Praia está longe de ser o interesse de Ricardo Martins na Tailândia. Enquanto a maioria dos turistas querem ver as paisagens do litoral, o chef segue rotas alternativas em busca de novos sabores. Na última viagem, nenhum endereço estrelado estava no roteiro. “Fui me entranhando em lugares que ninguém imagina. Sentava no restaurante e, quando gostava da comida, pedia para a cozinheira me dar aula. Muitas eram senhoras que nem falavam inglês”, conta. Todo esse conhecimento, que não se encontra em livros de receita, ajuda a aprimorar o cardápio do Uaithai, em Tiradentes.
Há três anos na cidade histórica, o restaurante propõe uma fusão de sabores. Ricardo não nega a sua preferência pela comida tailandesa. “Para mim, é a melhor do mundo, porque consegue equilibrar perfeitamente os quatro sabores: doce, salgado, ácido e amargo. E ainda tem o picante, que sempre me encantou”, opina. Mas não espere encontrar reproduções exatas dos pratos de lá. O chef preserva uma liberdade criativa para servir pratos essencialmente autorais. Nessa mistura, identificamos muito de Minas Gerais, como o torresmo e o refogado, e de outras descobertas pelo mundo.
Aí vai um exemplo: o mangethai, criação de Ricardo com clara influência tailandesa. O salteado de filé-mignon em tiras mistura legumes como vagem e ervilha, além de amendoim, cogumelo shitake, gengibre e tâmaras. Para acompanhar, abobrinhas grelhadas com garam masala. O prato ainda é finalizado com azeite trufado de torresmo, outra invenção do chef. “Uso muitos condimentos, mas deixo a pimenta por conta do cliente. A não ser que ele queira comer red curry, uma sopa bem tradicional tailandesa a base de frango, leite de coco, curry e páprica”, destaca.
No Uaithai, Ricardo serve a sua interpretação do pad thai, o prato mais conhecido da Tailândia, que pode ser preparado de várias formas diferentes. “O número de receitas existentes é o número de famílias, porque cada uma faz de um jeito”, conta. No seu caso, o talharim de arroz é acompanhado de camarões marinados na cachaça e o sabor agridoce vem da rapadura, o que ajuda a reforçar a mineiridade. Na recente visita a Bangcoc, ele aprendeu com uma senhora o segredo do molho mais gostoso que já comeu e fez alterações em seu prato. O chef revela que a receita dela leva torresmo, ingrediente que os tailandeses, assim como os mineiros, usam bastante.
MÚSCULO
O cardápio abriu espaço para outra descoberta de Ricardo na última viagem ao Sudeste Asiático. Foi no Vietnã, mais especificamente em Hoi An, a cidade das lanternas, que o chef experimentou um prato inspirador: salteado de carne bovina com molho (bem ácido) de tamarindo. Interessado em trabalhar com cortes menos nobres, ele escolheu o músculo para ser a estrela da mais nova receita. Em um aro, colocam-se camadas, que depois são gratinadas, da carne em consistência quase pastosa, queijo de cabra, cogumelo shitake e figo turco. “Faço um molho de tamarinho com capim limão, folha de limão rosa e melaço de cana que fica espetacular”, conta.
O chef também destaca a costela Hmuyang, prato que se firmou como fenômeno da temporada. A carne suína fica imersa em marinada com especiarias tailandesas por três dias, depois é confitada durante seis horas na sua própria gordura e ainda passa por finalização no forno com molho barbecue da casa. “Servimos a costela com arroz jasmim cítrico, salteado na panela wok com capim-limão, folha de limão rosa e raspas de limão siciliano, além de mel, cebola roxa e pimentões coloridos”, detalha. Por baixo, uma camada de redução de melaço de cana para acentuar o sabor agridoce.
Mangethai
Ingredientes
150g de filé-mignon em tiras; 30g de vagem picada (2cm); 30g de ervilha torta picada (3cm); 30g de pimentões coloridos cortados em tiras finas; 30g de cebola roxa cortada em tiras finas; 5g de gengibre picado; 10g de amendoim; 2 tâmaras picadas; 20g de cogumelo shitake; 50ml de molho shoyu; 20ml de óleo de gergelim torrado; 10g de mel; 2 dentes de alho; 3 rodelas de abobrinha; 1 beterraba; 100ml de água; 10ml de mel; 10g de goma xantana
Modo de fazer
Deixe o filé-mignon marinar na mistura de molho shoyu com óleo de gergelim torrado e mel. Em uma panela wok, coloque azeite e o alho picado. Refogue. Entre com as vagens, ervilha, cebola, pimentões, amendoins, tâmaras, gengibre e os cogumelos. Salteie, jogue a marinada do filé-mignon e continue salteando até que a vagem fique ao dente. Coloque todos os legumes em um canto da wok e entre com o filé-mignon. Sele de um lado, vire e sele do outro. Salteie tudo. Grelhe as rodelas de abobrinha com gaham masala. Bata a beterraba no liquidificador com a água. Coe e acrescente o mel. Misture a goma xantana e bata tudo no liquidificador novamente. Monte o prato com a redução de beterraba em volta e as rodelas de abobrinhas na borda.
Comida é emoção
O chef do Uaithai desafia quem diz não gostar de comida tailandesa a experimentar os seus pratos, e tem conseguido surpreender os mais tradicionais. “Não é um paladar para todos, mas adoro quebrar paradigmas. Nunca ia querer montar um restaurante italiano, é comum demais. Não sou nada óbvio, tento sempre fazer o diferente”, entrega Ricardo Martins, que deixa clara a vontade de não ser fiel a nenhuma receita. E olha que ele tinha tudo para seguir outro caminho.
Convencido pelos irmãos a largar o trabalho de empalhador de cadeiras, Ricardo se matriculou no curso de gastronomia do Senac em Florianópolis e logo conseguiu uma vaga na cozinha do italiano Rosso. “Em oito meses, já era o subchef da casa e o chef falou comigo: “Vai seguir a sua vida, viaja, trabalha em outros restaurantes, porque você tem que ter o seu’. Então, ele vendeu o carro e se mudou para São Paulo, determinado a trabalhar com Alex Atala. Bateu na porta do Dom e só saiu de lá com um emprego. Depois trabalhou no Dalva e Dito, outro restaurante do chef estrelado.
Nascido em Goiás, Ricardo se apaixonou pela gastronomia tailandesa na capital paulista. Com uma wok na mão, ele começou a saltear ingredientes típicos e se envolveu de vez com os sabores do país asiático. O plano de abrir um restaurante ainda era distante, mas o nome Uaithai já estava definido. “Fiz um salteado na casa de uma amiga, em Ibitipoca, e resolvi pegar folhas de couve na horta. Foi quando falei: nossa, essa comida ficou muito uaithai”, em referência à mistura de Minas com a Tailândia.
Depois da primeira viagem ao Sudeste Asiático, o chef passou um ano testando receitas e formulando o primeiro cardápio. Ele não queria correr o risco de servir uma comida tailandesa comum. “Falo para os cozinheiros que comida boa todo mundo tem, mas comida emocionante você não encontra em qualquer lugar. Sempre pensei que comer é muito mais que dar garfada e encher barriga, é emoção, é sentir o ambiente, os cheiros no ar, a aparência dos pratos”, defende Ricardo, que escolheu começar os negócios por Tiradentes, cidade que para ele respira gastronomia.