Fred conta que já oferece o prato há cinco anos, mediante encomenda, com entrega combinada para o próprio dia 24 uma vez que quanto mais fresco o preparo, melhor fica a degustação na ceia. “Ele é assado a baixa temperatura, por toda a noite, em braseiro e, depois de cozido, pururucado”, avisa. O chef lembra que a ideia de apostar no prato vem de uma tradição de família. “Minha memória afetiva remete à casa da minha avó, em Montes Claros, onde sempre se fez o leitão inteiro, assado, com farofa de andu e arroz com pequi. No Trindade propusemos uma versão diferente e a possibilidade de destrinchar, e dividir as partes em porções”. Toque de modernidade vem da proposta de acompanhamentos que, apesar da valorização de ingredientes nacionais e do sotaque regional, propõe um intercâmbio com culturas culinárias de outros povos como o ceviche (técnica inspirada na cozinha peruana) e o arroz basmati, ingrediente tailandês. “É um arroz mais perfumado, que combina muito com a carne de porco”, justifica.
Outro diferencial fica por conta do molho roti, preparado como manda o figurino dos antepassados, a partir das aparas e dos ossos de partes do suíno não aproveitadas no serviço de mesa. Também como determina a tradição e o conceito de culinária slow food preconizado pelo chef, o preparo é longo, supera as 24 horas. “Marino o leitão por um dia todo e ele fica assando no braseiro por pelo menos 12 horas, à temperatura controlada de 90 graus”, conta. Trindade lembra que a técnica de cozimento em baixa temperatura é fundamental para se preservar o suco e a gelatina da carne. “Como resultado, conseguimos textura tenra, suculenta”.
Na finalização o segredo é pururucar a pele do leitão, o que garante a crocância. Para isso, ele lança mão de um truque culinário. “ Depois de a carne já cozida, passo um pouco de cachaça, elemento que ajuda a pele a secar e a pururucar no braseado. Em um forno doméstico convencional o processo deve ser repetido e o leitão exposto ao calor por cerca de 10 a 15min“, ensina. Para finalizar, o chef rega a carne com azeite extra virgem, tempera com flor de sal e acrescenta brotos de coentro. “É um prato que remete à cozinha mineira de quintal, à cultura de usar o animal criado no próprio recinto, de cozinhar longamente, de brasear”, avisa.
Pururuca uma tradição de família
Por falar em culinária de raiz mineira, também o médico Luiz Ney apostou na memória afetiva para promover a degustação de um leitão à pururuca que ganha cada vez mais fama em Minas Gerais. Proprietário da pousada Villa Paolucci, em Tiradentes, ele criou um aparelho de pururucar (queimador de infra vermelho que gera 800 graus de temperatura sem chama) e prepara a receita aos sábados e durante o festival de gastronomia, sem exceção. No Natal da família, o prato é servido como estrela da ceia há muitas gerações. “O leitão à pururuca é uma tradição de família há mais de cem anos. Meu avô, que era fazendeiro em Barbacena, aprendeu com o pai dele e a receita vem atravessando as gerações. Eu asso o leitão em forno de cupim e pururuco no aparelho que criei, cujo diferencial é abranger 99% da superfície do suíno”. Vale registrar que o médico vende a engenhoca de pururucar para todo o país.
Para quem pretende preparar a receita em casa, Ney revela segredos. “Deixo a carne marinar por sete dias sob refrigeração e só uso vinho branco português, além de limão, cachaça e açúcar mascavo. Em forno, sugiro que o leitão seja assado em grelha e não em tabuleiro, já que ao mantê-lo suspenso não fica tão gorduroso. Para pururucar, indico aproximar o leitão de um braseiro”.
Ele lembra ainda que costuma aproveitar toda a carne do animal, com exceção do cérebro. “A maioria das pessoas adora um leitão. Recebo por ano cerca de 6 mil comensais. Na receita da ceia de Natal, deixo o rosto porque a bochecha é uma delícia. Costumo dizer que se aproveita tudo. A orelha e o rabinho não ficam bons assados, mas é possível guardar para uma feijoada e até as vísceras podem ser utilizadas em um sarapatel ou angu à baiana. Além da tradição de raiz, o leitão combina com Natal, época de vinhos, por harmonizar muito bem com diversas versões da bebida como branco, tinto e espumante”, sugere.
Primo rico Já para os que preferem uma carne de sabor mais suave, a banqueteira Liliane Menezes sugere o javali no lugar do leitão (veja receita na página). “Trata-se de um animal conhecido como semi-selvagem por que a matriz vem do cruzamento do javali com a porca. Então, tem sabor mais suave, delicioso e suculento, que considero melhor que as carnes tradicionais de fim de ano como o próprio leitão ou o cordeiro”, opina
Lili conta que oferece o javali para a ceia de Natal há mais de 10 anos. A versão usada também é a baby, originária de criatório. A oferta é restrita, limitada a cerca de 30 unidades. “É um prato sazonal, que só preparo nessa época e, às vezes, no dia das mães. Na ceia, o javali é muito versátil por combinar com massas, um arroz mais elaborado, saladas. Para o preparo, segredo é acrescentar ervas como tomilho, sálvia, alecrim, louro, além de sal, alho, vinho branco e azeite. Daí marino por dois dias, asso em forno combinado e sirvo com batatinha rústica,cebolinha caramelada e tomatinho pra enfeitar.”
Javali ao forno
Ingredientes
1 pernil de javali com cerca de 2kg, 1 colher de sopa de sal por kg, 2 colheres de sopa de azeite, 1 copo de vinho branco seco, 2 folhas de sálvia, 2 ramos de alecrim, 3 ramos de tomilho, 2 dentes de alho, 1 folha de louro, 1 copo d’água, pimenta-do-reino, 20 mini batatinhas descascadas e 20 mini cebolinhas.
Modo de fazer
Limpe bem o javali retirando a pele e a gordura. Faça pequenos furos na carne e introduza alho em fatias e raminhos de alecrim. Passe sal e pimenta-do-reino na carne e coloque na marinada. A marinada: bata todos os ingredientes no liquidificador (use apenas ½ copo de vinho) e espalhe sobre a carne. Quando for assar, acrescente o outro ½ copo de vinho. Cubra com papel laminado e asse em forno pré aquecido por 1h com a gordura para baixo. Vire a carne e deixe por mais 30min no forno ainda coberto. Quando assado, retire o laminado para dourar a carne por cerca de 30min tomando o cuidado de abaixar a temperatura para não queimar o produto. Cozinhe as batatinhas e as cebolinhas no vapor. Doure duas colheres de sopa de açúcar em uma frigideira, acrescente as cebolas e junte 1 colher de vinagre. No final, ajunte tudo no tabuleiro. Se quiser, acrescente vagens cozidas, tomatinho ou pimenta biquinho.