Na boêmia Belo Horizonte, misteriosos encontros organizados por um chef carioca reúnem comensais famintos e curiosos, que não se conhecem. Regado à cerveja, o menu é secreto e desperta nos convidados as mais variadas sensações. Seu paladar é conservador? Cuidado: a experiência pode transformá-lo num apreciador de cheesecake salgado e iguarias afins.
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Zito Cavalcante temperou seu projeto com um enredo criativo. A Panela é uma espécie de clube inspirado nos bares secretos americanos dos anos 1920 e 1930, quando vigorava a Lei Seca. Proibido por meio da 18ª Emenda da Constituição dos EUA, o comércio de bebidas alcoólicas era feito clandestinamente, sob máxima discrição. “E como bebida chama comida, nessas reuniões também se preparavam memoráveis refeições”, explica Cavalcante.
As reservas são feitas por meio do site do evento ou WhatsApp, sob instigante clima de suspense. Tudo o que o interessado precisa informar é nome, e-mail, número de celular e com quantas pessoas pretende ir ao jantar (são permitidos até cinco acompanhantes). Assim que surgem as vagas desejadas (o que pode demorar algumas semanas), a organização entra em contato com o cliente para informar o local, a data, horário e o valor do evento (R$ 120, pagos via depósito bancário). Os comensais confirmados recebem então uma senha, que deve ser dita à recepcionista logo na porta do salão – no caso, o terraço da casa da sogra de Zito.
SEM SPOILER A única pista dada aos participantes sobre a ceia é que ela composta de quatro pratos, cada um harmonizado com um tipo de cerveja artesanal, incluindo a sobremesa.
“A bebida sempre foi uma paixão. Mas tudo começou mesmo em 2013, quando o Barbosa, restaurante e empório em que eu trabalhava, no Rio de Janeiro, me desafiou a usar ingredientes cervejeiros – malte, lúpulo, levedura, e a própria cerveja – na preparação de um menu completo. Até que me especializei nisso: fui estudar, me formei sommelier de cerveja. A partir disso, formatei o que seria A Panela, cujo cardápio é sempre harmonizado com a bebida. As combinações, no entanto, sempre fogem do óbvio”, diz Zito Cavalcante.
A mesa em que o chef recebe o público é montada em estilo rústico, com vários talheres cruzados sobre o sousplat. A ideia é deixar as pessoas à vontade, desobrigadas ao cumprimento de normas de etiqueta e protocolos afins.
“Não somos uma prestadora de serviço, mas de oportunidade. Nos jantares, procuro provocar, primeiro, o desconforto. A maioria das pessoas está muito acomodada em relação à comida. É muito fácil vivenciar coisas ‘escolhendo’ todos os passos da vivência. Quanto você não escolhe, acaba trilhando um caminho que termina numa surpresa muito maior. O desconhecido, a confusão inicial potencializa a experiência porque provoca no convidado um encontro muito mais potente não só com os sabores, mas também com os próprios sentidos, as próprias lembranças, gostos, sabores e histórias envolvidas no ato de comer”, descreve Cavalcante.
Revelar o cardápio atual é naturalmente um “spoiler” do qual o leitor será poupado. Os pratos servidos nos episódios anteriores, contudo, constituem um bom “trailer” do que convidado pode esperar. Quem participou da quarta temporada (realizada no segundo semestre de 2017), encarou, logo na entrada, o cheesecake de capim limão, com torresmo de lombo curado, azedinha e cominho. A iguaria foi acompanhada de uma cerveja do tipo Berliner Weisse, com notas e maracujá e laranja-da-terra.
Não demora para que as combinações inusitadas se transformem em deixas para conversas, piadas e comentários entre os clientes. Cinco goles e algumas garfadas depois, o constrangimento inicial de dividir a mesa com desconhecidos dá lugar a interações pessoais do tipo: “Mas você vai dispensar esse pedaço? Pode me dar que eu como!”.
Um projeto de vida
Entre uma degustação e outra, o chef Zito Cavalcante aparece para se integrar ao bate-papo. Num desses momentos, conta sua trajetória até a cozinha – produto de uma combinação pouco óbvia, mas bem-sucedida entre navegação fluvial e gastronomia. “Fiz faculdade de construção e manutenção de sistemas de navegação fluvial em Jaú (São Paulo). Sempre fui o ‘cozinheiro’ da minha república e me identifiquei muito com a cena gastronômica e cultural do município. Durante o curso, acabei me envolvendo com esse universo de bares e restaurantes. Tomei muito gosto pela culinária e, daí, quando voltei para o Rio, fui para a escola de gastronomia. Depois me formei no Italian Culinary Institute for Foreigners, na Serra Gaúcha, e nunca mais voltei para a navegação fluvial. Nem pretendo!”, relata o chef.
A Panela, que ele define como “projeto de sua vida”, nasceu depois de uma viagem feita em 2014, na qual Zito passou 50 dias cozinhando pelo Brasil.
Ao longo da carreira, o profissional diz que chegou a comandar as panelas de alguns restaurantes tradicionais. E é justamente por conhecer os bastidores do cânone da gastronomia que ele decidiu montar um antirrestaurante. “Não sou contra restaurante, de maneira alguma. Mas algumas coisas me incomodavam. Por exemplo, a cultura do assédio aos profissionais – um comportamento visto como normal nas cozinhas, mas que não deveria ser. Também nunca me adaptei aos clichês gastronômicos. Por fim, não concordo com o uso de ingredientes caríssimos apenas para clientes selecionados, outro costume do ramo. Ainda mais que há tantas coisas valiosas produzidas no nosso quintal. Diante disso, me restou montar o meu próprio projeto. Foi o que fiz.”
PARA DESFRUTAR AO MÁXIMO
Nesse modelo de serviço, a ideia é criar um clima intimista, em que os comensais se sintam bem à vontade. Aproveita melhor a experiência, contudo, quem observa as seguintes regrinhas:
>> Não chegue atrasado
>> Não fale muito alto: lembre-se de que antirrestaurantes, geralmente, funcionam em residências
>> Não invada a privacidade alheia: evite percorrer as demais dependências da casa sem ser convidado
>> Informe aos organizadores sobre suas restrições alimentares. Assim, eles podem se preparar para recebê-lo adequadamente
>> Vá com disposição para conhecer coisas novas
A PANELA – ANTIRRESTAURANTE
Jantares realizados às segundas e quintas-feiras sob o comando do chef Zito Cavalcante. Jantar de quatro pratos harmonizados com cervejas: R$ 120. Solicitações de reservas e outras informações: https://www.apanela.com.br/. Sexta temporada em BH vai até 16 de agosto..