivo, porque sempre foi feita sem muito cuidado. Nós utilizamos tecnologia diferenciada e fermentação natural, o que resulta em uma bebida de qualidade muito superior”, informa.
A cachaça Extra Premium é 100% envelhecida em carvalho por três anos, enquanto a Minha Deusa fica armazenada em toneis de grápia. Já a prata não passa pelos barris de madeira, sai da destilação direto para a garrafa. Pensando no público jovem, a marca lançou a Vale Verde Hibisco, uma mistura de cachaça com flores de hibisco, mel e limão. O empresário ainda usa a cachaça para fazer o Licor do Mestre, que contém oito extratos naturais de ervas.
Atento às mudanças do mercado, Luiz Otávio observa que a cachaça não perde mais para outros destilados. “Há muito tempo, você chegava no balcão do botequim e pedia uma branquinha. A cachaça foi deixando de ser comodite para ser um produto de marca e hoje vemos as pessoas pedindo uma dose de Vale Verde no restaurante”, destaca.
José Cléber Santiago faz parte da terceira geração de uma família produtora de cachaça em Salinas, no Norte de Minas. O seu avó, Anísio Santiago, iniciou o negócio na década de 1940 e ajudou a mostrar o valor da bebida através da qualidade. Hoje a cidade é reconhecida como a capital nacional da cachaça. “Em nenhum outro lugar existe uma cachaça igual. É como o terroir do champanhe, envolve temperatura, chuva que falta na hora certa na maturação da cana”, detalha.
O processo de produção é o mesmo de décadas atrás, incluindo o uso de cana-de-açúcar própria, que tem selo de orgânico, e o fermento caipira (milho triturado), ou seja, tudo é artesanal. Do alambique, saem a cachaça Havana (mantida em dorna de bálsamo por 10 anos ou mais) e a Anísio Santiago (com um ano de envelhecimento na mesma madeira). Ainda tem a edição comemorativa da Havana, envelhecida por 14 anos. Seguindo a tradição do avó, a família não vende cachaçaa branca.
Diretor de produção do alambique, José Cléber não tem planos de expandir a produção, que hoje varia entre 10 mil e 12 mil litros por ano. O que ele quer mesmo é estimular o consumo da bebida. “Sou o presidente da Associação dos Produtores Artesanais de Cachaça de Salinas (Apacs) e estamos fazendo um trabalho de conscientização para quebrar qualquer preconceito. Já percebo mudança, porque o jovem tem trocado a vodca por uma boa cachaça”, observa.
Apesar da pouca idade (quatro anos), a Tiê, de Aiuruoca, no Sul de Minas, preserva o sabor das antigas. “Mantivemos aquela cachaça de raiz, bem mineira, com sabor autêntico. A nossa cachaça branca tem aroma marcante da cana-de-açúcar e ainda uma suavidade que não a deixa queimar”, explica uma das sócias, Cris Amin. Ela fechou a sua empresa de agenciamento de artistas, em São Paulo, para se dedicar à produção e até se tornou sommelier de cachaça.
MEDALHAS A marca oferece dois tipos de cachaça, a prata (alambicada por seis meses em inox) e a ouro (que fica um ano e meio em barril de carvalho europeu). Em quatro anos, já conquistou 18 medalhas internacionais. “Acredito que cachaça também é terroir. Além disso, os nossos mestres alambiqueiros, que são pai e filho, fazem o fermento caipira de maneira incrível e controlam o fogo pelo cheiro”, aponta. Para manter o padrão, o alambique cuida desde o plantio da cana-de-açúcar até a finalização na garrafa.
Outra bebida produzida pela Tiê é a canelinha, que resulta da cachaça ouro com mais um ano de infusão em pau de canela, e nada mais. Cris adianta que o alambique está fazendo testes com barris de bálsamo e jatobá e o próximo lançamento pode ser uma cachaça envelhecida em um blend de madeiras. “Não temos a pretensão de crescer muito, gostamos do charme do artesanal.” Por ano, a empresa fabrica de 25 mil a 30 mil litros de cachaça e não sobra nem uma garrafa no estoque.
Drinques criativos
Para aproximar o público da cachaça, a estratégia de Jocássia Coelho, bartender do Capitão Leitão, é oferecer drinques com conceito, em vez de simplesmente um shot. Como o restaurante é português, ela criou receitas inspiradas em Fernando Pessoa. “Acho que poesia e coquetelaria têm tudo a ver, porque ambas são formas de expressar arte”, aponta.
Um dos drinques ganhou o nome de A Brasileira, nome do café preferido do poeta em Lisboa. Tem cachaça envelhecida em bálsamo, licor de café, café espresso, xarope simples (mistura de água e açúcar) e limão. Com a cachaça branca, ela faz o Cancioneiro, usando vinho do porto, flor de laranjeira, limão galego, espuma de gengibre, noz-moscada ralada e casca do limão desidratada, e O guardador de rebanhos, com licor de laranja, suco de cambuci e cristais cítricos (casca de limão, laranja e gengibre desidratados e triturados). Jocássia explique que esta é uma versão mineira do mexicano margarita.
“Quero mostrar que cachaça combina com qualquer sabor, mas tenho que conseguir harmonizar para a pessoa não sentir só o álcool. Vejo que é quebra de paradigma”, opina.
Só por ser genuinamente brasileira, a cachaça tem espaço garantido nas receitas de Cibele Guimarães, mais conhecida como Jezebel. E ela percebe uma mudança no público. “Ela tem saído da marginalização e caído no gosto popular. As pessoas estão descobrindo que é uma bebida agradável, basta saber o que seu paladar aceita melhor.” Outro motivo é a versatilidade da bebida. Segundo a bartender, dá para fazer inúmeras e inusitadas combinações, inclusive com outras bebidas alcoólicas.
Em um dos drinques que criou para o Yanã Bar, Jezebel mistura cachaça branca infusionada em alecrim com vinho branco Chardonnay. Ainda tem suco de limão e xarope de banana verde. Para fazer a outra receita, ela escolheu uma cachaça de jambu (planta da Amazônia) produzida em BH. “Fui trabalhar sabores que combinavam e não tirariam a principal característica do jambu, de anestesiar a língua.” Os ingredientes escolhidos são semente de coentro, xarope de maçã verde e suco de limão galego.
Em um dos drinques que criou para o Yanã Bar, Jezebel mistura cachaça branca infusionada em alecrim com vinho branco Chardonnay. Ainda tem suco de limão e xarope de banana verde. Para fazer a outra receita, ela escolheu uma cachaça de jambu (planta da Amazônia) produzida em BH. “Fui trabalhar sabores que combinavam e não tirariam a principal característica do jambu, de anestesiar a língua.” Os ingredientes escolhidos são semente de coentro, xarope de maçã verde e suco de limão galego.
Com um único drinque, Giselle Salviano, do Eva, tenta quebrar dois preconceitos: um de que cachaça se resume a caipirinha e outro de que tomate só vira bloody mary. A escolha do destilado coincide com a proposta da casa de fazer da cachaça o novo gim, ou seja, a bebida da vez. Nesta receita, ela usa cachaça envelhecida em barris de carvalho por três anos.
Já que o restaurante é italiano, nada melhor que valorizar o tomate também nos coquetéis. “Uso o tomate andrea, mesmo que vai na burrata, que é o carro-chefe da casa. Só que na burrata ele é confitado e no drinque vai inteiro macerado com limão siciliano, basílico e xarope de flor de sabugueiro”, explica. Giselle ainda acrescenta uma calda que prepara com tomates e xarope simples. Para finalizar, um ramo de alecrim flambado na hora na borda do copo.
A brasileira
(Jocássia Coelho)
4 Ingredientes
40ml de cachaça envelhecida em bálsamo; 40ml de licor de café; 40ml de café expresso; 15ml de suco de limão taiti; 15ml de xarope simples; café torrado para decorar
40ml de cachaça envelhecida em bálsamo; 40ml de licor de café; 40ml de café expresso; 15ml de suco de limão taiti; 15ml de xarope simples; café torrado para decorar
Modo de fazer
Primeiro gele a taça. Depois bata todos os ingredientes na coqueteleira. Coe no copo já sem gelo de forma a alongar o fio e gerar espuma. Decore com grãos de café torrado.
Eva
(Giselle Salviano)
Ingredientes
50ml de cachaça envelhecida em carvalho; 6 unidades de tomate andrea; 1 folha de basílico; 30 ml de limão siciliano; 8ml de xarope de flor de sabugueiro; 3ml de calda de tomate; 1 ramo de alecrim
Modo de fazer
Em um copo baixo, macere os tomates com basílico, limão siciliano e calda de tomate. Acrescente a dose de cachaça e complete com gelo. Bata na coqueteleira e coe duplamente com gelo. Flambe o alecrim na beira do copo para aromatizar o coquetel.
Em um copo baixo, macere os tomates com basílico, limão siciliano e calda de tomate. Acrescente a dose de cachaça e complete com gelo. Bata na coqueteleira e coe duplamente com gelo. Flambe o alecrim na beira do copo para aromatizar o coquetel.
Yanã
(Cibele Guimarães)
Ingredientes
50ml de cachaça infusionada em alecrim; 40ml de vinho Chardonnay; 30ml de xarope de banana verde; 15ml de suco fresco de limão taiti; 1 galho de alecrim
50ml de cachaça infusionada em alecrim; 40ml de vinho Chardonnay; 30ml de xarope de banana verde; 15ml de suco fresco de limão taiti; 1 galho de alecrim
Modo de fazer
Reserve 15ml do xarope de banana verde. Numa coqueteleira, junte todos os outros ingredientes com 10 pedras de gelo e sacuda para que eles se misturem. Coe em uma taça ou copo de sua preferência. Coloque cubos de gelo e o restante do xarope.
Reserve 15ml do xarope de banana verde. Numa coqueteleira, junte todos os outros ingredientes com 10 pedras de gelo e sacuda para que eles se misturem. Coe em uma taça ou copo de sua preferência. Coloque cubos de gelo e o restante do xarope.