Completou o copo e, brincando com a espuma rica, a espalhou pelo rosto. Compôs uma barba tosca e enquadrou-se para uma selfie
Quarenta e sete minutos de aula, e ela se perguntando se fizera mesmo a escolha certa. Em meia hora, já tinha ouvido palavras, termos e expressões que jamais escutara vida afora. Aflição! Aflição!! Notou que boa parte do que era apresentado tinha relação com o universo da química, outra à biologia, outra a sei lá o quê... E não é que, anos atrás, se decidira pelo estudo da filosofia e então se via aliviada por não ter mais de compreender aqueles fenômenos que se resumiam numa complexa equação – ou em várias.
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Agigantou-se aquele silêncio, e veio a sensação de que todos os olhares se voltavam a ela, envolvidos numa nesga de compaixão quase misericordiosa e numa ponta de espanto. Ela se encolheu na cadeira, e aqueles segundos pareciam durar uma eternidade... O bastante para que alfa-ácidos, beta-ácidos, polifenóis, isomerização, pitching rate, off-flavor, atenuação, trub... tudo aquilo girasse em piruetas pelos cantos do cérebro.
O mestre respirou pausadamente.
– Existem coisas que a gente faz na vida quase de um jeito autômato. Pode até dar certo, ficar bom. Mas a gente tem a chance de fazer tudo melhor quando compreende os porquês, não acha? E o bom da festa é isto: ter a chance de abrir ao outro também a janela da capacidade autoral. Que tal?
Ela se reaninhou, a sombra do constrangimento emergindo como um fantasma, e foi se prometendo, como num mantra, jamais elaborar questionamentos tão tolos. Daí, o mestre virou-se de novo. Ao dar com a cena, temeu pelo pior...
– Ah, e não se envergonhe da pergunta. Essa inquietação fast-food não é só sua.
E emendou com uma máxima que ela já havia ouvido por aí.
– É como se a gente tentasse chegar ao 10 sem passar pelo 6.
Ufa! Aquilo a aliviava. E não é que também ensinava!! Então, ela pensou no mestre, tempos depois, enquanto girava o malte com a pá cervejeira numa cadência toda especial, a que o cozimento fosse homogêneo, ou ao lavar os grãos sem pressa, a que transferisse o aproveitamento perfeito para poder finalmente iniciar a fervura. E lembrou-se dele uma vez mais ao dar um toque pessoal àquela composição nova de lúpulos. Aroma singular. Compreendendo, enfim, que não era química. Era quase alquimia.
Dali para a geladeira, a fermentação cuidadosa e paciente que ajudaria a dar em boa cerveja. E naquela sexta-feira, terceira garrafa, lua plena, os sabores abraçando das papilas à alma, o sentimento que lhe chegava era decididamente de leveza e agradecimento. Ameninou-se, correu à cozinha e tomou a espátula às mãos.
>> A coluna Espuma essencial, que estreia hoje, será publicada quinzenalmente .