Quando se fala em café, logo vem à cabeça sobremesas clássicas como tiramisu e afogatto, ou simplesmente uma xícara de espresso. Ainda existem poucas referências de receitas salgadas com a bebida em Belo Horizonte, mas alguns chefs tentam mudar essa realidade. Para comemorar o Dia Mundial do Café (14 de abril), conheça pratos em que o sabor do grão se destaca. A bebida tem o poder de levar amargor, acidez e até dulçor para a comida, dependendo do tipo de grão e do processo de torra.
Cozinha é como um laboratório para a chef Sabrina Gomide. Por isso, ela sempre se desafia a testar maneiras criativas de utilizar produtos simples em suas receitas. “Gosto de brincar com ingredientes que fazem parte do nosso cotidiano, mas que não temos o hábito de usá-los na culinária, e o café é um deles. Podemos sentir o sabor dele no tiramisu, em um bolo no lanche da tarde, mas no prato principal não é muito comum”, comenta. Na hora de pensar em uma proposta diferente de risoto, para acompanhar um bife de chorizo, ela logo pensou no café.
A lógica é harmonizar ingredientes com potência equivalente. Logo, o café pode ser um ótimo acompanhamento para as carnes vermelhas. “Se vou trabalhar com uma carne com muita gordura, tenho que combinar com um ingrediente forte como o café para que os sabores se equilibrem na boca”, explica.
Para cozinhar, Sabrina prefere o café expresso, que tem maior concentração de sabor (o coado não fica tão potente). Quem não tem máquina de espresso em casa pode passar o café moído, desde que seja com pouca água – ela recomenda seguir a proporção de duas colheres de sopa de café para uma xícara de água. No caso do risoto, a bebida é utilizada para cozinhar os grãos de arroz, que têm mais tempo para pegar o gosto. “Uso também caldo de legumes para que o sabor do café seja perceptível, mas não enjoativo. Como é um paladar muito novo, algumas pessoas podem estranhar.”
A chef utiliza também os grãos para fazer uma farofa. A receita é simples: basta torra o café granulado (que não está totalmente moído), passar os grãos na manteiga, misturar com farinha panko e temperar com sal e pimenta do reino. De acordo com Sabrina, a farofa combina bem com carne de porco ou pode até ser um complemento para saladas. “Quando criamos uma receita, buscamos vários elementos e um deles é a textura. Se formos preparar, por exemplo, um filé-mignon suíno, que é uma carne bem macia, podemos brincar com os grãos de café para levar crocância ao prato”, aponta.
TORRA ACENTUADA Já o curitibano Daniel Mantovani, que assumiu a cozinha do Atmosphera Mocca Coffee and Meals, aproveita os grãos em um novo prato: nhoque de batata-baroa com creme de amêndoas e molho de café. A Itália é o país que inspira o cardápio do mês, no projeto Mocca pelo Mundo, e a bebida não poderia ficar de fora. “Entro com o café espresso no fim da preparação para que os sabores fiquem bem vivos. Conseguimos identificar amargor, acidez e um adocicado, porque uso um grão com torra bem acentuada, então tem notas de caramelo”, descreve. Dessa forma, o chef também consegue fazer com o cliente sinta o aroma do café assim que o prato chega à mesa.
Diante da enorme variedade de grãos e formas de preparo, Daniel enxerga que o café será cada vez mais usado na gastronomia, inclusive em pratos salgados. Ao mesmo tempo, as pessoas estão mais dispostas a descobrir novas possibilidades da bebida. Para quem pensa em cozinhar com o café, as dicas são: selecionar um produto de qualidade e buscar o tipo de grão que combina melhor com a sua receita. “Cuidado na hora de adicionar o café porque é muito fácil de passar do ponto, tanto em relação à acidez quanto ao amargor, e isso pode estragar o prato”, acrescenta.
Nhoque de
batata-baroa ao
creme de amêndoas
e redução de café
(Daniel Mantovani)
4 ingredientes
400g de batata-baroa descascada; 250g de farinha de trigo; 1 ovo; noz-moscada, sal e pimenta do reino a gosto; 1 cebola pequena; 1 ramo de tomilho; 1 ramo de alecrim; 1 pedaço pequeno de alho-poró; 50g de manteiga; 50g de farinha de amêndoas; 100g de amêndoas laminadas; 50ml de leite integral; sal e pimenta do reino a gosto; 4 xícaras de café expresso; 50ml de caldo de legumes; 50ml de caldo de carne; 1 pedaço de canela em pau pequeno; 1 anis-estrelado
Modo de fazer
Leve a batata-baroa ao forno com as ervas, cebola e alho-poró. Cubra com papel-alumínio. Quando ela estiver macia, retire as ervas, cebola e alho-poró e amasse até chegar a uma textura de purê. Deixe esfriar. Acrescente o ovo e a farinha até a massa ficar firme e homogênea. Tempere com sal, noz-moscada e pimenta do reino a gosto. Modele a massa e corte no tamanho do nhoque desejado. Cozinhe em água fervendo. Assim que o nhoque subir, retire da água e reserve. Para o creme de amêndoas, doure as amêndoas laminadas na frigideira com um pouco de manteiga e reserve. Numa panela, coloque a manteiga com a farinha de amêndoas. Deixe dourar e acrescente o leite. Cozinhe até atingir a textura de creme. Misture as amêndoas laminadas. Em seguida, misture o creme ao nhoque. Para a redução de café, levar ao fogo brando o caldo de legumes, o caldo de carne, a canela e o anis-estrelado. Deixe reduzir até 50% do volume inicial. Retire a canela e o anis-estrelado. Acrescente o café e deixe cozinhar por mais 10 min. Corrija o sal. Sirva a redução de café por cima do nhoque.
Risoto de miniarroz com café espresso
(Sabrina Gomide)
4 Ingredientes
1 copo de miniarroz; 1 cápsula de café espresso; 1 cebola pequena picada; 4 copos de água; 1 ramo de alecrim/ 1/2 suco
de limão siciliano; 2 colheres de sopa de óleo de gergelim
4 Modo de fazer
Refogue a cebola no óleo de gergelim e acrescente o arroz. Refogue um pouco o arroz, acrescente a água e o alecrim. Deixe cozinhar em fogo brando até ficar ao dente. Quando estiver quase cozido, coloque o café espresso. Acrescente o limão. Apague o fogo, tampe a panela e deixe terminar o cozimento só com o calor interno. Se quiser, acrescente uma manteiga ou creme de leite.
Com carne de porco
Café faz parte da vida de Eduardo Maya. O gastrônomo não abre mão de tomar uma xícara todos os dias, já fez cursos de degustação e harmonização e tem plantação na Região Centro-Oeste de Minas (a primeira colheita está prevista para daqui dois anos). A mais recente forma de expressar a sua paixão pela bebida é uma redonda que deve entrar em breve no cardápio da Pitza 1780. O novo sabor mistura bacon, melado de cana e café espresso. “O amargo do café faz o contraponto ao sabor salgado e defumado do bacon e o doce do melado. É um ineditismo completo”, destaca.
A mistura não soa nada estranha para Eduardo. “Para mim, carne combina muito bem com café”, diz o gastrônomo, que já serviu diferentes cortes com molho ou crosta preparados a partir dos grãos. Para fazer a pizza, ele deixa o bacon imerso por pelo menos duas horas em uma vasilha com café e melado. Por cima da base de molho de tomate e muçarela vão pedaços de bacon marinados e um pouco da mistura líquida. Depois que sai do forno, a redonda ainda ganha uma camada de couve picada.
Quando abriram o Café Magrí, a barista Marília Balzani e o chef Rafael Brito decidiram investir em comidas, além dos triviais pão de queijo e bolo, que harmonizassem com a bebida. Com isso, os grãos chegaram às receitas salgadas. “O café enriquece muito a comida. Além de ser mais uma camada de sabor, tem nuances que ajudam a lembrar outros ingredientes”, ela opina. Lá, pode-se experimentar sanduíche de pão italiano de fermentação natural com carne louca (lagarto cozido por horas e desfiado), café, queijo canastra e bacon ou empanada de carne de porco com abacaxi caramelizado e café. Para a surpresa dos donos, esses são os itens mais vendidos do cardápio.
A dupla utiliza nas receitas café espresso extraído na hora. Atualmente, os grãos vêm da região das Matas de Minas. “É uma bebida bem encorpada, com baixa acidez e adocicado que lembra rapadura e melado de cana. Às vezes, também pode lembrar chocolate”, detalha Marília. No recheio da empanada, o café realça a doçura do abacaxi e também potencializa o sabor caramelizado. A barista sugere harmonizar com dois drinques gelados não alcoólicos com café, um com xarope de alguma fruta do cerrado (seriguela, pitanga ou acerola) e água com gás e outro com suco de laranja e gelo de capim santo.