Cidade do México – Produtos genuinamente brasileiros ganham destaque além das nossas fronteiras. Jurados que avaliaram os pratos apresentados na etapa latino-americana do Bocuse d’Or, o mais conceituado concurso de gastronomia do mundo, aprovaram sabores exóticos de ingredientes que só se encontram no Brasil, tanto que a equipe verde e amarela subiu ao mais alto degrau do pódio. A prova ocorreu durante a feira internacional de gastronomia e hotelaria Sirha, realizada pela primeira vez no México. Uruguai e Guatemala também se classificaram para a final mundial, em Lyon.
As 10 equipes tiveram que desenvolver uma receita com filé-mignon e outra com tilápia, cada uma com três guarnições. A única exigência era que o peixe fosse acompanhado por um ingrediente típico do país de origem. Ousado, o time brasileiro apostou em um prato bem regional. “Como a tilápia não é peixe do mar, seguimos para o lado dos rios da Amazônia e trabalhamos com chicória do Pará, farinha de uarini, flor de jambu e tucupi”, explicou a chef alagoana Giovanna Grossi, que representou o Brasil na competição. Banana-da-terra também marcou presença no prato.
Já a pitanga-preta, espécie nativa da mata atlântica, deu um toque brasileiro ao prato de filé-mignon, que ainda contou com quiabo, mandioca e pimenta-de-cheiro.
O chef francês era um dos integrantes do júri, formado pelos líderes de todas as equipes: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, México, Peru e Uruguai. À frente da mesa estava o peruano Gastón Acurio, que comanda o Restaurante Astrid y Gastón, em Lima, no Peru, um dos mais premiados da América Latina. Ele ficou impressionado com a delicadeza dos pratos brasileiros. Giovanna acredita que o sabor da chicória do Pará, que estava abaixo de todos os elementos do prato de tilápia, em forma de emulsão, surpreendeu os avaliadores, assim como o corte da carne. Para se diferenciar dos concorrentes, ela apresentou o filé-mignon quadrado.
Os produtos que compõem as receitas foram selecionados em vários estados brasileiros, como Espírito Santo, Amazonas, Pará e Minas Gerais, representado pelo queijo da Serra da Canastra. “A nossa intenção era mostrar o que o país tem a oferecer, com identidade, e a Giovanna fez questão de incluir ingredientes da gastronomia alagoana”, disse Suaudeau. Como sabiam que encontrariam dificuldade em passar pela alfândega, cada integrante da equipe levou para a Cidade do México uma receita completa na bagagem, menos as proteínas, que são fornecidas pelo concurso. Por sorte, apenas uma mala foi apreendida. Lá, eles compraram itens básicos como tomate, alho, cebola e azeite.
Os candidatos só podiam contar com a ajuda de um cumim, também chamado de auxiliar de cozinha. Chamou a atenção a forma como Giovanna cozinhava em harmonia ao lado de Nicholas Santos, resultado de dois meses de treinamento intenso na Escola da Arte Culinária Laurent. Os seis integrantes da equipe se encontravam de segunda a sábado, das 7h às 21h.
A dupla teve cinco horas e 35 minutos para preparar e servir os dois pratos, diante de uma plateia animada. No papel de coach, o chef Victor Vasconcellos acompanhou de fora do box os trabalhos, de olho no tempo e no andamento dos processos. Só não era permitido tocar nos utensílios nem provar a comida.
Completavam a equipe os chefs Andreaws Valentim e Marcelo Pinheiro, que já participou outras três vezes da seletiva latino-americana do Bocuse d’or (até então Copa Azteca), uma como candidato e duas como presidente. Em apenas duas edições o Brasil não se classificou para a disputa em Lyon. “Como vivi os dois lados, apontei os erros mais comuns e mostrei como é importante entender o regulamento. É preciso interpretar bem os pontos objetivos e deixar os subjetivos, como sabor, textura e apresentação, para cada jurado avaliar”, comentou. México e Colômbia, por exemplo, perderam pontos porque colocaram potes no prato. Pelas regras, todos os elementos devem ser comestíveis.
Em agosto, será divulgado o regulamento para a final em Lyon, da qual participarão 24 países. “É claro que vamos dar um toque brasileiro aos pratos, mas ainda não sabemos quais serão os ingredientes obrigatórios”, ressaltou Giovanna, que trabalhou em conceituados restaurantes na Europa.
Açúcar e chocolate
Lyon também receberá os brasileiros classificados para a Copa do Mundo de Pâtisserie, que, assim como os vencedores da etapa latino-americana do Bocuse d’or, abusaram de sabores exóticos, como capim-santo, castanha de baru, cumaru, buriti e maracujá. “Na França, vamos trabalhar ingredientes internacionais. Imagina fazer um japonês ou alemão provar buriti”, observou o chef Ramiro Bertassin, líder da equipe, que já participou três vezes da Copa Maya como candidato, uma delas com vitória. Ele citou uma tentativa frustrada de servir sorbet de jabuticaba, fruta desconhecida pelos europeus, em Lyon.
O time brasileiro escolheu explorar o tema do filme Jurassic Park. Em seis horas de prova, Abner Ivan e Marcone Calazans tiveram que entregar uma torta de sorvete, uma sobremesa no prato, uma escultura de chocolate e outra de açúcar. Em referência ao tema, eles incluíram elementos decorativos como plantas carnívoras, cogumelos e folhagens. Abner criou a mão todos os moldes em 3D para montar uma cabeça de dinossauro toda de chocolate, que encantou o público.
A disputa terminou de forma emocionante para o Brasil. Os chefs não ficaram entre os três primeiros colocados, mas acabaram convidados para participar da final, junto com Chile, México e Argentina, em uma decisão de última hora do fundador da Coupe du Monde de la Pâtisserie, Gabriel Paillasson. Ele tem o poder de usar o wild card quando enxerga potencial em uma equipe que não alcança os pontos necessários para subir ao pódio. “Estar entre os 24 melhores países é uma grande conquista, não importa a posição”, defendeu Abner.
Marcone ainda ganhou o prêmio de melhor trabalho em açúcar. “Lyon é o sonho de qualquer confeiteiro. Lá, o mundo todo conhece você e enxerga seu trabalho.” O resultado é ainda mais surpreendente para uma equipe que teve apenas uma oportunidade de treinar, já que Ramiro mora em Brasília, Marcone em São Paulo e Abner em Limeira. “Acredito que essa foi a melhor participação do Brasil no concurso. Nunca tivemos capitães com experiência, alguns nem eram especializados. Pude passar confiança e conhecimento”, destacou o líder.
Para disputar o pódio na França, será preciso incluir mais um integrante ao time, que ficará responsável pela montagem de uma escultura de gelo.
Tilápia
Ingredientes
1 unidade de tilápia;
4 folhas de acelga; quanto baste (QB) de zimbro; QB de semente de coentro; QB de sal; QB de pimenta-do-reino branca; 50g de vinagre de mel; 50g de vinho branco; 80g de água; 10g de katsuobushi; QB de serragem.
Modo de fazer
Marine as folhas de acelga com vinagre, vinho branco, água, sementes de coentro e zimbro por 30min. Limpe os filés da tilápia. Em seguida, coloque-os em uma assadeira, passe o filme plástico e defume com o defumador manual e a serragem por 30min. Escorra a acelga e guarde a marinada. Enrole cada filé de tilápia com uma folha de acelga e 5g de katsuobushi (lascas de atum defumado). Depois, passe o papel filme, fazendo pequenos furos. Cozinhe os filés em água com a marinada a 90 graus, por 7min. Retire do filme plástico e sirva.
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