Nem pensar em fazer o óbvio. Fabrício Lemos se valeu de muita ousadia para apresentar um novo conceito de comida baiana. Há dois anos, ele abriu em Salvador um restaurante de menu degustação, algo inédito na cidade. Os pratos também surpreendem. Isso porque o chef trabalha de forma inovadora com ingredientes típicos, alguns desconhecidos até pelos nativos. E, aos poucos, o Origem se torna referência em cozinha baiana com originalidade.
Fabrício sempre quis seguir um caminho diferente. O baiano abriu mão de uma carreira consolidada nos Estados Unidos, onde trabalhava na rede de hotéis de luxo Ritz-Carlton, para lutar pela valorização do seu estado. “Não tinha o tal sonho americano.
Com uma mochila nas costas, Fabrício começou a explorar territórios baianos a fim de mapear produtos com identidade. As viagens também servem como inspiração para pensar todos os dias em novos pratos. Na virada do ano, o restaurante lançou o menu “Bahia além do dendê” para reforçar a ideia de fugir dos clichês. “Existem muitos outros ingredientes que precisam ser mostrados”, avisa. O chef já até criou o Instituto Ori para catalogar as descobertas das expedições.
O licuri, originário da caatinga, é um dos produtos que enchem os olhos de Fabrício. “Além de ser muito versátil, porque dá para desde extrair óleo até torrar a amêndoa, ele lembra a minha infância, mas está em desuso nos mercados porque ninguém mais sabe o que é”, aponta. Com sabor de coco seco e notas amendoadas, o licuri é chamado de avelã brasileira.
Na cozinha do Origem, o aipim (ou mandioca) tem lugar garantido. Fabrício faz nhoque para servir com carne de sol e transforma a goma em beiju seco que tem recheio de ragu de cabrito (filhote de bode). A carne de bode, aliás, é outro ingrediente local que ganha protagonismo nos pratos do chef. “Muitos torcem o nariz para a carne de bode por causa do ranço, mas isso só acontece quando o animal é criado solto, comendo de tudo”, informa.
A carne de fumeiro (porco defumado), típica da cidade de Maragogipe, no Recôncavo Baiano, também aparece com frequência, inclusive no sanduíche com pão delícia da Bahia. “Tentei traduzir um pouco da minha infância nele porque, quando era criança, gostava de comer sanduíche americano. Então, coloco requeijão manteiga da nossa região em vez de muçarela, carne de fumeiro no lugar do presunto, ovo de codorna e salada de alface com tomate”, detalha. Já a fruta-pão, que tem textura de mandioca depois de cozida, vira purê para acompanhar uma posta de robalo e cogumelos.
Todos os dias, Fabrício encara a missão de servir o que encontra de melhor no mercado. Por isso, não fica preso a nenhum ingrediente e só na véspera bate o martelo sobre o que vai cozinhar.
Carne do sol com nhoque de mandioca e cogumelos
Ingredientes
1kg de raquete (ombro); 20g de sal; 500g de mandioca cozida e amassada; 50g parmesão ralado; 50g farinha de trigo; manteiga de garrafa; 50g de shitake; 50g shimeji
Modo de fazer
Espalhe o sal pela raquete por duas horas. Em seguida, coloque a carne em um recipiente aberto na geladeira por mais seis horas antes de utilizá-la. Corte em pedaços de 200g. Para o nhoque, misture a mandioca amassada com a farinha de trigo e o queijo. Modele em formato de bolinhas de 10g. Em uma frigideira antiaderente, adicione um fio de manteiga de garrafa e doure os nhoques. Em seguida, adicione os cogumelos, tempere o sal e reserve. Para finalizar o prato, coloque a carne de sol em uma frigideira antiaderente bem aquecida com a manteiga de garrafa até dourar.
forno a 200 graus por 6 minutos. Sirva com nhoque e cogumelos.
Pratos com alma
O nome Origem não foi escolhido por acaso. Além de contar um pouco da história da Bahia através de ingredientes típicos, os pratos do restaurante são preenchidos por memórias de Fabrício Lemos e Lisiane Arouca, que assina as sobremesas. “Era comum encontrar comida bem-elaborada, mas sem alma, então viemos na contramão de tudo, com uma linguagem simples e sabores marcantes”, aponta o chef, que conheceu a esposa e sócia em uma das cozinhas onde trabalhou em Salvador.
Lisiane cresceu em Amargosa, no interior da Bahia, onde aprendeu a cozinhar doces. “A maioria das receitas que tenho no meu caderno são as que fazia lá quando era criança. Então, desde o início, busquei sabores mais afetivos, que agradam meu paladar”, diz.
A avó é uma das referências mais marcantes. Com ela, a chef aprendeu a fazer ambrosia, que se mistura a creme de queijo e frutas vermelhas em uma das sobremesas do Origem. Lisiane também homenageia o pai ao fazer doce de umbu. “Quando era criança, em vez vitamina de bananao meu pai preparava umbuzada para a gente antes de ir para a escola”, conta.
Para conhecer sabores tradicionais da Bahia, nada melhor que experimentar quatro doces que chegam à mesa em uma caixa fechada: bolinho de estudante (à base de tapioca) com coco frito e doce de leite; cestinha de harumaki com brigadeiro de queijo, creme de goiabada e sorvete de nata goiaba (esse sabor de sorvete tem em toda sorveteria baiana); tarteleti com creme de queijo parmesão e ambrosia; e, por último, torta búlgara (à base de chocolate que tem consistência de pudim) com cocada de manjericão.
Em dois anos, Lisiane estima que já criou em torno de 70 receitas. “Servimos duas sobremesas no menu degustação, à primeira mais refrescante, leve e frutada, e a segunda mais reconfortante, a base de chocolate, caramelo ou doce de leite.”, explica. Na primeira etapa, uma das mais pedidas é a de tangerina, que apresenta cinco texturas da fruta (bolo, creme, tuile, in natura e raspadinha). Para finalizar, uma das sugestões é o sonho com doce de leite, sorvete de leite, creme inglês de amburana e algodão-doce.